terça-feira, 22 de março de 2011

Tudo pelo rúgbi: praticantes viram árbitros para ajudar esporte a evoluir

Sem grandes atrativos financeiros, há poucos profissionais qualificados para comandar partidas de alto nível. Quase todos são ou foram esportistas

Por Helena Rebello Rio de Janeiro
Ainda engatinhando no Brasil, o rúgbi sofre com um empecilho curioso para sua evolução no país: a escassez de árbitros qualificados. Longe de ter o prestígio e a remuneração dos profissionais envolvidos com o futebol, por exemplo, o esporte depende quase exclusivamente da paixão dos praticantes para compor o quadro da Confederação Brasileira.
Rugbi Ricardo Santanna (Foto: Arquivo Pessoal)Ricardo Sant'Anna apita final de torneio de seleções regionais no interior de São Paulo (Foto:Arquivo Pessoal)
De acordo com o diretor de arbitragem da entidade, Xavier Vouga, quase 80% dos participantes do curso de formação de árbitros, ministrado há pouco mais de quatro anos, são praticantes. Nos outros 20% encontram-se pais de jovens jogadores e amantes do esporte que querem simplesmente compreender melhor as regras. Raros são os que encaram a função como uma possível fonte alternativa de renda.

- O profissionalismo da arbitragem no Brasil ainda vai levar muito tempo. Na Argentina, por exemplo, as equipes são obrigadas inscrever um profissional para fazer o curso de capacitação. Caso contrário, são penalizadas. Já aconteceu de eu entrar em uma turma e ter só duas pessoas fazendo a aula. Temos apenas quatro árbitros de nível, e outros em um patamar bem abaixo. Por outro lado, o nível técnico dos jogos também não ajuda muito no desenvolvimento deles. É complicado – disse o diretor.
Um árbitro da elite do rúgbi brasileiro ganha 20% do que um árbitro CBF recebe para apitar a Série D no futebol
Os árbitros formados pela International Rugby Board (IRB) são remunerados para apitar as partidas, com variação da taxa de acordo com a importância da competição, e têm todos os custos de transporte e hospedagem cobertos pela organização. Mas os números estão ainda muito distantes de esportes mais populares. Para se ter uma ideia, um árbitro CBF recebe cinco vezes mais para apitar a Série D, quarta divisão do Campeonato Brasileiro, do que um juiz de rúgbi ganha para apitar uma partida do Campeonato Brasileiro de XV, principal competição do país, que nesse ano se chamará Super 10.

Mesmo com um cenário não tão motivador, os jovens estão mais interessados em atuar como juízes de rúgbi. Aos 23 e 27 anos, Henrique Platais e Ricardo Sant’Anna são apontados por Vouga como os principais nomes da nova geração no Brasil e representaram o país, em fevereiro, no Campeonato Sul-Americano de Rúgbi.
Rugbi Ricardo Santanna (Foto: Arquivo Pessoal) Ricardo Sant'Anna em ação (Foto: Arquivo Pessoal)
Gaúcho de Porto Alegre, Ricardo se interessou pela arbitragem justamente pela falta de pessoas capacitadas no mercado. O ponto definitivo para se dedicar à atividade a partir de 2009 foi uma penalidade indevidamente recebida enquanto disputava um campeonato regional.
- Hoje há 14 equipes no Rio Grande do Sul, mas no começo era muito difícil encontrar adversário e mais ainda alguém para apitar. Em um determinado jogo levei um cartão amarelo por erro do juiz, por um desconhecimento da regra. Pensei que não podia deixar isso acontecer novamente e comecei a me interessar. Vi que meu nível como jogador não iria evoluir para chegar à seleção, e assim seria um meio de me manter envolvido com o esporte e colaborar para a evolução dele de alguma forma – disse.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos amantes do rúgbi no país, Ricardo vê pontos positivos que podem ajudar no desenvolvimento da modalidade. Professor de educação física, ele acredita que, tanto para quem compete quanto para quem comanda os jogos, os benefícios são múltiplos.

- O rúgbi está crescendo e atraindo estudantes de educação física que buscam conhecer uma nova modalidade, divulgar e poder trabalhar como técnico ou até mesmo jogador. Mas há também profissionais de outras áreas, como economia, administração, que também atuam no esporte. Ele exige disciplina e uma postura que se reflete na vida profissional.

Henrique Platais é um exemplo. Economista de uma multinacional do ramo de refrigerantes, defendeu o Niterói Rugby na elite brasileira e chegou a representar a seleção brasileira juvenil. Assim como Ricardo, se interessou pela arbitragem pela falta de pessoas qualificadas. Quando entrou para a universidade, não conseguiu manter o alto nível como atleta e optou por assumir de vez o apito.
Henrique Platais, juiz de rugby durante partida (Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal)Henrique tem apenas 23 anos e é um dos principais árbitros de rúgbi do Brasil (Foto: / Arquivo Pessoal)
- Tive menos tempo para me dedicar ao esporte, e o desempenho não era mais o que eu gostaria. E, sem estar em alto nível, a chance de me machucar era maior. Ao mesmo tempo fui gostando mais de arbitragem e me destacando. Mas para virar um bom árbitro precisava parar de jogar para apitar a primeira divisão. Minha idéia era buscar a excelência, e achei melhor ser um árbitro de alto nível do que um atleta mediano – contou.

Para conciliar as atividades da jornada dupla de trabalho, Henrique negocia com o chefe para compensar os dias que precisa faltar para vestir o uniforme preto. Neste início de ano, por exemplo, ele já apitou o Campeonato Sul-Americano, em Bento Gonçalves, no Rio de Grande do Sul, e o Torneio Cross-Border, no Paraguai.
Henrique Platais, juiz de rugby (Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal)Henrique Platais prefere ser árbitro de alto nível a
ser atleta mediano (Foto: Arquivo Pessoal)
- Em jogos de nível nacional é mais fácil, já que os jogos são só nos fins de semana. Às vezes viajo de manhã, apito de tarde e nem chego a dormir na cidade. Com os jogos internacionais é mais difícil de conciliar, pois tenho que faltar ao trabalho. Meu chefe é tranquilo, trabalho horas a mais ou uso parte das férias. Mas nem sempre dá, e sou obrigado a não aceitar um convite.
Devido à falta de profissionais preparados, no rúgbi não há sorteio para definir quem comandará cada partida. De acordo com a importância do confronto, as federações regionais e a Confederação Brasileira montam a escala de trabalho. Este ano, o Campeonato Brasileiro de XV contará com 10 participantes pela primeira vez na história. A competição será realizada entre julho e outubro com clubes de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

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