sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Wolff confia em novos rumos da F1, definidos por seus donos americanos

Austríaco chefe da Mercedes tem se mostrado uma liderança importante na categoria

header livio oricchio (Foto: Editoria de Arte)
Dentre as muitas e grandes responsabilidades que Torgen Christian Wolff, mais conhecido como Toto Wolff, tem na F1 está a de administrar a luta entre Nico Rosberg e Lewis Hamilton dentro da sua equipe, a Mercedes. Há boas chances de os dois digladiarem domingo, ao longo das 56 voltas do GP da Malásia, no Circuito de Sepang. 
Nesta sexta-feira, Hamilton e Rosberg foram os mais velozes no primeiro dia de treinos livres. Hamilton registrou 1min34s944 e Rosberg, 1min35s177. O combate entre ambos pelo título é ponto a ponto. O alemão lidera o Mundial com 273 pontos enquanto o inglês, atual bicampeão, vencedor de três campeonatos, soma 265.

Wolff, austríaco de Viena, 44 anos, ex-piloto de tudo, monoposto, turismo e rali, e até instrutor de pilotagem, tem se mostrado uma liderança importante na F1 e com um estilo todo pessoal: moderado, sensível, aberto a ouvir todos e competente ao extremo. Muitos vêm grande mérito dele na supereficiência da Mercedes, vencedora de tudo desde 2014: dois títulos de pilotos com Hamilton e dois de construtores. E sempre de forma arrasadora. Este ano ganhará de novo as duas competições.
Antes de se tornar sócio e diretor da escuderia Mercedes, Wolff tinha também parte da Williams e em 2012 assumiu a direção do time. Este ano vendeu a última parte que tinha no negócio para se concentrar apenas na Mercedes. “Tenho paixão pelo que faço, caso contrário não faria”, diz.
Toto Wolff Mercedes GP da Áustria (Foto: Getty Images)Toto Wolff no GP da Áustria (Foto: Getty Images)
Wolff traz consigo a experiência de um astuto homem de negócios. Fez fortuna como empresário e investidor na bolsa de valores. É dono, por exemplo, de 30% da escuderia alemã, além de ser o seu diretor executivo e diretor esportivo da própria montadora. 
Este ano as câmaras de TV o surpreenderam dando um soco na bancada dos computadores nos boxes da Mercedes, no Circuito da Catalunha, em Barcelona, ao ver Rosberg e Hamilton, primeiro e segundo colocados, colidirem logo depois da largada do GP da Espanha. Única corrida não vencida por um deles nesta temporada, o que deixa a Mercedes em condições excelentes de, já domingo, no GP da Malásia, conquistar o tricampeonato entre os construtores de F1. 
Mas seu estilo ponderado o levou a estabelecer regras de como Rosberg e Hamilton devem se comportar, na disputa entre ambos, sem que isso represente qualquer interferência na luta. O melhor pode vencer. Tem apenas de evitar expor os dois, portanto a equipe, ao risco de acidentes como o que tirou os dois da corrida de Barcelona.
Não há dúvida: desde que assumiu a direção da Mercedes, em janeiro de 2013, Wolff se tornou um personagem da F1. Sua mediação nesse quase conflito entre seus pilotos o tornou manchete frequente na mídia. O GloboEsporte.com o entrevistou com exclusividade nesta sexta-feira em Sepang.
GE - Toto, você foi sócio da Williams e é agora da Mercedes. Você vem do mundo do “business”. É um bom negócio ser dono de equipe de F1?
Toto Wolff (TW) - É um ambiente muito competitivo. Até agora tem sido um bom negócio.
GE - Você recomendaria a quem dispõe de recursos?
TW - Para recomendar investimentos você precisa de licença bancária e eu não tenho. Mas a associação entre negócio e esporte é muito interessante, F1 é um esporte global, em crescimento e, em geral, ser proprietário de uma atividade esportiva, como a F1, é interessante. Essa é a razão de o Liberty Group investir no nosso negócio. (O Liberty Group, norte-americano, vai assumir o controle da empresa que detém os direitos comerciais da F1, Delta Topco, em março, depois de pagar 8 bilhões de dólares, ou R$ 256 bilhões).
GE -Quanto há de paixão também no que você faz, não apenas investimento?
TW - Se você não é apaixonado pelo que faz você deve fazer outra coisa. E eu sou apaixonado. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre negócio, finanças, esporte, paixão. É fascinante você confrontar o que faz 21 ocasiões por ano, nos GPs, com o que os outros fazem e com o mesmo objetivo. E ver, óbvio, como estou me saindo.
GE - Você chegou na Mercedes em janeiro de 2013. Em 2014 o regulamento mudou radicalmente e o grupo passou a vencer quase tudo. Você fez grandes mudanças desde que assumiu a direção geral do time?
