terça-feira, 25 de novembro de 2014

Da surra na rua ao cinturão: conheça o caminho de Werdum antes da fama

Irmão e primeiro treinador relatam ao GloboEsporte.com a trajetória do campeão interino dos peso-pesados no UFC no jiu-jítsu e no mundo das lutas

Por Porto Alegre
Quando aprimorou os golpes de judô que aprendera com seus irmãos, no começo do século passado para chegar à técnica da alavanca e, assim iniciar a tradição do jiu-jítsu brasileiro, Hélio Gracie buscava dar força para os “mais fracos enfrentarem os mais fortes”. Não imaginava que a arte que difundira ao longo de seus 91 anos de vida, findados em janeiro de 2009, viessem a calhar para dar rumo à vida de um então jovem de 17 anos, que costumava escapar das aulas para “aprontar” pelas ruas de Porto Alegre. E que superou, à base de muita dedicação no tatame, um passado de desleixo para conquistar o cinturão dos peso-pesados do UFC no último dia 16 (veja no vídeo ao lado).
Fabrício Werdum desfrutava do conforto proporcionado pela mãe, Célia Silveira, que reside em Madrid, capital da Espanha, há quase 30 anos, para viver com liberdade a adolescência na capital gaúcha - morava sozinho com os irmãos sob os cuidados de uma emprega. Aproveitava a vida confortável longe do olho protetor da mãe para fazer “bagunça” e “coisas de guri” pelas vias da cidade, sem demonstrar muito comprometimento com as tarefas escolares. Encontrou no jiu-jítsu o foco e a motivação de que precisava para mergulhar em um universo que o cativasse. E graças a uma surra que levara em uma de suas andanças. Muito antes de nocautear Mark Hunt na Cidade do México, o gaúcho foi quem saiu derrotado em um embate com o ex-namorado de sua então namorada.
- Ele tinha uma namorada na adolescência. Quando ele começou a namorar com ela, o ex ainda tinha muita influência, tinha uma amizade com a família dele. Aí, o cara convidou ele para fazer um “rola”. O Fabrício não sabia que ele lutava jiu-jítsu e, como sempre foi muito autoconfiante e grandão, foi para cima do cara, que logo deu dois triângulos nele. Foi uma surra. Isso instigou ele a fazer jiu-jítsu. Hoje tu vê, ele ganhou do Feder (Emelianenko) no triângulo. Ele ainda tinha de aguentar o cara, na frente de todo mundo. Foi dessa surra que tudo começou - revela Felipe Silveira, irmão e integrante da equipe, em entrevista ao GloboEsporte.com.
Fabrício Werdum jiu-jítsu início trajetória (Foto: Arquivo Pessoal)À esquerda, Fabrício Werdum é arremessado pelo mestre, no início da trajetória no jiu-jítsu(Foto: Arquivo Pessoal)

A revanche diante do algoz na adolescência ficou apenas na promessa. Pouco importa. Quase 20 anos mais tarde, se transformou em uma lembrança remota do passado. Também pudera. Vieram títulos mundiais de jiu-jítsu, a marca de ser o único lutador da história a finalizar os mitos Fedor Emelianenko e Rodrigo Minotauro, e o recente cinturão interino. Além da gratidão que demonstra até hoje ao primeiro treinador, Marcio Corleta, dono de uma academia em Porto Alegre, expressa por uma mensagem de áudio no celular, mesmo diante da relação mais distante entre a dupla atualmente
- Tu vê, foi só falar do cara, que ele aparece. O Fabrício acabou de me agradecer aqui, algo que eu sempre enchia muito o saco dele, para ele trabalhar, que são as técnicas de defesa pessoal. Ele disse que foi nisso que levou vantagem sobre o Mark Hunt - afirma o treinador.
Marcio Corleta treinador Fabrício Werdum (Foto: Eduardo Deconto/GloboEsporte.com)Primeiro treinador, Marcio Corleta recebe a gratidão de Werdum (Foto: Eduardo Deconto/GloboEsporte.com)
Como o início no mundo das lutas já indica, a trajetória de “Vai, Cavalo!” até colher os frutos de suas vitórias no octógono não se desenhou com facilidade. Sem contar com o apreço inicial da mãe, encontrou no apoio de Corleta as condições para disputar as primeiras competições da carreira.
- Ele não tinha muito apoio, muita grana para investir e bancar as viagens. Eu só exigia dele que chegasse no horário e se dedicasse ao máximo nos treinamentos. A gente fazia um esforço para que ele fosse aos campeonatos e aos acampamentos de treino, realizados no Rio de Janeiro. Às vezes, eu acabava bancando, às vezes íamos de carro - relata Corleta.
E Werdum soube retribuir. Trocou os tempos de “maloqueiro” pela dedicação nos treinamentos do novo esporte e, em pouco tempo, já começou a ver florescer os primeiros louros do esforço para aprender as técnicas do jiu-jítsu.

