quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

De token em token: quanto Mercedes, Ferrari e Renault já mudaram o motor

Time italiano aumenta potência gastando pouco da porcentagem permitida. Fábrica francesa mexe muito em unidade motriz. Montadora alemã, por sua vez, está tranquila

Por Nice, França
Livio Oricchio - Especialista GloboEsporte.com (Foto: GloboEsporte.com)
Se há uma atividade onde o velho ditado “O segredo é a alma do negócio” é levado a sério, essa atividade é a Fórmula 1. Tudo é controlado ao extremo, por vezes doentiamente. Este ano, por exemplo, uma informação de grande interesse dos diretores técnicos das equipes é saber quantos tokens, dos 32 permitidos, cada produtor das unidades motrizes terá utilizado até a abertura do campeonato, dia 15 de março em Melbourne, na Austrália. Isso lhes ajudará a compreender o grau de preparação do adversário.
Há na F-1, hoje, quatro fabricantes das avançadas e complexas unidades motrizes, o motor de combustão interna V-6 turbo de 1,6 litro, mais os dois sistemas de recuperação de energia, ERS, o cinético, denominado MGU-K, e o térmico, MGU-H. São elas: Mercedes, que a fornece para seu time mais a WilliamsLotus e Force India; a unidade da Ferrari, para ela própria e a Sauber; a Renault, marca usada por RBR e STR; e a Honda, com contrato de exclusividade, por enquanto, com a McLaren.
Originalmente, os quatro produtores das unidades motrizes deveriam apresentá-las para o grupo de técnicos da FIA até 28 deste mês a fim de que fossem homologadas. A partir daí, qualquer mudança que desejassem realizar deveria ser, necessariamente, para torná-las mais resistente ou gerar maior economia de combustível. O desenvolvimento da performance estava proibido.
RBR-Renault RB11 (Foto: Getty Images)A Renault tem o desafio de corrigir os problemas do motor que embala os carros da RBR (Foto: Getty Images)

Era uma regra no mínimo controversa, ou como a definiu o ex-presidente da Ferrari, Luca di Montezemolo, “estúpida”. O italiano explicou: “Em qual competição esportiva um concorrente não pode melhorar seu desempenho para tentar vencer o adversário que está mais forte?” Pois foi o diretor técnico da Ferrari, o inglês James Allison, que descobriu uma falha no texto da regra da homologação das unidades motrizes. A redação abordava a obrigatoriedade de entregá-las aos comissários técnicos, mas não especificava, como no ano passado, que a data limite seria 28 de fevereiro.
A Ferrari levou o caso à direção da Renault e, claro, as duas, como estavam atrás da Mercedes no avanço da sua unidade motriz, pelo evidenciado em 2014, pressionaram a FIA para liberar os trabalhos de desenvolvimento ao longo do campeonato. Ferrari e Renault tinham uma saída jurídica para poder continuar melhorando suas unidades motrizes ao longo do ano, por não haver uma data específica para homologação. O direito, obviamente, se estende a Mercedes.
Jean Todt, presidente da FIA, consciente de que o tribunal daria ganho de causa a Ferrari e Renault, se o caso fosse parar na justiça, esportiva ou comum, autorizou o desenvolvimento das unidades motrizes. Mas há regras. E elas já haviam sido estabelecidas há mais de um ano. O que mudou foi apenas o direito adquirido de alterar as unidades durante o ano e não apenas até dia 28.
Renault Energy F1-2015, o motor que equipa carros da RBR e da STR nesta temporada (Foto: Divulgação)Renault Energy F1-2015, o motor que equipa carros da RBR e da STR nesta temporada (Foto: Divulgação)