TW - Uma equipe de F1 não é uma organização estática, mas dinâmica, está em constante mudança. Eu tive muita sorte de entrar na equipe logo em seguida a Ross Brawn e Bob Bell a terem organizado, fazendo-a funcionar muito bem. Ross disse algo a meu respeito do qual me orgulho. Falou que eu não deixei a peteca cair (you didn't drop the ball) e eu poderia. É muito prazeroso saber disso. A maior parte do nosso grupo de trabalho foi contratado por Ross e Bob e o que conquistamos é o resultado do esforço desses profissionais e de como o trabalho está organizado, onde buscamos sempre inovação e desenvolvimento. (A Mercedes foi vice-campeã entre os construtores, em 2013, com 360 pontos e três vitórias. A RBR ficou com o título, 596 pontos e 13 vitórias. Já em 2014, início da era da tecnologia híbrida, a Mercedes venceu o campeonato, com 701 pontos e 16 vitórias, e no ano passado também, com 703 pontos e 16 vitórias. Sobre Ross Brawn e Bob Bell, os dois já deixaram a Mercedes. Brawn não mais trabalha e Bell é consultor da Renault).
GE - Você tem engenheiros brilhantes na Mercedes, Paddy Lowe, Andy Cowell, Mark Ellis, Aldo Costa, Geoff Willis. Tem preocupação de começar a perdê-los, como aconteceu com a Ferrari a partir do fim de 2006, depois de ganhar tudo?
TW - Há muitos outros técnicos na Mercedes, o time não se limita a cinco, apenas. Os citados são os mais conhecidos, os que aparecem nos holofotes. Somos 1.500 entre Brackley e Brixworth, e gente muito talentosa. Eles não vêm para as corridas, não aparecem para a mídia. Mas estamos constantemente monitorando esses profissionais porque sabemos que as equipes mudam, há quatro anos éramos diferentes do que somos hoje e em três anos também haverá mudanças, diferentes pessoas em diferentes funções, é a natureza do nosso negócio. (A sede do time é em Brackey e do setor das complexas unidades motrizes em Brixworth, ambas na Inglaterra, próximas ao Autódromo de Silverstone).
GE - Esperava tanto sucesso?
TW - Não. Não imaginava que seria dessa maneira. Minha missão, agora, é pensar como nos postarmos para seguir vencendo, esse é o meu desafio.
GE - Você pilotou monopostos, carros de turismo, de rali, como vê seus dois pilotos, Hamilton e Rosberg, protagonistas máximos da F1 nos últimos três anos?
TW - É preciso ter cuidado para comentar qualquer coisa sobre eles. Como você disse, eu pilotei carros de Fórmula Ford, Turismo, mas querer entender Lewis e Nico porque eu tenho essa experiência... Minha habilidade está muito longe da que observo neles. É um erro acreditar que por ter alguma experiência eu entendo o que eles fazem dentro do cockpit de um F1. Eu os vejo como dois homens jovens, inteligentes, extremamente competitivos, dentre os melhores da F1.
GE – Enxerga alguma qualidade em especial em cada um deles?
TW - Não gostaria de me limitar a algumas das muitas qualidades que os dois têm, eles são dois pilotos com personalidades complexas e interessantes de se descobrir. Os dois são muito rápidos, aprendem todo dia, se desenvolvem a todo momento. O que eu posso dizer é que, para mim, é bastante prazeroso trabalhar com Lewis e Nico.
Lewis Hamilton e Nico Rosberg se reuniram com Toto Wolff e Paddy Lowe  (Foto: Getty Images)Lewis Hamilton e Nico Rosberg se reuniram com Toto Wolff e Paddy Lowe (Foto: Getty Images)
GE - Pergunta clássica, com sua vivência dentro da escuderia, conhecimento do tema, como é pilotar os carros de hoje, com a hiperinteratividade? Há quem diga que se tornou mais fácil e quem defenda que ficou mais difícil.
TW – A F1 era mais perigosa, o piloto tinha mais chances de se ferir, os carros não tinham a mesma segurança de hoje. Mas os modelos atuais atingem 370 km/h, como vimos em Baku, sempre há risco. E você precisa grande habilidade para conduzi-los. É muito difícil comparar períodos distintos. Eu sempre digo que a F1 continua tendo os melhores pilotos do mundo.
GE – Em 2017, a F1 será muito diferente da que vimos nos últimos três anos?
TW - Acredito que haverá uma convergência de performance em termos de unidade motriz. Já quanto ao chassi tudo é completamente novo, os pontos voltam a zero. O desenvolvimento dos carros será completamente diferente. É uma oportunidade para todos no grid responderem com um projeto eficiente ou não.
GE – A RBR foi a sétima colocada entre as equipes, em 2008. Mas em 2009 o regulamento mudou radicalmente e Adrian Newey, seu diretor técnico, concebeu um projeto básico que viria a dominar a F1. Foram tetracampeões. Acredita que pode acontecer de novo, agora, no ano que vem, com a introdução do novo regulamento, de carros e pneus mais largos?
TW - Eu não sei o que a Red Bull está fazendo. Precisamos nos concentrar no nosso time. Temos superprofissionais no grupo e grande energia. Estamos trabalhando como loucos para produzir o carro mais rápido da F1 para o GP da Austrália (etapa de abertura do próximo Mundial, dia 26 de março). Se vamos conseguir ou não veremos lá em Melbourne, não sabemos, mas tenho enorme confiança nos nossos técnicos.
