quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Lembra Dele? Beijoca, folclórico herói do Bahia, vira olheiro e evangélico

Um dos maiores ídolos da história do clube baiano, atacante marcou 106
gols com a camisa tricolor. Já na passagem pelo Fla, ele teve problemas

Por Eric Luis Carvalho Salvador
Nos 80 anos de história do Bahia, poucos jogadores simbolizam tão bem o clube como Jorge Augusto Ferreira Aragão, o Beijoca. Entre muitas idas e vindas, o atacante passou três vezes pelo Tricolor. Em sete anos de clube, Beijoca ganhou seis títulos e marcou 106 gols. Camisa 9 de dez entre dez times dos sonhos do Bahia, Beijoca deixou em campo marcas que fizeram dele um atacante único. Irreverente, brigão, polêmico, falastrão, herói e anti-herói. Durante seus mais de 20 anos de carreira, Beijoca foi personagem de histórias que o transformaram em lenda do folclore do futebol.
beijoca ex-jogador do bahia (Foto: Reprodução/TV Bahia)Ídolo tricolor, atacante Beijoca marcou época com no Bahia nos anos 70 (Foto: Reprodução/TV Bahia)
Hoje, aos 54 anos, apenas a idolatria da torcida do Bahia é igual. Fala mansa, olhar sereno: Beijoca é um homem tranquilo. Há 11 anos, o eterno ídolo do Bahia se tornou evangélico. Com a religião, veio o arrependimento por muitos erros cometidos durante a carreira. O ex-atacante não tem vergonha de abrir o coração a cada entrevista e relembrar suas histórias: brigas, dopings, infiltrações, noitadas, e outras situações lamentadas pelo baiano.
Descobridor de craques
Vinte e três anos após encerrar a carreira, Beijoca não tirou o futebol do sangue. Hoje, ele atua como um “olheiro não oficial”.
- Como não poderia deixar de ser, eu continuo ligado ao Bahia. Apesar de não ser funcionário do clube, ajudo na medida do possível. Vejo jogadores como observador técnico. E, graças a Deus, tenho conseguido levar vários meninos para a divisão de base do Bahia. Além disso, tenho outros planos para minha vida – disse o ex-craque, que tem projetos políticos para o futuro.
Com talento reconhecido desde cedo, Beijoca se tornou profissional com 16 anos. Em seu primeiro e único jogo pelo time de juniores, marcou quatro gols e, como prêmio, foi promovido a profissional. A missão de Beijoca não era fácil. O jovem soteropolitano, nascido no Pelourinho, o mais baiano dos bairros de Salvador, chegava para atuar em um time que contava com ninguém menos do que José Sanfilippo, argentino ídolo do Bahia e maior artilheiro da história do San Lorenzo da Argentina.
Mas, ainda no começo do campeonato, Beijoca mostrou que tinha estrela. Em uma partida pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1970, o Bahia perdia por 2 a 0 para o Corinthians, em Sergipe. O Tricolor empatou a partida e, nos minutos finais, o garoto Beijoca marcou o primeiro dos seus mais de cem gols com a camisa do Tricolor da Boa Terra.
- Não tem como não lembrar desse dia. Tudo o que fiz pelo Bahia está gravado em minha cabeça como em um computador. E com esse gol, na minha estreia, não poderia ser diferente. Foi o gol da vitória naqueles 3 a 2. E o goleiro do Corinthians era o Ado, que havia sido campeão mundial com a Seleção Brasileira na Copa de 70. Foi um momento muito especial para mim.
beijoca bahia  (Foto: Divulgação Site Oficial do Bahia)No Bahia, carreira de Beijoca foi recheada de gols
e títulos (Foto: Divulgação Site Oficial do Bahia)
Herói de inúmeros Ba-Vis, Beijoca adorava sair do estádio no meio do povo. Quase sempre carregado pela torcida eufórica que deixava a Fonte Nova em êxtase graças a seus gols, Beijoca era um jogador das multidões. Nos anos 70, era em sua homenagem a música mais cantada pelos tricolores baianos: “Eu quero ver Beijoca jogando bola, eu quero ver Beijoca bola jogar.”
- Minha relação com o torcedor do Bahia não vai acabar nunca. Essa torcida é meu maior patrimônio. Claro que tem a família e tudo mais, mas, no caso deles, é paixão, é uma loucura. O torcedor do Bahia até hoje, 23 anos depois de eu ter parado de jogar, me vê como se eu estivesse na ativa. Quando eu vou ao estádio assistir a um jogo, não posso dar um passo. É foto, autógrafo, uma loucura. É muito gratificante. A torcida faz parte da minha vida e isso me faz bem. Eu sei que eu sou feliz. Um dia eu vou morrer, mas esse amor da nação tricolor vai comigo – contou um emocionado Beijoca.

