sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Análise: Ferrari atacou pontos fracos pela raiz. A dúvida agora é a gestão

Novo carro evidencia preocupação com aerodinâmica e pode representar nova era do time nas pistas, mas gestão de Maurizio Arrivabene e Sergio Marchionne é incógnita

Por Direto de Jerez de la Frontera, Espanha
Livio Oricchio - Especialista GloboEsporte.com (Foto: GloboEsporte.com)
A exemplo do que fez a McLaren, a Ferrari produziu este ano um carro bastante distinto do que estreou em 2014 no início da era da tecnologia híbrida da F-1. O modelo SF15T apresentado nesta sexta-feira incorpora mudanças substanciais quando comparado o monoposto do último campeonato. É a primeira Ferrari não concebida pelo grego Nikolas Tombazis desde 2007.

Os principais responsáveis pelo SF15T são o inglês James Allison, ex-Lotus, o vice de Tombazis, o italiano Simone Resta, o especialista em aerodinâmica Dick de Beer, também egresso da Lotus, e a nova dupla da importante área da unidade motriz, os engenheiros Lorenzo Sassi, no projeto, e Mattia Binotto, administração.

As fotos evidenciam grande preocupação com a aerodinâmica. Apesar de os radiadores da nova unidade motriz serem maiores que os de 2014, é possível ver no SF15T sensível redução nas dimensões da carenagem traseira, prova de importante trabalho de engenharia. De um modo geral as linhas do carro compõem um conjunto harmonioso, parece haver certa coerência aerodinâmica entre os vários setores do monoposto.
Mosaico - Ferrari apresenta o SF15-T (Foto: Divulgação)

Embora essa premissa não seja uma garantia de resultados, não deixa de ser um indício inequívoco de se tratar de um projeto concebido globalmente, a exemplo do MP4/30-Honda da McLaren, exposto ontem. Em geral, modelos que seguem essa receita complexa, pois exige entrosamento das várias áreas da equipe, tendem a se dar melhor que carros do tipo colcha de retalhos, como era o da Ferrari em 2014.

Havia discordância relevante entre as soluções defendidas, e utilizadas, por Tombazis, e as do diretor da unidade motriz, Luca Marmorini. Um acusou o outro depois de deixar a Ferrari, o que atesta a falta de sinergia que existia. Se unindo forças o desafio da F1 já é difícil, com brigas no grupo os resultados não têm como ser alcançados.

O SF15T sugere ser o produto de um conjunto de profissionais competentes e que trabalharam na mesma direção, sem um racha interno, como ficou evidente em 2014. O fato, decorrente também da falta de uma liderança forte, que não chamava para si a responsabilidade e deixava o barco correr solto demais, foi talvez o principal motivo de Fernando Alonso decidir trocar de escuderia.

“Não confio nos rumos que o time está seguindo”, falou enquanto piloto da Ferrari. Saiu Stefano Domenicali, em abril, e entrou um homem de marketing no seu lugar que nunca havia visto a F1 de perto. Não sabia o que era bom e ruim para a equipe. Alonso ficou impressionado, segundo fonte bastante próxima ao espanhol.
O tetracampeão Sebastian Vettel é a grande aposta da Ferrari para a temporada 2015 (Foto: Divulgação)O tetracampeão Sebastian Vettel é a grande aposta da Ferrari para a temporada 2015 (Foto: Divulgação)




Time coeso

O bom desse carro da Ferrari é que Allison e Beer falam a mesma língua, sabem o que funciona e o que gera menores possibilidades de conquistas. Sem os recursos técnicos e financeiros da Ferrari, os dois conceberam monopostos na Lotus capazes de permitir a Kimi Raikkonen, em 2012 e 2013, ter chance de ser campeão.

Obviamente Binotto não contou quantos tokens usou dos 32 permitidos para modificar a unidade motriz na versão que vai começar o campeonato, dia 15 de março na Austrália. Mas com certeza algumas áreas da unidade italiana, a única que não ganhou corrida em 2014, foram completamente revistas. A primeira é a substituição do conjunto turbina-compressor por outro maior.

O time descobriu que o seu era pequeno demais. E assumiram publicamente. Como o regulamento não autorizava a troca, teve de se manter assim até o fim o ano. Outro aspecto que explica as deficiências da unidade motriz da Ferrari era a necessidade de trabalhar com misturas ar/combustível muito pobre, a fim de fazer seus carros concluírem os 305 quilômetros das corridas dentro dos 100 quilos de gasolina autorizados. A unidade da Ferrari era beberrona. Também de conhecimento público.

Este ano Mercedes, Ferrari e Renault poderão modificar 32 áreas da unidade motriz, o que corresponde a 48% do projeto. E podem fazê-lo ao longo do campeonato. Ao menos o básico Sassi e Binotto já foram obrigados a utilizar para rever a unidade motriz da Ferrari. Não há como não imaginar que será mais eficiente que a de 2014, razão importante da pouca competitividade do carro. Desde 1993 a Ferrari não vencia ao menos um GP no ano. A Honda, estreante na tecnologia híbrida, terá algumas liberdades de trabalho na sua unidade, mas não totalmente esclarecida para a imprensa.