- Ele soube aproveitar. Aprendeu e evoluiu muito de acordo com o método de ensino. Chegou à faixa preta em cinco anos. Ganhou dois mundiais nas faixas azul e na roxa. Não venceu na marrom, mas pegou a preta e ganhou o mundial. É um cara que corria atrás. Sabia o que queria e onde queria chegar. Eu brinco que ele é ex-maloqueiro, mas, apesar da malandragem, sempre teve uma boa índole - analisa Corleta.
Marcio Corleta treinador Fabrício Werdum (Foto: Eduardo Deconto/GloboEsporte.com)Primeiro treinador, Marcio Corleta relembra o início da trajetória de Werdum (Foto: Eduardo Deconto/GloboEsporte.com)

"Bicos" na Europa para bancar início da carreira
A distância e as saudades da mãe levaram Werdum a se mudar para Madri. Mas não o fizeram desistir do jiu-jítsu. Fabrício morou na capital espanhola durante seis anos. Por lá, procurava dar aulas em uma academia para se manter ligado ao esporte. Também complementava a renda para custear as viagens ao Rio de Janeiro para disputar os campeonatos da modalidade com “bicos” em empregos temporários.
Antes de se firmar como um dos principais nomes da luta, o gaúcho trabalhou como segurança de boate e na carga de equipamentos para shows e espetáculos na Europa. O ingresso no MMA foi quase por acaso, depois de um convite de um aluno para um combate em Londres.
- Ele não tinha noção nenhuma de boxe, na época só treinava jiu-jítsu. Era fã do Wanderlei SIlva e do Minotauro e ficava instigado para provar esse “tal de vale-tudo”. Estava com aquilo na cabeça de provar. Pintou a oportunidade, a gente foi para Londres sem receber para isso. O Fabrício acabou ganhando duas lutas e, a partir disso, engrenou - relata Felipe.
Mosaico Werdum 1  (Foto: Editoria de arte)Ex-treinador e irmão contam início da trajetória de Fabrício Werdum (Foto: Editoria de arte)

O início vitorioso surtiria boas consequências. Werdum sairia “do nada” para bater Tom Eriksson em sua estreia no Pride, diante de 40 mil pessoas, em 2005. No mesmo período, treinou por dois anos com Mirko Filipovic, o Cro Cop, na Croácia, experiência tida como vital na evolução do Cavalo no mundo das lutas.
- Foi o nosso primeiro contato com uma pessoa 100% profissional. Ele mostrou como seria um profissional. Considero um dos melhores que já conheci. Ele tinha toda uma estrutura voltada para ele. Treinava embaixo da casa, em um espaço de 300 metros quadrados. Descia uma escada, treinava e voltava. Era muito focado. Foi uma pessoa muito inspiradora - pondera Felipe.
Fabrício e Felipe Werdum (Foto: Reprodução/Instagram)Felipe acompanhou toda a carreira do irmão, Fabrício(Foto: Reprodução/Instagram)