Tudo programado
Os representantes de Mercedes, Ferrari e Renault, junto do delegado da FIA para a F-1, o inglês Charlie Whiting, definiram 66 áreas de atuação nas unidades motrizes e as chamaram de tokens. A revisão completa de todas as áreas permitidas implicaria alterar os 66 tokens. Os fabricantes podem mudar suas unidades dessa forma: em 2015, rever 32 áreas ou tokens do projeto; em 2016, 25; em 2017, 20; em 2018, 15; em 2019, 3; e em 2020 também apenas 3. Algumas áreas, como diâmetro dos pistões, estão congeladas desde o ano passado. E outras serão daqui para a frente.
Nunca é demais lembrar: em 2014, estreia da tecnologia híbrida na F-1, cada piloto tinha direito de usar cinco unidades ao longo das 19 etapas da temporada. Se recorresse a uma sexta, perderia dez posições no grid, como aconteceu, por exemplo, com Sebastian Vettel, da RBR-Renault. E nesta temporada o desafio será ainda maior: cada piloto poderá utilizar somente quatro unidades, uma a menos, sendo que o calendário prevê 20 etapas, uma a mais que no ano passado. O exame de confiabilidade tornou-se mais de 20% mais rigoroso. É um desafio e tanto.
Como num fim de semana de GP os pilotos percorrem, na média, 700 quilômetros, parece possível que algumas equipes mantenham os carros parados nos boxes em parte dos treinos livres a fim de economizar as unidades motrizes. Um fiasco para a F-1.
Sebastian Vettel - Ferrari - dia 2 testes Fórmula 1 em Jerez (Foto: Getty Images)Sebastian Vettel no comando do SF15-T: esperança da Ferrari para voltar a vencer (Foto: Getty Images)

Voltando à liberdade agora concedida pelo regulamento, com certeza a versão das três unidades motrizes que equipou os carros que de 1 a 4 deste mês iniciaram a pré-temporada em Jerez de la Frontera, Espanha, incorporava importantes modificações em relação à versão que terminou o campeonato de 2014, no GP de Abu Dhabi, disputado dia 23 de novembro. Mais para a frente a Honda, estreante este ano, será abordada.
O grupo de engenheiros da Mercedes, coordenado por Andy Cowell, da Ferrari, por Mattia Binotto, e da Renault, por Rob White, não perderiam a oportunidade de melhorar as suas unidades motrizes. Elas foram homologadas no dia 28 de fevereiro do ano passado e por conta da proibição de quase não poderem ser alteradas assim permaneceram. Houve avanços, sim, mas muito em função das modificações no gerenciamento eletrônico dos sistemas, autorizadas, e não por causa de revisão do projeto.
A Ferrari descobriu, por exemplo, que o conjunto turbina-compressor não permitia a sua unidade motriz responder com potência sequer semelhante à da Mercedes. E teve de seguir assim até o fim do ano, em razão do tal regulamento “estúpido” definido por Montezemolo. Como seria sem sentido se a Mercedes tivesse alguma dificuldade crônica na sua unidade e não pudesse revê-la.
Esporte prejudicado
Principalmente no primeiro ano de uma tecnologia nova, a ser descoberta ainda, ao menos no nível das exigências da F-1, congelar as mudanças está dentre as ações mais sem sentido da história da FIA. O argumento de conter custos, nesse caso específico, não pode e não deve ser aplicado. Mercedes, Ferrari e Renault não mediriam esforços para tornar sua unidade mais resistente e competitiva se tivessem a chance.
O campeonato não teria sido vencido por outra organização, ficaria com os mais capazes, o grupo da Mercedes, campeã com todos os méritos, mas haveria mais disputas, a competição esportiva teria sido mais valorizada e haveria maior avanço tecnológico, gerada pela busca de performance, como tanto aprecia propalar a F-1.
Mercedes PU106B Hybrid, a poderosa unidade de potência das Flechas de Prata (Foto: Divulgação)Mercedes PU106B Hybrid, a poderosa unidade de potência das Flechas de Prata (Foto: Divulgação)