GE - Como vê o iminente choque de cultura entre os europeus da F1 e os empresários norte-americanos do Liberty Group, os novos responsáveis pelas decisões mais importantes da F1 nos próximos anos?
TW - Não tenho nenhuma preocupação com isso. Eles são profissionais de mídia, sabem identificar o que a F1 tem de bom, sabem ser um esporte com mentalidade europeia e que vai ao mundo todo. Eles não vão virar nosso negócio de ponta cabeça. Eles vão tentar desenvolver as áreas que precisam ser trabalhadas, sem afetar o de bom que já existe. Estou muito otimista.
GE – O Acordo da Concórdia será respeitado?
TW - Claro, há um contrato até o fim de 2020. Mas o tempo passa rápido, 2020 está aí. Eles vão entender como funcionamos. As maiores mudanças talvez aconteçam depois de 2020, quando tudo estará aberto. (O Acordo da Concórdia é um contrato entre a empresa que explora comercialmente a F1, ainda a CVC, de capital inglês, as equipes e a Federação Internacional de Automobilismo, FIA. Esse documento estabelece, por exemplo, a porcentagem que cabe a cada um do total arrecadado pela Formula One Management (FOM), empresa responsável pela condução do negócio). 
GE – Você vê risco de ruptura entre as equipes e os novos donos da F1? Imagine reduzir ou acabar com os privilégios da Ferrari, time que mais recebe dinheiro da FOM?
TW - Acredito que todos têm consciência da importância, do impacto das equipes grandes na F1. Os times pequenos têm o espírito do automobilismo, sabemos, mas é inegável que os grandes promovem muito a F1, Mercedes, Ferrari, Renault, por exemplo, nós investimos bastante em publicidade, fazemos muito pela F1. Há um bom equilíbrio entre os donos da empresa que explora comercialmente o nosso espetáculo e nós, representantes das equipes, creio que seguiremos tendo conversas construtivas. Dividir nunca é bom. Veja o desastre que aconteceu nos Estados Unidos quando houve o racha que levou à disputa de dois campeonatos, da Champ Car e Indy Race League-IRL, quão negativo foi para as duas séries. Esse não é o caminho. (A Cart faliu e a IRL teve sérias dificuldades até as duas se juntarem, de novo, em 2008). 
Bernie Ecclestone, entre Toto Wolff e Niki Lauda, no GP do Bahrein (Foto: Getty Images)Bernie Ecclestone, entre Toto Wolff e Niki Lauda, no GP do Bahrein (Foto: Getty Images)
GE – Na Fórmula Indy, em 1979, as equipes se tornaram sócias do negócio. Mais tarde foi desastroso. E agora os times da F1 desejam ser sócios dos norte-americanos na empresa que explora os direitos comerciais. É um bom caminho?
TW - Não importa quem seja os donos dos direitos comerciais, o importante é ter uma entidade diretiva, a autoridade esportiva, que decida e todos a respeitem.
GE - Bernie Ecclestone sempre decidiu tudo sozinho, da sua cabeça. Dividir a liderança com alguém, como agora no caso com Chase Carey, novo presidente do Formula One Group, representa uma grande novidade para Ecclestone. Vai funcionar?
TW - Não sei. Ecclestone fez o que fez, transformou a F1 no que vemos, um evento mundial. Todos sabem disso. Ele tem sua maneira de agir. A F1 provavelmente precisa de decisões difíceis e rigorosas. (O estilo de Ecclestone)
GE – Qual o futuro de Ecclestone na F1, que dia 28 de outubro completa 86 anos de idade?
TW - Eu não sei, não sei o que se passa atrás das cortinas entre ele e os controladores dos direitos.
GE - Você teve uma empresa de comunicação na internet e é uma área onde há grandes carências na F1. Os americanos já sinalizaram ser algo que vão mexer a curto prazo. Como vê?
TW - Certamente é uma área que precisamos evoluir. Mas é necessário cuidado para não afetar os negócios da venda dos direitos de TV, não podemos correr esse risco. Não somos tão bons em conciliar as duas coisas. Os norte-americanos exploram essa associação bem melhor. 
GE - Depois de conquistar o campeonato de construtores, possivelmente aqui na Malásia, domingo, deixará Rosberg e Hamilton lutarem pelas vitórias com liberdade ainda maior?
TW - Eles já são livres para competir entre si há quase três anos. Não há número 1, o tratamento é exatamente o mesmo, não temos ordens de equipe. Se vencermos o campeonato não vai mudar nada, nossos pilotos seguirão sendo livres para competir.
(A Mercedes tem 538 pontos, a RBR, 316 e a Ferrari, 301. Como depois da prova de domingo haverá em jogo 215 pontos nas cinco que restarão (43 x 5), a RBR precisa somar 8 pontos a mais que a Mercedes, em Sepang, e a Ferrari, 23. Se isso não acontecer a organização dirigida por Wolff conquista o tricampeonato de construtores.
Circuito GP da Malásia (Foto: Editoria de Arte)
Horários transmissão GP da Malásia Fórmula 1 2016 (Foto: GloboEsporte.com)

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