Ídolo tricolor, mãe rubro-negra
A paixão de Beijoca pelo futebol começou cedo. A mãe, Elisabeth Pereira de Aragão, era capixaba, porém torcedora apaixonada de um time do qual Beijoca se acostumou a ser carrasco.
- Eu era muito garoto. Minha mãe levava a mim e meus irmãos para o estádio para ver o Vitória. Ela era torcedora ferrenha. Mas creio que Deus já sabia que eu não seria conhecido como o Beijoca do Vitória, e sim como o Beijoca do Bahia. E esse clube que eu defendo até hoje. Eu penso assim. Para mim, até hoje defendo as cores do Bahia – disse o ex-atacante, que antes de encerrar a carreira chegou a ter uma rápida passagem pelo Rubro-Negro baiano.
No Bahia, Beijoca fez parte da geração 70, que conquistou o heptacampeonato baiano, entre 1973 e 1979. Ele participou de cinco dessas conquistas. Beijoca atuou ao lado de grandes ídolos da história do Bahia: Sanfilippo, Baiaco, Elizeu Godoy, Perivaldo, Sapatão, Jésum, Douglas. Este último, considerado por Beijoca o maior parceiro com quem já jogou.
- Dentro de campo, não poderia deixar de ser Douglas. Acho que ele foi responsável por 50% do meu sucesso. Jogar com ele foi um prêmio de Deus. Para mim, Douglas foi um grande fenômeno do futebol mundial. Eu digo sem medo: Não teria sido o Beijoca sem o Douglas – disse.
beijoca na fonte nova antes da implosão (Foto: Divulgação/Agência A Tarde)Beijoca antes da implosão da Fonte Nova, onde brilhou pelo Bahia  (Foto: Divulgação/Agência A Tarde)
Dentro de campo, apesar de toda raça, dedicação e talento em prol do Bahia, Beijoca era do tipo que não levava desaforo para casa. Socos e pontapés fizeram parte do repertório do artilheiro. Beijoca diz que bateu muito, mas também apanhou bastante.
Fora das quatro linhas, mais confusão. Durante toda a carreira, Beijoca acumulou 14 processos devido às confusões que causava. O álcool era outro parceiro constante. Apesar de tudo isso, a autoconfiança sempre fez de Beijoca um ser diferenciado.
- Essas coisas marcam a nossa vida. Lógico que foi uma situação em que não condiz com a carreira de um jogador profissional. Houve uma polêmica muito grande porque eu tinha saído no sábado. Não seria correto eu jogar, mas os jogadores se reuniram e pediram para que eu jogasse, e os presenteei com aquele gol. Eu que digo: não nasci para jogar futebol, nasci para fazer gol. Deus me deu o dom de fazer gols – conta Beijoca.
Beijoca no Fla
Em 1979, Beijoca chegou ao Flamengo para atuar ao lado de craques como Zico, Adílio, Carpegiani, Júnior, Raul e companhia. A primeira confusão não demorou a acontecer. Poucos dias após a sua chegada, Beijoca arrumou problemas no avião que transportava a equipe em uma excursão pela Europa.
Mas foi no Maracanã que Beijoca se tornou um vilão rubro-negro. Ele entrou em campo nos minutos finais da partida contra o Palmeiras, pelo Campeonato Brasileiro daquele ano. O jogador foi chamado pelo treinador Cláudio Coutinho quando o Flamengo perdia por 4 a 0. No primeiro lance, Beijoca atingiu duramente um jogador adversário e foi expulso. No vestiário, o atacante ainda discutiu com o treinador. Em pouco mais de um ano, Beijoca estava de volta ao seu time do coração.
- Foi uma passagem maravilhosa. Cheguei no fim de 1978 para 1979. Fui campeão da Taça Guanabara, tricampeão carioca e campeão do troféu Ramón de Carranza, na Espanha. Então, foi uma passagem vitoriosa. Em um ano, conquistei três títulos. E naquela época, para jogar no Flamengo tinha que ser craque. Jogar no Flamengo foi muito bom, mas nada comparado a jogar no Bahia – disse.
Se a passagem pelo Flamengo foi rápida e com problemas, Beijoca viveu no Bahia uma era de glórias. Com muitas idas e vindas, o ex-atacante sabe que está eternizado no coração dos tricolores. Sua história foi, inclusive, mostrada pelo filme "Bahêa Minha Vida", que conta a história do clube baiano através dos seus principais ídolos e, principalmente, torcedores. Herói, folclórico, amado. Beijoca sabe que, toda vez que um camisa 9 vestido com as cores do Bahia balançar as redes adversárias, vai ecoar uma velha estrofe na cabeça de quem o viu em campo: “Eu quero ver Beijoca jogando bola, eu quero ver Beijoca bola jogar.”

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