quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sem salário digno, ex-jogadora deixa o Galo para trabalhar no Mineirão

Bárbara Fidélis ajuda nas obras do estádio, mas ainda sonha em
vestir a camisa do Atlético-MG no maior palco do futebol de Minas Gerais

Por GLOBOESPORTE.COM Belo Horizonte
Os problemas financeiros sempre foram muitos. Os contratempos, maiores ainda. Mas alguma coisa, talvez uma mistura de destino e predestinação, não deixou que Bárbara Fidélis, de 18 anos, se afastasse do futebol. A sua história não é muito diferente da de milhares de jovens brasileiros que sonham em trabalhar dentro das quatro linhas. A situação, porém, tornou-se muito mais difícil ainda pelo simples fato de o futebol feminino não ser valorizado no Brasil.
Especial Mineirão Bárbara Fidélis (Foto: Lucas Catta Prêta) Bárbara Fidélis brinca com a bola nas obras do Mineirão (Foto: Lucas Catta Prêta / Globoesporte.com)
Tudo bem que essa jovem não está ligada ao mundo da bola do jeito que queria, mas, de uma forma ou de outra, está inserida na reforma de um dos principais palcos do futebol brasileiro, o Mineirão, em Belo Horizonte. E, claro, ficar pertinho do “Gigante da Pampulha” alimenta os sonhos de voltar a atuar profissionalmente. Afinal, seria apenas coincidência o fato de a ex-atacante ter conseguido o primeiro emprego, com carteira assinada, justamente no canteiro de obras do estádio?
Da passagem de ônibus à carteira assinada
Bárbara, atleticana fanática, começou a jogar bola aos 14 anos. Ficou no Atlético-MG até pouco antes de atingir a maioridade. Mas o salário não permitiu que ela continuasse. Salário, na verdade, é força de expressão.
- Fiquei lá por cerca de três anos e meio. Comecei com quase 15 anos, quando subi para o time A. Quando a equipe começou a receber patrocinador, dispensaram algumas meninas e chamaram outras de São Paulo. Fiquei sentida porque fiquei três anos com elas, só recebendo passagem. Mas aqui no Brasil é assim mesmo.
Para ajudar a família, o sonho de jogar ficou de lado, forçosamente interrompido. Bárbara teve que correr atrás de um emprego certo, com salário fixo e com todas as garantias possíveis. Ela só não imaginava que o local de trabalho seria aquele onde ela vibrou, chorou e sorriu ao ver o time do coração jogar.
- Minha tia trabalha aqui na obra. E ela uma vez disse que tinha serviço. Fiz a integração, mas não pude entrar porque era menor de idade. Aí fiz 18 anos, e apareceu nova oportunidade no Mineirão. Fiz os exames, mas falaram que não contratariam mais mulheres para a obra. Passou um tempo, e minha tia arrumou outro emprego aqui. Como o serviço não seria fácil, me advertiram que teria que ficar no sol quente, de um lado para o outro, com muita poeira. Falei que não tinha problema, porque já fazia isso quando jogava futebol. Sou atleta.
Arrepios na espinha
Especial Mineirão Bárbara Fidélis (Foto: Lucas Catta Prêta)Bárbara Fidélis mostra toda a sua habilidade
(Foto: Lucas Catta Prêta / Globoesporte.com)
Após três tentativas de trabalhar nas obras do Mineirão, Bárbara tinha motivos para estar feliz. A insistência, além de ter sido recompensada, permitiu que ela pudesse conhecer por dentro o estádio no qual tanto sonhou em jogar.
- Eu sou apontadora. Uma vez, fui conhecer a obra, andei, cheguei no meio-campo, que tinha só terra, e fiquei pensando como deve ser. Fico arrepiada só de pensar na torcida inteira gritando meu nome. É incrível!
A previsão do consórcio que constrói o Mineirão é que o estádio esteja completamente pronto em dezembro de 2012. Para Bárbara, ter a oportunidade de ver, antes da maioria das pessoas, a nova arena vale todos os esforços de ficar sob sol forte, chuva e no meio da poeira.
- Acho que foi o melhor emprego que poderia ter conseguido. Vou poder falar que não deu para jogar neste estádio, mas ajudei a construí-lo. Sem estar pronto, já é lindo. Quero ver mesmo é o Galo ganhar aqui dentro.
Quem acredita...
O discurso oficial de Bárbara é que, no futuro, uma carreira de engenheira possa virar realidade. Porém, foi só deixar uma bola nos pés dela para perceber que o futebol ainda mexe com a garota.
- Não desisti, não. Mas tenho uma prioridade: estudar para ser engenheira. Mas o que queria para mim é jogar bola fora do Brasil e estudar, como acontece em algumas universidades americanas. Mas fora do país, sozinha... São muitos obstáculos.
Enquanto não pode cursar a faculdade de engenharia ou voltar a se dedicar ao futebol, Bárbara acompanha de perto a reconstrução do estádio onde ídolos alvinegros como Reinaldo, Dadá, Toninho Cerezo, Paulo Isidoro e João Leite brilharam. São ex-jogadores que já proporcionaram a sensação de arrepio que a apontadora tanto fala. Se a própria Bárbara, um dia, poderá vivenciar isso, do gramado, somente o tempo dirá.

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