Aos poucos, Werdum foi consolidando seu nome em competições como o Pride e o Strikeforce e conquistando o apoio da mãe. À medida em que o profissionalismo rendia frutos, dona Célia se rendeu à paixão do filho pelo esporte, a ponto de se tornar a "fã número 1" do lutador.
- No começo, era totalmente contra, depois com o tempo, viu o profissionalismo, viu o Fabrício ganhar um monte de campeonatos na carreira. Foi aceitando e acabou admirando, inclusive, a modalidade - afirma Felipe.
Werdum teve uma breve passagem pelo UFC em 2007, mas acabou deixando o cartel de lutadores da organização ao ser nocauteado por Junior Cigano. Mas para um lutador predestinado, até uma derrota dolorosa renderia glórias no futuro, no Strikeforce.
Triunfo sobre mito é comparado à conquista do cinturão
UFC Fabricio Werdum e Fedor Emelianenko (Foto: Arquivo Pessoal)Algoz, Werdum reencotnra mito do MMA em Porto Alegre(Foto: Arquivo Pessoal)
Posicionado no posto mais alto da trajetória de conquistas do Cavalo no MMA, o almejado cinturão interino dos peso-pesados no UFC divide espaço com outra importante vitória no cartel do gaúcho. Em 2010, Werdum foi o primeiro lutador a bater o mito da categoria, Fedor Emelianenko pelo Strikeforce, quebrando uma hegemonia de mais de uma década. E em apenas dois minutos de luta, no primeiro round, por uma finalização. Como não podia ser diferente, o irmão, que o acompanhou ao longo de toda a trajetória, teve papel fundamental no triunfo.
- A gente viu duas vitórias do Fedor contra o Minotauro, e eu comentei com o Fabrício: “Pô, se ele entrar na tua guarda desse jeito, tu pega ele fácil”. Falei com fé, mas era só um comentário. Papo de irmão. Quando pintou a oportunidade, todo mundo pensou que ele ia tomar uma surra. Foi muito impactante. A gente era fãs do cara e ver o cara do outro lado, encarando…Vai lutar com o “monstro”. E de repente, em menos de dois minutos, o Fabrício pega ele e finaliza e bate aquele espanto. O cinturão tem muito valor, mas, até hoje, essa conquista foi a maior - analisa Felipe.
O triunfo diante do mito russo e a trajetória vitoriosa no Strikeforce o colocaram no caminho da academia Chute Boxe, por onde já passaram Anderson Silva, Maurício Shogun e Vanderlei Silva, para aprimorar o Muay Thai eo Thai Boxe. Também o credenciaram a um retorno ao UFC, concretizado em fevereiro de 2012. A partir de então, Werdum superou obstáculo atrás de obstáculo para chegar ao cinturão. Técnico do The Ultimate Fighter Brasil, bateu até mesmo o ídolo Rodrigo Minotauyro, em 2013, ao finalizá-lo no segundo round.
Férias com a cabeça em Cain Velázquez
Dois meses recluso em preparação intensiva, alternada na altitude de Nevado de Toluca e de Jiquipilco, no México - com direito a susto e quase morte por intoxicação. Sofrimento diante da mão pesada de Mark Hunt e superação para se recuperar  na luta e levar o adversário ao chão no UFC 180, na Cidade do México. Emoção e felicidade ao vestir o cinturão interino dos pesos-pesados. Passada a epopeia pelo título interino, é de se imaginar que Werdum não almeje nada além do carinho da família para saborear dos louros da conquista.
Fabrício Werdum treinamento méxico (Foto: Reprodução/Instagram)Werdum posa ao lado da equipe, durante o período de treinamento no México (Foto: Reprodução/Instagram)

De volta a Los Angeles, onde reside e é dono de uma academia própria, após o combate, o gaúcho aproveitou a semana de folga para relaxar ao lado da esposa, Carina, das filhas, Joana e Julia, e do irmão, Felipe. A trupe aguardava apenas a chegada da mãe, Célia Silveira, desde Madri, para embarcar rumo a São Francisco, no último sábado, e desfrutar de uma merecida semana de férias.
- A Califórnia é muito boa. Temos nossa academia aqui, nosso centro de treinamentos. Gostamos de viajar bastante. Damos alguns tiros, nos estandes. Vamos para praia. Gostamos muito de programas familiares e de viajar, visitar. Vamos bastante aos parques naturais que têm pela região - relata Felipe Werdum.
Mas o descanso tem lá suas ressalvas. Ainda com as memórias pela conquista recente ainda vivas, os Werdum já começam a planejar os treinamentos para dar o passo definitivo na história do UFC. Buscam assegurar a mesma logística que dera certo diante de Hunt para superar Cain Velázquez na luta pela unificação do cinturão.
- A gente saiu de férias, mas estamos pensando na luta. O Fabrício vai lutar com o Velázquez. Só aguardamos o local da luta para definir o treinamento. Se for no México, ou nos Estados Unidos, vamos fazer o mesmo "camp" de trabalhos. Se deu certo uma vez, vai dar certo na outra - projeta Felipe.
Mosaico Família Werdum  (Foto: Editoria de arte)Werdum aproveita período de férias ao lado da família, na Califórnia (Foto: Editoria de arte)

De acordo com o presidente da organização, Dana White, o embate deve ocorrer em 13 de julho de 2015, no UFC 188, na Cidade do México, território do rival, americano com raízes mexicanas. Pois é justamente do apreço pela terra natal, o Rio Grande do Sul, que Fabrício encontra a força para derrotar o adversário e vestir o cinturão definitivo, com direito a um desejo especial, que beira o sonho: lutar na Arena do Grêmio, clube do coração.
- Desde pequeno, o Fabrício sempre foi autoconfiante. Até mesmo antes de fazer luta. Sempre senti isso muito forte. Não tenho dúvidas. Ele nunca teve dúvidas. Se pudesse ser na Arena,  a gente ia lotar aquele estádio de gremistas, de colorados, de gaúchos. Ia ser impossível perder o cinturão. A gente tem muito orgulho de ser gaúcho, de ser do Sul. A nossa força vem da terra - ressalta o irmão, Felipe.

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