quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Fábio Ferreira supera drama familiar e rejeição na carreira para se firmar

À exceção do moicano reluzente, sucesso até com Neymar, zagueiro se mantém fora da mídia, mas não foge das perguntas em entrevista exclusiva

Por André Casado e Thales Soares Rio de Janeiro
Cabelo moicano arrumado com gel ou com uma boina na cabeça, sobrancelha talhada e um estilo próprio de caminhar, com o peito estufado, esbanjando confiança revelada pela postura. O zagueiro Fábio Ferreira, de 28 anos, está pronto para deixar o Engenhão, pegar o carro e ir descansar em seu apartamento na Barra da Tijuca, onde mora apenas com seu cachorro, Zayon, da raça Golden, depois de mais um dia de treino do Botafogo. Sozinho, sim - após desmanchar um casamento de seis meses -, nunca solitário, como prefere deixar claro.
Mas a vaidade não reflete a vida do camisa 4, que passou pelo drama da morte da irmã Fabiana, aos 30 anos, em novembro do ano passado, depois de uma parada cardíaca em sua casa. O jogador, que carrega no braço as iniciais de todos os familiares, nunca se recusou a jogar justamente no momento mais difícil do Botafogo no Brasileirão. À exceção do penteado estiloso, Fábio Ferreira é discreto, à sua maneira escapa dos holofotes e não quer saber de se promover. Tudo faz parte de sua personalidade recatada, que prioriza outros aspectos.
Fabio Ferreira na entrevista do Botafogo (Foto: André Casado / Globoesporte.com)Fábio Ferreira fala sobre sua vida, carreira e início do futebol (Foto: André Casado / Globoesporte.com)
A morte da irmã, seu braço direito até então, foi apenas mais um obstáculo na vida. Sem sequer acreditar que um dia seria jogador profissional, ainda encarou uma série de negativas em clubes de São Paulo, sempre incentivado pelos pais Francisco e Maria, até receber uma chance no União de Mogi, já bem perto da categoria juniores.
Hoje, curte o começo de sua terceira temporada com a camisa do Botafogo, na esperança de ter se encontrado no futebol, depois de passagens com menos brilho por Corinthians, Grêmio e Vitória. Marcado por seu cabelo, encontra nas crianças que entram com o time mais força para se manter confiante. Até Neymar, ícone da moda nas cabeças do país, se rendeu ao zagueiro.
- Ele me disse: "Nosso cabelo é p..." - comentou Fábio Ferreira, em entrevista exclusiva ao GLOBOESPORTE.COM, numa de suas raras conversas com a imprensa.
Confira abaixo a íntegra do bate-papo:
Você é daqueles que vivem hoje o sonho de criança?
- Na verdade, nunca achei que seria jogador de futebol. Como dizem, comecei tarde e acabei dando sorte. Quando eu era moleque, sempre joguei na várzea, mas não pensava nisso. Meu pai e minha mãe que me incentivaram e a oportunidade acabou surgindo.
Mas como você começou?
- Fiz teste duas vezes no Corinthians e não passei. Fui no Palmeiras, também não consegui passar. Não fiquei no Santos. No São Paulo, cheguei a ser selecionado para um torneio, mas o Zetti me cortou, dizendo que daria chance a quem já estava lá. Aí, fui para o União de Mogi, com 17 anos, disputar a Série B1. De lá, me levaram para o Palmeiras e, então, assinei meu primeiro contrato.
cabelo fabio ferreira botafogo (Foto: Thales Soares / Globoesporte.com)Detalhe do cabelo de Fábio Ferreira
(Foto: Thales Soares / Globoesporte.com)
Seu relato é de quem vive em Sâo Paulo há muitos anos, mas você nasceu em Campina Grande, na Paraíba...
- Desde os dois ou três anos que moro em São Paulo. Nem tenho sotaque, mas não posso fugir da minha origem, sou paraibano.
Sua vida no Rio deve ser bem diferente.
- Fico muito sozinho no meu apartamento. Gosto de jogar futevôlei e aproveitar o sol. Só no treino, não dá. Curto todos os tipos de música, menos aquele rock pesado. Pagode e funk são os que mais ouço, mas às vezes é bom ouvir uma música romântica para variar e pensar um pouco na vida.
Na Copa do Brasil, você terá a chance de visitar a sua cidade no confronto com o Treze.
- Vou voltar para a terrinha. Ainda tenho parentes do meu pai lá, mas faz tempo que não vou a Campina Grande.
E como era a sua vida de criança em São Paulo antes de engrenar no futebol?
- Nessa época, eu só estudava. Fazia alguns bicos, lavava carros, para arrumar um dinheirinho e comprar pipa e linha para me divertir no fim de semana. Não pensava em uma profissão que quisesse seguir. Até hoje não sei o que vou fazer quando parar. Por enquanto não penso em nada, pois quero jogar ainda uns dez anos ou mais.
Tenho reparado que você treina muitas cobranças de falta, mas não bate nos jogos.