Avanço italiano
Felipe Nasr, piloto da Sauber, afirmou nos dias do teste de Jerez, depois de pilotar o modelo C34 equipado com a nova unidade motriz da Ferrari, bastante distinta da que terminou a temporada passada: “Não senti muita diferença para a da Mercedes que estava na Williams que pilotei nos treinos em 2014”. No ano passado, um dos grandes problemas da Ferrari modelo F14T de Fernando Alonso e Kimi Raikkonen era a sua resposta de potência, entre 60 e 70 cavalos a menos que a da Mercedes.
Numa rápida conversa com os jornalistas italianos, em Jerez, o responsável pela unidade da Ferrari, Binotto, respondeu ao ser questionado se já havia queimado muitos dos 32 tokens que tem direito este ano -  essa é a resposta que todos os concorrentes querem saber, pois se a Ferrari usou boa parte dos 32 tokens, seu limite provavelmente não irá muito além do que já demonstrou.
“Esse é um dado confidencial. Seria ótimo saber quantos tokens Mercedes e Renault já utilizaram. Conhecemos o que gastamos e dificilmente a Mercedes e a Renault queimaram menos. O que posso garantir é que não realizamos algumas mudanças agora para podermos fazê-las ao longo do ano, à medida que formos descobrindo coisas novas”, disse Binotto.
Para disponibilizar aos pilotos da sua escuderia e da Sauber uma unidade motriz tão mais eficiente, segundo os próprios pilotos, a Ferrari, por exemplo, substituiu o conjunto turbina-compressor por outro de dimensões maiores e características distintas. Binotto explicou: “Além disso, revimos a câmara de combustão e os nossos sistemas de recuperação de energia, tanto o cinético como o térmico”.
Para Felipe Nasr, Sauber poderá se dedicar agora aos detalhes do carro (Foto: Divulgação)Para Felipe Nasr, unidade motriz da Ferrari está mais próxima da Mercedes nesta temporada (Foto: Divulgação)


Quanto vale cada token
Para se ter uma ideia da tabela de tokens elaborada pelos engenheiros de Mercedes, Ferrari, Renault e FIA, para modificar a câmara de combustão, a Ferrari gastou 3 tokens. A alteração do MGU-K mais dois e o MGU-H, outros dois tokens. Dá para ver que 32 tokens representam uma revisão grande do projeto (Se 66 tokens são 100% da unidade motriz, 32 equivalem a 48%).
Sendo ainda que o cálculo não pode ser linear, pois a intervenção em áreas tão importantes para a resposta de potência como o conjunto turbina-compressor e os dois sistemas de recuperação de energia, o ERS, significa redimensionar o rendimento do projeto como um todo. E para isso foram gastos “apenas” 1 token para a turbina, 1 para o compressor, 2 para o MGU-K e 2 para o MGU-H.
O técnico mais desejado na F-1, responsável pela supereficiente unidade motriz da Mercedes, Cowell, falou em Jerez: “No ano passado (quando tudo era novidade), perguntávamos a nós mesmos se podíamos fazer isso ou aquilo, pois a maior preocupação era com a confiabilidade do projeto. Agora já podemos pensar em melhorar a performance da unidade”. Como Binotto, o inglês disse que a área de combustão foi redesenhada.
O fato revela uma das grandes preocupações dos engenheiros ao conceberem as unidades de 2014. O primeiro objetivo era permitir a seus pilotos concluir as corridas com os 100 quilos de gasolina (120 litros) determinados pelo regulamento. “Em 2013, precisávamos de 150 quilos (180 litros), para melhor entendimento do nosso desafio”, lembrou Cowell.
Depois de uma temporada de aprendizado, os técnicos já sabem melhor, agora, como fazer as unidades serem econômicas no consumo e ao mesmo tempo responder com mais potência. “Deveremos ser bem mais rápidos este ano.” Cowell disse que vai esperar a pré-temporada acabar para decidir a versão da unidade motriz que a Mercedes começará o Mundial.
Modelo SF15-T é aposta para recuperação após duas temporadas de resultados ruins da Ferrari (Foto: Divulgação)Modelo SF15-T é aposta para recuperação após duas temporadas de resultados ruins da Ferrari (Foto: Divulgação)
A Mercedes já está sobrando
É possível concluir que se ficar claro para ele e Toto Wolff, diretor da escuderia, que os adversários estão distantes, iniciarão o campeonato com uma versão pouco diferente da de 2014, a fim de disporem de mais tempo para trabalhar nas modificações planejadas para as novas versões. É uma das importantes vantagens de estar à frente dos concorrentes.
Enquanto Binotto, da Ferrari, e Cowell, Mercedes, afirmam que o número de tokens usado é estratégico, o responsável pela unidade da Renault, o inglês Rob White, abriu um pouco mais o jogo em Jerez: “Usamos a quase totalidade dos 32 tokens para reprojetar a nossa unidade e nossas equipes a terem desde a primeira corrida, na Austrália. As intervenções que poderemos ainda realizar são modestas se comparadas às que fizemos”. Falou mais: “As áreas que mais trabalhamos foram as de combustão, turbina, compressor e baterias”.
A Renault trabalha agora com duas equipes, RBR e STR, que na realidade representam uma, pois pertencem ao mesmo dono, o austríaco Dietrich Mateschitz. E conta com importante investimento da RBR para tornar sua unidade bem mais eficiente que em 2014. No primeiro ensaio este ano, em Jerez, Daniel Ricciardo e Daniil Kvyat, da RBR, treinaram pouco muito em função dos problemas na nova unidade francesa.
A direção da RBR estava confiante antes dos testes, mas depois do ocorrido em Jerez já não sabe o que pensar. A próxima série de treinos da F-1, de 19 a 22 no Circuito da Catalunha, em Barcelona, poderá tornar as relações entre RBR e Renault bastante tensas caso as coisas não fluam como o planejado e de acordo com o elevado investimento realizado.
Nico Rosberg - Mercedes - Jerez de la Frontera - dia 3 (Foto: Getty Images)Nico Rosberg comanda o novo carro da Mercedes durante os testes da pré-temporada, em Jerez (Foto: Getty Images)

