sábado, 27 de abril de 2013

Rumo ao UFC? Kevin ganha elogio
de Wallid: 'Mostrou estar preparado'

Campeão do Jungle Fight, que já dormiu em CT empoeirado e passou
fome, conta que 'odiava o MMA' e agradece ao mentor Thiago Tavares

Por Ivan Raupp Rio de Janeiro
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Ao conquistar o cinturão peso-pena do Jungle Fight, na noite dessa sexta-feira, Edimilson "Kevin" Souza fechou com chave de ouro uma trajetória que começou em 2009 e foi posterior a vários "perrengues" pelos quais o lutador passou na vida. Mas o título pode ser encarado também como o início de uma escalada ainda mais alta. Agora com sete vitórias consecutivas por nocaute, o baiano se dá ao direito de sonhar com uma vaga no maior evento de MMA do mundo, o UFC, e não seria exagero dizer que isso é algo provável de acontecer no futuro próximo.
Kevin Souza morde o cinturão peso-pena do Jungle Fight (Foto: Ivan Raupp)Kevin morde o cinturão peso-pena do Jungle Fight
após nocautear F. Soldado (Foto: Ivan Raupp)
- Inexplicável. Não tem um palavra para definir isso aqui. É uma coisa que só quem viver pode entender. É uma coisa fora de série, algo realmente desejado, o ponto alto para todo lutador. Todo mundo que tocou nisso aqui (cinturão) chegou lá na "Copa do Mundo do MMA". Não estou criando expectativa de que isso vá acontecer comigo, mas vou manter meu trabalho, os pés no chão, voltar para casa e continuar treinando para o caso de pintar essa oportunidade - comemorou ele logo após vencer Fabiano Soldado com um potente cruzado de esquerda.
Durante a entrevista, Kevin foi interrompido pelo presidente do Jungle, o ex-lutador Wallid Ismail, que não poupou elogios ao mais novo campeão de sua organização:
- Ele mostrou o espírito do MMA. O que faz desse esporte o mais maravilhoso do mundo? Ele tomou um knockdown, o Soldado ganhando a luta, de repente ele vai lá e vira. É impressionante. Todos esses lutadores são vencedores. O Soldado veio para sair na porrada. O saldo é mil, porque o Kevin mostrou que pode ir para o mundo todo. Mostrou que está preparado. Vamos esperar para ver. Ou vai defender o cinturão, ou vai alçar voos mais altos. Nós torcemos para que alce voos mais altos. Quero dizer isso, o cara é guerreiro, saiu na porrada.
Como bem disse Wallid, Kevin levou um knockdown no início do combate, mas ele nem se lembra do golpe. A confiança em mais um triunfo sobre o oponente - já o havia derrotado em maio de 2012, também por nocaute - seguiu inabalada:
- Minha preparação física está sendo tão bem feita que não senti que havia tomado uma mão. De repente vi que estava por baixo, e sabia que precisava amarrar a luta e voltar a ficar de pé, que acabaria nocauteando mais cedo ou mais tarde.
Antes de se levantar e nocautear no finzinho do primeiro round, Kevin teve de se defender de Soldado estando por baixo no chão. O membro da equipe Ataque Duplo, comandada pelo lutador do UFC Thiago Tavares, admitiu com bom humor que precisa melhorar nesse fundamento:
Kevin Souza com Kelson Pinto e o resto da equipe no Jungle Fight 51 (Foto: Ivan Raupp)Kevin Souza com o time, entre eles Kelson Pinto (D) e Nazareno Malegaria (de branco) (Foto: Ivan Raupp)
- É o ponto que o Thiago me dá puxão de orelha todo dia na academia. Temos treino das 11h às 12h, e de 12h às 14h, que é o treino de quimono. Infelizmente deixo a desejar nessa parte, e realmente sempre dou um "migué", falo que tenho alguma coisa para fazer depois (risos). É complicado ter que amarrar uma faixa azul na cintura e treinar com os moleques de 18, 17 anos, e passarem o carro em ti. Você se sente frustado. Graças a Deus essa luta serviu para mostrar que tenho que esquecer isso, botar o quimono, apanhar da gurizada mesmo e evoluir meu chão.
É o ponto que o Thiago me dá puxão de orelha todo dia na academia. Temos treino das 11h
às 12h, e de 12h às 14h, que é o treino de quimono. Infelizmente deixo a desejar nessa parte, e realmente sempre dou um "migué", falo que tenho alguma coisa para fazer depois (risos)"
Kevin, sobre a parte de chão de seu jogo
Se hoje Edimilson Souza é uma aposta de mais sucesso brasileiro no Ultimate, há alguns anos ele nem cogitava deixar o boxe e migrar para o MMA. Uma derrota de seu treinador Kelson Pinto, que foi medalhista de ouro no Pan-Americano de 1999, o fez repensar o caso:
- A realidade é a seguinte, eu era o cara que odiava o MMA. Meu sonho sempre foi ser um campeão olímpico e seguir carreira no boxe. Por ironia do destino, as coisas mudaram, e o cara em quem eu mais acreditava que seria campeão do mundo - é meu espelho e meu exemplo, faz isso tudo por mim até hoje, que é o Kelson Pinto - não conseguiu vencer na parada, deixou de ser "o cara" de uma hora para outra na disputa do título mundial (do WBO, em 2004, quando foi nocauteado por Miguel Cotto e perdeu a invencibilidade no boxe), e isso me emociona muito e me deixou muito frustrado, ver um cara em quem eu me espelhava não conseguir alçar voos maiores por causa de uma derrota. Ele bateu em todo mundo e, por uma derrota, deixou de ser "o cara". Isso me desanimou muito.
Kevin contou que, na época em que mal tinha dinheiro para comer, chegou a dormir em CT em obras e a acordar "todo dia melado de poeira". Um papo rápido com Thiago Tavares pela internet foi o início de toda a mudança:
- Fui trabalhar três meses de barman, vi que não dava certo e tinha que continuar lutando. O Kelson foi embora da Bahia, foi morar no Rio, eu segui outro caminho. Em 2008 o Kelson me trouxe para o Rio, quando estava iniciando o CT. Fui morar no CT, acordava todo dia todo melado de poeira, eu, Jambo e Cesar Monstro. No mesmo ano, conheci o Thiaguinho, que foi o divisor de águas da minha vida. Não sabia que ele teria tanta importância na minha vida. Um cara que chegava falando muito rápido, e ninguém entendia nada. Ele te dava as costas, e todo mundo ficava perguntando: "O que esse cara está falando?", de tão rápido que ele falava. Resumindo: ele voltou, foi para Florianópolis, eu fui para Guarulhos seguir minha carreira no boxe e correr atrás do meu sonho. Eu estava superbem, ganhando tudo o que é tipo de campeonato, só que o dinheiro não vinha. Toda vez era muito tapinha nas costas, "você é muito bom, moleque", e chegava no fim do mês eu não tinha um real no bolso. Estava sem grana nenhuma. Um dia entrei na internet com o pouco dinheiro que tinha, faltavam 10 centavos para acabar meu crédito e entra o Thiaguinho: "Está por onde, meu galo?". Falei que estava em Guarulhos, e eu querendo alguém para me tirar dali, porque eu queria sair, mas não tinha dinheiro. Aí falei com o cara da lan house, ele me deu mais um tempinho na internet, e tudo se resumiu a eu passar meus dados para o Thiago, e ele me mandou uma passagem para Florianópolis.
Kevin Souza x Fabiano Soldado no Jungle Fight 51 (Foto: Fernando Azevedo / Jungle Fight)Kevin acerta o cruzado de esquerda que nocauteou Soldado (Foto: Fernando Azevedo / Jungle Fight)
E Kevin viveu um episódio envolvendo Thiago Tavares, uma pizzaria e a fome, que era grande após muitas horas se alimentando apenas de água da torneira do banheiro de um ônibus:
A realidade é a seguinte, eu era o cara que odiava o MMA. Meu sonho sempre foi ser um
campeão olímpico e seguir
carreira no boxe. Por ironia do destino, as coisas mudaram"
Sobre a migração para o MMA
- Eu achava que eram oito horas de São Paulo para Florianópolis. Na época estava fazendo dieta porque iria lutar. Chegando lá, foram 12 horas de viagem, o ônibus teve uma parada gigante em Curitiba, e eu com uma fome... Sem um real no bolso, só tomando água da torneira do banheiro do ônibus. Cheguei lá às 11h da noite, morrendo de fome, e para minha sorte o Thiago já estava em um pizzaria, sem nem saber o que eu estava passando. Estavam lá o Thiago, o Jambo e uma multidão que eu não conhecia. Aí eu abaixei a cabeça e comecei a comer tudo que passava. Eu estava comendo tão desesperadamente que o Jambo me deu uma cutucada: "Kevin, está bem? Está comendo que nem um cara que estava na prisão". Falei: "Pô, Jambo, foi quase isso". O caminho que trilhei para estar aqui foi graças ao Thiago. Ele era o cara que me incentivava, dizia que eu tinha potencial para ser um lutador de MMA. Eu o ajudava no treino de pé, aí ele botava para baixo e zerava tudo. O cara tocava na minha perna e eu caía que nem manteiga. Um ano depois, defendi uma queda do Thiago, defendi um do Nazareno (Malegarie), acabou o treino e o Thiago me chamou no canto: "Você está pronto". Isso em 2009, fiz minha estreia e com 15 segundos de luta nocauteei um cara em um evento em Joinville. Dali em diante não parei mais, e estou aqui hoje com esse cinturão na mão, muito feliz da vida.
Para quem se pergunta o porquê de Edimilson Souza ter o apelido de "Kevin", a explicação é a vontade que a avó paterna dele teve no dia 17 de outubro de 1984. O nome do hoje lutador de 28 anos estava definido em comum acordo entre pai e mãe: Kevin dos Santos Souza. Porém, no cartório quem registrou foi a avó paterna, que por vontade própria lhe deu o nome de Edimilson.

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