sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Cris Cyborg: fenômeno, determinação, talento nato ou obsessão por treinos?

Lutadora de MMA mais temida do planeta durante anos, brasileira alcança status 
de estrela no UFC e combina ingredientes capazes de fazê-la um exemplar raríssimo

Por Las Vegas e Rio de Janeiro
Cris Cyborg (Foto: Getty Images)Cyborg: lutadora soma 15 nocautes em 17 vitórias, tem apenas uma derrota e está invicta desde novembro de 2005 (Foto: Getty Images)
Cyborg é um apelido que se encaixa bem a Cristiane Justino. Ela não tem peças biônicas, mas possui a resistência de quem parece forjada no aço e força sobre-humana quando comparada com a das adversárias. A fala tranquila, carregada no sotaque curitibano, e a educação com que trata o próximo contrastam com a aparência bruta. Ironizada anos atrás por Dana White, Cris Cyborg virou uma das estrelas da companhia e segue imparável - em novembro, completa 11 anos de invencibilidade. Afinal, o que explica uma carreira tão vitoriosa nas artes marciais mistas, capaz de deixar especialistas em dúvida sobre a existência de alguma rival à altura para vencê-la?
A estatura privilegiada - Cyborg mede 1,73m - é notória desde que a curitibana era criança. A família sempre conta que a menina era bem maior do que as amigas. A força física não tardou a aparecer e Cyborg entrou no handebol. A carreira esportiva era questão de tempo - até que a arte marcial entrou na vida da curitibana.

Responsável por lapidar Cris Cyborg, Rudimar Fedrigo, líder da lendária Chute Boxe, em Curitiba, vê a lutadora como um misto de ingredientes que resultam em uma receita de sucesso. O técnico destaca a valentia da atleta, destemida e batalhadora desde os seus primeiros passos na equipe, conhecida por ter formado inúmeros astros, como Wanderlei Silva e Mauricio Shogun.
A Cris gosta de treinamento, de pegar duro e sempre foi assim. Sangue nunca foi problema para ela. É uma lutadora agressiva e, em quatro anos, na academia se tornou melhor do mundo.
Rudimar Fedrigo
- Há três fatores que fizeram a Cyborg: dom, talento e empenho. Todos foram fundamentais. Ela é uma pessoa que incorpora o espírito do muay thai, do lutador que entra no combate e se entrega sem receio. Não pensa: "Ah, e se eu encontrar isso?" ou "Ah, e se eu encontrar aquilo?" Ela não tem receio do que vai acontecer. A técnica dela é muito boa, é agressiva em pé, vem treinando bastante o corpo a corpo, gosta muito de treinar e competir no jiu-jítsu. É uma atleta. A Cris gosta de treinamento, de pegar duro e sempre foi assim. Sangue nunca foi problema para ela. É uma lutadora agressiva e, em quatro anos na academia, se tornou a melhor do mundo. É uma atleta fantástica, a maior de todos os tempos na minha opinião. Escreveu o nome na história do MMA feminino. Vai ser difícil aparecer alguém para bater nessa mulher (risos) - conta Rudimar, em entrevista ao Combate.com.
A decantada agressividade de Cyborg na trocação foi sentida recentemente por Lina Lansberg, nocauteada no segundo round no combate principal do UFC Brasília, no último sábado. A sueca teve o nariz quebrado em três partes, reforçando o poder de fogo da brasileira.
- A Cyborg é uma lutadora fenomenal, com uma potência insana nas mãos. Em nenhuma das minhas 85 lutas de muay thai e oito de MMA eu senti aqueles tipos de soco. Meu nariz quebrou em três pedaços logo após os dois primeiros socos. Acho que tem uma primeira vez para tudo... Antes de aceitar essa luta eu sabia sobre o peso dela, nível de habilidades e recursos para finalizar oponentes no primeiro round - declarou Lansberg nas redes sociais.
Cris Cyborg Lina Lansberg UFC Brasília (Foto: Getty Images)Brasileira bateu Lansberg, que demonstrou capacidade impressionante de absorver golpes, em Brasília (Foto: Getty Images)


O cartel de Cris Cyborg no MMA é quase perfeito: ela soma 17 vitórias, um "No Contest" (a vitória por nocaute em 16 segundos contra a japonesa Hiroko Yamanaka ficou sem resultado após a brasileira ser flagrada no exame antidoping por uso de estanozolol) e uma derrota. O único revés da carreira da curitibana no MMA se deu justamente em sua estreia, no Showfight 2, em maio de 2005, contra Erica Paes, que a finalizou no round inicial.