- Sempre treinei, mas em todo time já tem um cobrador oficial. Mas procuro treinar para a oportunidade aparecer e eu estar bem preparadoo. Já fiz gol assim quando jogava no Noroeste.
Como surgiu a ideia do corte de cabelo diferente?
- Foi na hora mesmo. Uso moicano desde 2005, às vezes pintado, outras com luzes e normal também. Faço isso para mudar um pouco o visual, mexer com os estilos. Levo tudo na brincadeira. A gente que faz essas coisas tem que aceitar. Dizem que acham feio, mas não ligo. O importante é me sentir. A opinião dos outros não interessa.
Neymar fez alguma brincadeira com você quando se enfrentaram?
- Na ultima vez em que jogamos na Vila, ele tinha acabado de pintar o moicano. Chegou para mim e disse: "Nosso cabelo é p...".
Você tem muitas tatuagens. Alguma delas é especial?
- Essa aqui (apontando para o braço esquerdo) que tem as iniciais da minha família. Hoje, tenho minha mãe, meu pai e uma irmã (Fernanda, de 19 anos). A outra faleceu em novembro do ano passado.
E como foi essa perda para você?
- Você tem que estar preparado para as coisas que acontecem na sua vida. Foi na minha casa, aqui no Rio, uma emoção que mexeu muito comigo e tive coragem de continuar trabalhando. Não poderia ficar fora naquele momento do campeonato.
Deve ter sido complicado entrar em campo com esse peso num momento difícil que o time vivia. Como superou isso?
- Meus companheiros também me deram muito apoio no momento em que eu precisei. Nunca me senti sozinho.
Uso moicano desde 2005. Faço isso para mudar um pouco o visual, mexer com os estilos. Levo tudo na brincadeira. A gente que faz essas coisas tem que aceitar. Dizem que acham feio, mas não ligo. O importante é me sentir bem. A opinião dos outros não interessa"
Fábio Ferreira
Sua família estava toda aqui no Rio?
- Meus pais são separados. Minha mãe estava aqui na época, mas teve que voltar logo para São Paulo, pois minha irmã tinha dois filhos pequenos e ela cuida deles agora.
É mais uma responsabilidade para você?
- Encaro a situação do mesmo jeito, com uma responsabilidade maior, de ajudar a minha mãe a criar os meus sobrinhos. Ela vai ser a mãe deles agora. Minha irmã era meu braço direito, quem resolvia a minha vida em São Paulo. Minha mãe também era muito ligada a ela, que estava sempre perto para ajudar.
Você acredita numa boa temporada para o Botafogo?
- Temos tudo para faze um bom Campeonato Carioca. O problema é que temos pecado na reta final, mas acho que agora podemos conseguir o que deixamos escapar nos últimos dois anos. O importante é começar com o pé direito para conquistar nossos objetivos.
Mas o que causou essa queda nas retas finais das competições?
- Não tem explicação. De repente, pecamos em algum momento em que é necessário um algo a mais.
Disputar a Taça Libertadores tem mesmo tanto peso para a vida de um jogador?
- É importante, sim, mas nem tanto para o jogador, mais para o clube. O Botafogo sempre esteve perto nos últimos anos, mas não conseguiu alcançar a vaga.
Como é seu relacionamento com Antônio Carlos, seu companheiro de zaga?
- Fora daqui brinco muito com ele. Não sou de falar tanto, mas temos uma liberdade legal na nossa amizade. Sabendo ter esse respeito é muito bom. Parecemos duas crianças. O que acontece fora de campo é importante para ter essa relação dentro.
Na sua opinião, quem seria o melhor zagueiro da atualidade?
- Sempre gostei do Juan, acompanhava o Fábio Luciano também, mas hoje o Thiago Silva é o que se destaca mais. Ganhou muita experiência lá fora e, apesar de ser da minha idade, tenho muito a aprender observando ele jogar.
fabio ferreira  botafogo (Foto: André Casado / GLOBOESPORTE.COM)Sem o gel que modela o penteado atual, Fábio Ferreira deixa o Engenhão, na terça-feira, de boina. Vaidade ainda passa por tatuagens, brincos e cordões (Foto: André Casado / GLOBOESPORTE.COM)
Você demorou a renovar seu contrato com o Botafogo. Ainda sonha jogar no exterior?
- Qualquer jogador trabalha para isso, saíram algumas coisas na internet, mas o problema da renovação tinha a ver com outras coisas. Vai acontecer no momento certo se eu continuar trabalhando forte e, principalmente, conquistar títulos. Estou tranquilo, não fica na minha cabeça todos os dias, não.
Mas acha que é necessário sair do Brasil para ser reconhecido?
- Aqui também dá, não é obrigatório sair. A estrutura é muito boa e nem sempre você consegue ter sequência como o Thiago e outros estão tendo lá fora.

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