quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Após ser vítima de racismo, Fabiana diz: "Não tenho raiva dele, tenho dó"

Ainda chocada, bicampeã olímpica agradece mensagens de apoio e relata insultos de torcedor em Minas: "Não acreditava que um dia isso poderia acontecer comigo"

Por São Paulo
Fabiana protesta contra irregularidades da CBV (Foto:  Lucas Dantas/Sesi-SP Divulgação)Fabiana protesta contra irregularidades da CBV (Foto: Lucas Dantas/Sesi-SP Divulgação)
“Racista! Racista!” Fabiana olhava para a arquibancada sem entender a confusão entre os torcedores. Concentrada no jogo contra o Minas, clube em que começou sua carreira, a central do Sesi-SP mal havia escutado “um senhor” que a insultava com expressões como “macaca quer banana” e “macaca joga banana”, bem ao lado da família da jogadora. Foi inevitável o choque ao compreender o que aconteceu na partida da Superliga feminina, na última terça-feira, em Belo Horizonte, mesmo que a torcida a tenha abraçado e expulsado o agressor. Aos poucos, a bicampeã olímpica juntou forças e deu um primeiro passo para dar um basta no racismo ao tornar o caso público. Um dia após o incidente, Fabiana disse não guardar rancor pelo “senhor” que disparou injúrias raciais, apesar de ainda estar tomada pela tristeza.
- Estou muito triste, parece que a ficha ainda não caiu. Não acreditava que um dia isso poderia acontecer comigo. Estou ainda chocada e um pouco sem reação, mas muito triste. Não tenho raiva dele, não tenho ódio. Só tenho dó, pena. Peço que Deus possa iluminar o coração dele para que reflita, que ele tem que ser um exemplo, ele pode ter filhos, netos, e tem que dar o exemplo - contou Fabiana.
Em entrevista ao GloboEsporte.com, a bicampeã olímpica relatou o incidente e a tristeza de sua família, que presenciou a cena e tentou como pôde proteger a jogadora. Ela agradeceu as manifestações de solidariedade da comunidade do vôlei e de fãs. Fabiana também afirmou que ainda estuda junto com o Minas as medidas adequadas para dar um desfecho ao caso, que está sendo investigado pela Polícia Civil após a abertura do boletim de ocorrência por “atrito verbal” na 2ª Delegacia do Centro de Belo Horizonte.
GloboEsporte.com: No seu desabafo, você disse ter passado por uma situação difícil de vivenciar. Você pode descrever como ocorreu o incidente? Como os xingamentos te afetaram em quadra?
Fabiana: Foi no meio do jogo. Para ser sincera, não sabia o que estava acontecendo no começo, porque eu estava muito concentrada no jogo. Teve uma confusão na arquibancada, na parte de cima. Depois me contaram que era um senhor que estava me insultando quando eu ia para o saque. E ele estava do lado dos meus pais. Os torcedores logo compraram a briga, começaram a gritar: “Racista! Racista!”. Os seguranças do Minas já tiraram o senhor e levaram para a delegacia.
Fabiana Claudino, do SESI e da Seleção (Foto: Reprodução/ Instagram)Capitã da seleção, Fabiana recebeu apoio das jogadoras (Foto: Reprodução/ Instagram)
Como foi o momento em que te contaram o que tinha acontecido?
Quando eu soube, fiquei sem reação. Estou até agora chocada. É um assunto complicado até de se falar. O senhor estava ao lado da família da Suelen (líbero do Sesi-SP) e do meu pai (Vital Claudino). Eles não estavam nem entendendo o que estava acontecendo. Isso que me deixou bem chateada.
Você disse que seus pais estavam na arquibancada. Conseguiu ver a reação deles? Como foi o momento de encontro entre vocês depois do jogo?Meus pais são muito religiosos e muito tranquilos. Eles não estavam acreditando. Ficaram sem reação também. Minha mãe (Maria do Carmo) me ligou hoje (quarta-feira) e disse que estava muito mal por não ter tido reação, de ir para cima, de falar com o senhor. Eles estavam bem chateados (depois do jogo). Eles tentaram esconder de mim. Minha mãe acabou falando: “Filha, eu vi, eu estava lá”. Ela queria me proteger, queria que eu não soubesse.
Muitos jogadores manifestaram solidariedade, e você também recebeu apoio de muitos fãs do vôlei. Nesse momento de dor, o que representam essas palavras de incentivo para você? É um conforto saber que tenho o carinho e o amor das pessoas. É complicado falar sobre esse assunto, até me perco um pouco. Fico feliz pelas mensagens. Todo mundo me ligou, me mandou mensagem. Todas as mensagens me marcaram. Falaram: “Fabiana, você é um pessoa incrível, pelo exemplo que você representa”. Todo mundo está mandando força. O Minas foi o clube em que cresci. Todo mundo lá comprou a briga. Não julgo que ele seja um torcedor do Minas. Tenho um carinho grande pelos torcedores do Minas, e os torcedores têm carinho por mim também. Ele estava ali sem saber direito o que estava acontecendo.
 Não tenho nem palavras, foi muito triste. Enxergo que essas são pessoas sem coração, sem espírito. Não entra na minha cabeça como alguém pode ter esse tipo de atitude
Fabiana
 No seu desabafo você fala que refletiu muito para decidir se divulgava o caso ou não. Que pontos você colocou na balança e o que te motivou a tornar o incidente público?Eu resolvi falar porque acredito que isso possa vir a mudar, que possa ser um exemplo. Refleti por causa dos meus pais, vi o quanto eles sofreram, o quanto ficaram tristes. Quero que as pessoas se coloquem nessa situação, porque atacar e fácil, quero ver se isso acontece com você. Mas a atitude do Minas foi incrível de tirar logo o torcedor de lá.
Você já havia passado por alguma situação semelhante dentro ou fora de quadra?
Foi a primeira vez que passei por isso. Nunca tinha visto acontecer algo parecido com ninguém. Eu já morei em outro país (na Turquia) e também não passei por isso lá.
Vimos no ano passado outros casos de racismo no esporte, como o do goleiro Aranha, que voltou a ser alvo, por vezes com ironias como ser chamado de Branca de Neve por exemplo. Você teme que isso possa se repetir com você?Não tenho nem palavras, foi muito triste. Enxergo que essas são pessoas sem coração, sem espírito. Não entra na minha cabeça como alguém pode ter esse tipo de atitude. Acredito que isso nunca aconteceu com uma pessoa como essa. Fico triste, chateada. No século XXI, a pessoa não entende que somos iguais, que iremos para o mesmo lugar.
O Minas encaminhou o agressor à Polícia Civil. Você está acompanhando o caso para saber o desfecho?
Estou conversando com o Minas, ainda estamos vendo qual é a melhor medida para eu tomar. O Minas está acompanhando o caso de perto e me ajudando.
Um dia depois do calor do momento, qual é o sentimento que fica e que mensagem você tem para ele?
Estou muito triste, parece que a ficha ainda não caiu. Não acreditava que um dia isso poderia acontecer comigo. Estou ainda chocada e um pouco sem reação, mas muito triste. Não tenho raiva dele, não tenho ódio. Só tenho dó, pena. Peço que Deus possa iluminar o coração dele para que reflita, que ele tem que ser um exemplo, ele pode ter filhos, netos, e tem que dar o exemplo.

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