terça-feira, 11 de novembro de 2014

Família Galo: vovó de 94 anos e cego ganham ingressos de atleticanos

Grupo de 30 alvinegros se solidariza com história da Vovó do Galo e de Cláudio Riquetti, torcedores conhecidos entre os amantes do Atlético-MG em Belo Horizonte

Por Belo Horizonte

Marcelo viu a mãe e a avó na varanda do apartamento onde moram, perto do Mineirão, e ficou observando. Ana, de 94 anos, começou a desabafar para a filha a tristeza que havia passado mais cedo. Ela era uma das centenas de apaixonados do Atlético-MG na fila para pegar um ingresso para o primeiro jogo da final da Copa do Brasil, contra o Cruzeiro, nesta quarta. Em poucos minutos, os bilhetes mais baratos, de R$ 200, se esgotaram. O restante dos bilhetes seria vendido no outro dia, mas era muito caro para ela. Marcelo começou a filmar a conversa. Despretensiosamente. E Ana chorou. Não iria ver o Galo em uma das partidas mais importantes da história. Mas ela não sabia o alcance que aquele momento teria.
Eu deixei de fazer a cirurgia (nos olhos) para poder ver essa final importante, histórica, ganhar e gritar muito. Já não posso pular muito, mas vou gritar 
Ana, de 94 anos, a Vovó do Galo
O neto postou o vídeo na página criada para Ana no Facebook. Os 9 mil netinhos da Vovó do Galo que acompanham diariamente a ilustre torcedora se emocionaram. Choveu proposta. Após 94 anos de dedicação ao Atlético-MG, Ana Cândida de Oliveira, que já levou um galo vivo para o Mineirão, não iria se ausentar. Um grupo de 30 torcedores se organizou e comprou o ingresso dela para o setor especial, a R$ 400. Na manhã desta terça, ela e Marcelo foram até a sede alvinegra, em Lourdes, na capital mineira, e pegaram o bilhete. A alegria é tanta que a Vovó do Galo adiou uma cirurgia nos olhos para poder ver o time do coração.
- Eu deixei de fazer a cirurgia para poder ver essa final importante, histórica, ganhar e gritar muito. Já não posso pular muito, mas vou gritar. Eles (torcedores que deram o ingresso) plantaram e vão colher, do fundo do meu coração. Falo isso como se fosse Deus falando. Pode confiar, quem me ajudou a comprar esse ingresso vai colher. É uma coisa mais linda. Eu fico mil vezes agradecida, não tenho palavras para agradecer a quem me deu essa oportunidade. Depois de passar essa decisão, aí vou cuidar do meu olho – relata, aos risos, a ilustre torcedora.

Ana é de Conselheiro Lafaiete, a 96 km de Belo Horizonte. A paixão pelo Atlético-MG vem do marido, imigrante português e ex-jogador de um time da cidade. Ambos se seduziram pelas cores alvinegras do Galo mineiro. A presença nos estádios é constante desde os anos 1950, quando o Horto, como diz Ana, "ainda era só terra batida". A memória não falha. Zé do Monte e Carlyle são os principais ídolos da Vovó. Eram vizinhos em Belo Horizonte.


Mesmo após anos de espera, ela suportou e acompanhou o time nas glórias recentes. Estava no Mineirão no título da Libertadores. Viu a virada incrível contra o Corinthians, se decepcionou no Maracanã, diante do Flamengo, quando foi levada pela família, mas foi recompensada. O 4 a 1 na partida de volta, segundo ela, foi um dos momentos mais marcantes da história de amor com o clube.

- Já vi vários jogos. Foram tantos importantes, mas esses quatro no Flamengo foram uma alegria só – diz Ana, sempre se esforçando para abrir um longo sorriso.

Presente estendido

Outro atleticano especial também foi agraciado. Cláudio Riquetti, bancário de 40 anos e cego desde os 25 devido a uma doença degenerativa, também queria ver a decisão. Ou melhor, senti-la. Mas não tinha condições. O mesmo grupo o presenteou com um ingresso para Cláudio e sua filha, Luiza, de 12 anos, que sempre o acompanha. Nesta quarta, o alvinegro também pegou seu ingresso. E agora espera recompensar com a força de sua voz na arquibancada do Independência.

- É um presente maravilhoso que eu ganhei de poder estar lá. A atmosfera do campo é outro, emoção de estar ali, vibrando, dando a vida que você pode dar na arquibancada, porque isso reflete em campo. Como disse o Tardelli, se eu sirvo de exemplo para alguma coisa, que eles façam isso, porque meus olhos vão estar brilhando – relata Cláudio, se referindo a uma manifestação do atacante atleticano, que se solidarizou com o torcedor recentemente.
Família Galo  (Foto: Tayrane Correa)Ana, de 94 anos e conhecida como Vovó do Galo, beija ingresso na frente do cego Cláudio Riquetti (Foto: Tayrane Correa)


O advogado Felipe Barreto, um dos torcedores que contribuíram para a doação dos ingressos, diz que todos não hesitaram em ajudá-los. A solidariedade foi tanta que foi preciso um limite de contribuições.

- Sempre acompanhamos eles no estádio. A princípio me disponibilizei a pagar o ingresso dela e dele, e na hora todo mundo foi solidário, apareceram muitas pessoas. Tivemos que fechar a lista em 30 para não dar muita confusão. Dividimos o ingresso dela (Ana), do Cláudio e do acompanhante dele – relata.

Sorte de Cláudio e Dona Ana. A Vovó do Galo, agora, vai para a igreja orar para a alegria ser maior ainda.

- O Galo para mim é uma coisa impressionante. Não tem explicação. Vou na Igreja, rezo por tudo, mas nunca esqueço do meu Galo.
* Com Tayrane Corrêa, estagiária
Família Galo  (Foto: Tayrane Correa)Vovó do Galo e Cláudio Riquetti posam com alguns dos torcedores que lhes compraram ingresso (Foto: Tayrane Correa)

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