sexta-feira, 6 de maio de 2011

Aposta do COB para 2016, Felipe Wu vira fera no tiro com treinos no quintal

Medalha de prata nos Jogos da Juventude, em Cingapura, em 2010, paulista de 18 anos enfrenta falta de estrutura e limitações legais para se desenvolver

Por Helena Rebello Rio de Janeiro
Ser um prodígio no esporte nem sempre é sinônimo de facilidades na carreira. Medalha de prata na última edição dos Jogos da Juventude na pistola de ar, distância de 10m, Felipe Wu enfrenta limitações até mesmo legais para se firmar como um potencial medalhista do Brasil nas Olimpíadas de 2016. Mais jovem componente da seleção brasileira, com apenas 18 anos, o paulista não pode participar de provas de 50m por não ter idade para portar armas de fogo. Durante um bom tempo sem um clube para praticar em São Paulo, onde mora, o estudante improvisou seu alvo de treinamento num papel colado na parede do quintal de casa.
Felipe Wu, no treino de tiro com pistola de ar (Foto: Helena Rebello / Globoesporte.com)Felipe Wu em seletiva da seleção brasileira em Deodoro (Foto: Helena Rebello / Globoesporte.com)
- A ideia é que eu possa participar de mais competições internacionais para ganhar experiência. Eu queria fazer os 50m, mas não posso transportar porque a arma é de fogo (pistola 22mm). A técnica é a mesma, e as provas se complementam. Acho que sou o único da seleção que só atira em uma prova. Até já atirei com arma de outra pessoa, mas a mão não encaixa, não é a mesma coisa. Mesmo assim, até que não fui mal...
Em 2010, Felipe obteve uma autorização da Hebraica para treinar no local mesmo sem ser sócio. Quando conseguiu a classificação para os Jogos da Juventude, em Cingapura, teve uma temporada de treinamentos no Rio de Janeiro bancada pelo COB. Nos três primeiros meses deste ano, enquanto não obtinha uma resposta do clube, voltou a usar o espaço de uma vaga de garagem vazia no quintal para montar seu “estande”.
Felipe Wu, no treino de tiro com pistola de ar (Foto: Helena Rebello / Globoesporte.com)Felipe Wu é observado por um dos colegas da
seleção (Foto: Helena Rebello / Globoesporte.com)
Em casa, o estudante não pode recriar minimamente as condições de uma prova: a distância é dois metros menor do que a oficial das competições e, sem poder fazer a contagem dos pontos no alvo, Felipe não consegue acompanhar seu desempenho na prática. Pelo menos os vizinhos nunca reclamaram, ele garante.
Quando precisa viajar, a situação é crítica. O paulista conta que precisa chegar com bastante antecedência aos aeroportos para evitar atrasos no voo. Mesmo com a autorização do Exército para transporte de armas, o embarque é uma dor de cabeça.
- Sempre é um transtorno, pois os funcionários da companhia aérea nunca sabem os procedimentos para embarque de armas.
A situação, entretanto, começa a mudar a favor de Wu. O estudante foi contemplado com o bolsa-atleta, categoria “atleta internacional”, em março, e seu técnico conseguiu que o Hebraica para liberasse a estrutura em abril. Com a agenda de competições mais intensa, o COB estendeu a Felipe o apoio psicológico que oferecia apenas a Julio Almeida, prata no tiro olímpico no Pan-Americano do Rio, em 2007.
- Eu não sou louco! – brincou - É mais pelo esporte mesmo. No momento da competição, ajudam a entendermos como superar um momento fraco. Se não estiver muito, bem como não cair. No tiro, 90% é na cabeça, para manter o nível. Tem muitos atiradores que aqui vão muito bem, mas em competições internacionais, ficam em último.
A preocupação do COB em proporcionar melhores condições ao paulista mostra a crença em bons resultados futuros. Se nas Olimpíadas de 2016 Felipe pode ser uma realidade, um potencial medalhista, a participação nos Jogos de Londres, no próximo ano, é um sonho que ele acha melhor não compartilhar.
- Prefiro guardar minhas expectativas só para mim - disse o jovem, que viaja dia 12 para os Estados Unidos, onde disputará a Copa do Mundo de Tiro Olímpico.
De pai para filho
Felipe Wu, no treino de tiro com pistola de ar (Foto: Helena Rebello / Globoesporte.com)Felipe posa com a pistola de ar: material é caro
(Foto: Helena Rebello / Globoesporte.com)
Felipe começou no esporte por brincadeira, quando tinha apenas 8 anos. Professor de física de origem chinesa, o pai, Paulo, atirava por hobby em um quartel perto de casa. Primeiro, levou a esposa e, depois o filho. Quando o menino começou a treinar em um clube e a competir, aos 12, recebeu um ultimato.
- Tiro olímpico é um esporte muito caro. Ou eu levava a sério ou parava. É difícil, mas meu pai me dá um suporte. Ele me cobra bastante. Quer que eu vá sempre bem – disse.
O alto custo do material é o que mais preocupa o jovem atirador. Todo o equipamento, desde os óculos especiais ao chumbinho usado como munição, é importado da Alemanha.
- Meu modelo de óculos, que é um pouco mais simples, custa uns R$ 600, mas tem uns de mil e pouco. A arma lá fora (no exterior) custa mais ou menos 1.200 euros (aproximadamente R$ 2.750), mas precisamos pagar 120% de imposto em cima desse valor. Se for comprar aqui no Brasil, sai ainda mais caro. Pelo menos a vida útil é grande. A latinha de chumbinho também tem que ser importada. O que temos aqui é de baixa qualidade.
Aprovado através do Enem para o curso de Ciências Tecnológicas da Universidade Federal do ABC, Felipe tem consciência da importância de levar os estudos adiante para garantir um futuro digno e poder manter os gastos com o tiro sem a ajuda dos pais.
- É fundamental continuar estudando. No esporte olímpico, pouquíssimos conseguem sobreviver apenas do esporte. A nossa é uma das maiores carreiras mas, fatalmente, uma hora você para. E aí, faz o quê? Tem que ter uma profissão, uma formação. Quero cursar engenharia aeroespacial. Está no sangue.
Felipe Wu com a medalha dos Jogos da Juventude (Foto: Divulgação / COB)Felipe Wu no pódio em Cingapura: medalha de prata nos Jogos da Juventude (Foto: Divulgação / COB)

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