Compatriota de Cyborg, Erica acredita que o lastro no esporte seja um ponto a favor da ex-campeã do Strikeforce e atual dona do título dos penas do Invicta FC. O MMA é um esporte novo, e Cyborg, lutadora desde a época do Vale-Tudo, tem uma bagagem bem maior que boa parte de suas adversárias.
Ela tem treinado por anos, aperfeiçoado a técnica, e isso também dá uma auto-confiança maior. As adversárias dela são, em geral, garotas mais novas
Erica Paes
- Eu acho que é uma soma de fatores. Claro que a experiência conta muito. Ela tem treinado por anos, aperfeiçoado a técnica, e isso também dá uma autoconfiança maior. As adversárias dela são, em geral, garotas mais novas, com poucas lutas na carreira, com bem menos experiência. Além disso, tem o talento pessoal, que somado à técnica aprimorada pelos anos, resulta na ótima lutadora que ela é atualmente. 

Erica Paes, no entanto, discorda de Rudimar Fedrigo e não classifica Cyborg como a melhor de todos os tempos. Ela ainda espera o desenrolar da carreira da curitibana, de 31 anos de idade e ainda sem planos de "pendurar as luvas".
- Não acho que ela seja a melhor... Talvez ela seja melhor do que as que lutaram com ela até agora... Isso vai depender das próximas lutas. De quem serão suas adversárias. Não vejo a Cris pensando em aposentadoria agora.
Primeira brasileira a conquistar o cinturão do UFC, Amanda Nunes, atual campeã do peso-galo, enxerga as adversárias com receio de dividir o octógono contra Cyborg - possivelmente pelo retrospecto de nocautes da curitibana - são 15 em 17 vitórias, sendo nove no round inicial.

- A Cris é uma guerreira, é um nome das antigas. Eu estava na época que ela lutou no Strikeforce. Eu a acompanho bastante e ela merece tudo isso que o UFC está fazendo. Na categoria dela, é a melhor do mundo hoje, mas vamos ver para frente como vai ficar. A Cris tem muita coisa para acontecer na vida dela ainda. Ela põe um ritmo na luta que é muito difícil de as meninas acompanharem. Esse ritmo é o que faz com que ela domine a luta. As meninas se intimidam também por toda a história da Cris, tudo isso conta, a cabeça ali no momento. Se não estiver preparada para a pressão, não vai a lugar algum. As meninas ficam com medo.
Cris Cyborg (Foto: Getty Images)Cris Cyborg: popularidade crescente no Ultimate depois de duas lutas pela organização (Foto: Getty Images)

Comentarista do canal Combate, Luciano Andrade segue a linha de Rudimar Fedrigo para dissecar Cris Cyborg. Entretanto, não a vê com tanta técnica quanto o treinador da Chute Boxe defende.
- A Cyborg é um conjunto de coisas: é dom natural em termos de genética por ser muito explosiva e forte em relação ao peso. É muito dedicada, versátil, mas tecnicamente não é excepcional, não é a melhor, nem na luta em pé e muito menos no chão. É um conjunto de fatores. 
Em relação ao posto de maior lutadora de todos os tempos, Luciano Andrade põe Cris Cyborg no topo - embora defenda que a posição é mutável. Para ele, Ronda Rousey - ex-campeã dos galos - e Joanna Jedrzejczyk, dona do cinturão dos palhas, estão se aproximando da brasileira.
- A Cyborg é a melhor de todos os tempos, mas não é de larga margem sobre as outras. É uma condição que pode mudar em questão de duas ou três lutas. Até a Ronda perder para a Holly Holm, eu a considerava a melhor da história. Com aquela derrota, a Ronda ficou parada, enquanto a Cyborg está lutando, ganhando e a ultrapassou. A Ronda e a Joanna estão nos calcanhares dela. A Joanna, inclusive, é mais técnica que a Cyborg em pé, superior. A Cyborg é a melhor, mas pode perder esse posto. O MMA é um esporte novo.

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