Honda, um capítulo à parte
Os japoneses estão de volta à F-1 este ano. Tiveram a temporada inteira de 2014 para experimentar sua unidade motriz num chassi de 2012 da McLaren e não percorreram um único quilômetro. Agora estão pagando o preço por terem perdido um direito que chegou a revoltar o pessoal de Mercedes, Ferrari e Renault, pois estas só puderam realizar os oito dias de testes coletivos de 2014. Agora, com o direito adquirido pelas três para desenvolver sua unidade ao longo do ano, os japoneses reagiram, bem como Ron Dennis, da McLaren, e a Honda também poderá rever seu projeto ao longo do ano. A regra proibia.
Apesar de poderem modificar suas unidades, Mercedes, Ferrari e Renault têm de apresentar a FIA a versão das unidades que usarão para começar o campeonato, bem como anunciar à entidade quantos tokens usaram. O dado é confidencial. Se, por exemplo, a Mercedes gastou 18 tokens, Ferrari 22 e Renault 28, a média de tokens das três seria 22,66. A regra prevê que a Honda tenha o próximo número inteiro de tokens, no exemplo 23, para mexer na sua unidade ao longo de 2015.
Depois do fracasso tanto da Honda quanto da McLaren, nos quatro dias de experimentos em Jerez, onde quase não conseguiram andar, é grande a pressão para que o modelo MP4/30 do piloto mais completo em atividade, Fernando Alonso, e Jenson Button, ao menos ganhe quilometragem no próximo teste, em Barcelona.
Há um outro tema importante relativo às unidades motrizes em 2015, mas que será abordado em outra oportunidade: o condutos de aspiração variáveis, liberados este ano pela FIA, sem entrar na conta dos 32 tokens autorizados.
Na época de Ayrton Senna na McLaren-Honda, de 1988 a 1992, esse era um dos pontos de força do motor japonês. Mercedes e Renault já trabalham, agora, nos seus sistemas, Ferrari, ainda não. Uma das vantagens importantes da aspiração móvel é atenuar a dificuldade de tração das atuais unidades motrizes, fazendo em parte, na prática, o papel que era do controle de tração, proibido na F-1.
Motor Honda V6 turbo 2015 - McLaren-Honda (Foto: Divulgação)Motor Honda V6 turbo marca reedição da histórica parceria da fabricante japonesa com a McLaren (Foto: Divulgação)

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