Ainda em relação a unidade motriz da Ferrari, Alonso e Raikkonen sinalizavam a sua pouca dirigibilidade. A potência surgia muito abruptamente. Só para lembrar, o controle de tração está proibido há muito na F1. O que colaborou para a unidade da Ferrari não proporcionar acelerações progressivas, essenciais para o melhor tracionamento do monoposto e menor desgaste dos pneus, foi o equívoco também na escolha das oito relações de marchas fixas. E depois homologadas pela FIA. Não era possível mudá-las.
Com novo carro, Ferrari quer resgatar competitividade da equipe nas pistas da Fórmula 1 (Foto: Divulgação)Com novo carro, Ferrari quer resgatar competitividade da equipe nas pistas da Fórmula 1 (Foto: Divulgação)


Pensando em tudo

Este ano, além de uma unidade motriz de resposta de potência mais suave, a caixa de transmissão tem relações que permitirão aproveitar melhor a potência e atenuar a crônica dificuldade de tração da Ferrari de 2014. Vale ainda recordar que este ano o regulamento impõe como limite 4 unidades motrizes por piloto, enquanto em 2014 eram 5. O desafio cresceu.

Deu para ver até agora quantas áreas de carência haviam no modelo do ano passado e atacadas pelo novo grupo de projeto? Uma coisa, contudo, é diagnosticar e desenvolver soluções. Outra, sanar, de fato, as deficiências. As primeiras etapas já vão oferecer uma ideia do sucesso ou não do trabalho coordenado pelo diretor técnico.

Raikkonen deve estar feliz com o trabalho no SF15T, ao menos quanto aos cuidados na sua concepção. Allison se preocupou em melhorar o chamado turn in do carro. O piloto breca bem próximo à curva, como gosta Raikkonen, vira o volante com alguma agressividade e a frente entra na curva, não arrasta as rodas, ou sai de frente, como se diz. O campeão do mundo de 2007 se perdia com isso.

Alonso passou a brecar um pouco antes e mudar parcialmente a trajetória na curva. Adaptou-se ao que o modelo de 2014 exigia, dentre outras requisições estranhas. Raikkonen, não, por mais que tentasse. O resultado foi o espanhol somar em 19 etapas 161 pontos e o finlandês, 55. Pode ser diferente, agora.
Modelo SF15-T é aposta para recuperação após duas temporadas de resultados ruins da Ferrari (Foto: Divulgação)Modelo SF15-T é aposta para recuperação após duas temporadas de resultados ruins da Ferrari (Foto: Divulgação)


Vettel não é Alonso

A Ferrari não tem mais Alonso, piloto que mesmo com um monoposto desequilibrado e carente de potência conseguiu dois pódios na temporada, terceiro na China e segundo na Hungria. Esse claramente não é o forte de seu substituto, Sebastian Vettel. O alemão quatro vezes campeão do mundo é brilhante quando dispõe de um supercarro, como provou nos quatro títulos na RBR, de 2010 a 2013. Não é certo que Alonso fizesse o mesmo, ao menos repetisse o mesmo sucesso estrondoso. O espanhol não é o máximo nas sessões de classificação.

Mas quando Vettel competiu com um modelo que exigia adaptação, descobrir o que o faria ser rápido, como explorar melhor as características deficiente da unidade motriz da Renault e dos pneus mais duros da Pirelli, a exemplo do ano passado, demonstrou um lado que surpreendeu a muitos. Vettel tem limitações. Perdeu para um novato em escuderias de ponta, Daniel Ricciardo, em quase todos os parâmetros. O jovem australiano ganhou três GPs. Vettel, nenhum.
Maurizio Arrivabene e Sergio Marchionne na sede da Ferrari (Foto: Divulgação)Os comandantes Maurizio Arrivabene e Sergio Marchionne na sede da Ferrari (Foto: Divulgação)


Não existe a menor dúvida de que esse foi o maior estímulo para Vettel aceitar o convite da Ferrari, fugir da concorrência com Ricciardo no caso de a RBR produzir, este ano, outro carro mais difícil do que estava acostumado.

Por isso não está claro, ainda, o que Vettel poderá fazer na Ferrari. É trabalhador, interessado, dedicado, fecha com o grupo, não atribui aos outros sua falta de resultados, mas precisará que o SF15T seja um carro eficiente. Talvez não na extensão dos monopostos de Adrian Newey para a RBR, mas que ao menos não exija malabarismos para conduzi-lo, pois não é o seu estilo.

Os primeiros treinos aqui em Jerez de la Frontera já começarão a dar indícios do que esperar da fase inicial do campeonato. O que ficou evidente no lançamento do SF15T foi que os pontos fracos da Ferrari no ano passado receberam tratamento de choque. Há um porém: a liderança do grupo. Seu diretor, apesar da forte personalidade, como a organização exige, não entende muito de F1. Maurizio Arrivabene e seu presidente, Sergio Marchionne, presidente da Fiat e da Ferrari, representam uma grande dúvida.
Esteban Gutiérrez, Kimi Raikkonen e Sebastian Vettel: trio responsável por explorar potencial da nova Ferrari (Foto: Divulgação)Esteban Gutiérrez, Kimi Raikkonen e Sebastian Vettel: trio responsável por explorar potencial da nova Ferrari (Divulgação)

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