quarta-feira, 13 de abril de 2011

Brasil Afora: 90 dias após tragédia na Serra, Friburguense junta os cacos

Clube de Nova Friburgo luta para ajudar a resgatar a autoestima da cidade mais atingida pelas chuvas na Região Serrana com o retorno à elite do Rio

Por Renata Domingues Nova Friburgo, RJ
O dia 12 de janeiro de 2011 jamais sairá da memória dos cerca de 182 mil habitantes de Nova Friburgo. Nessa data, a cidade da Região Serrana, localizada a 140km do Rio de Janeiro, viveu a maior tragédia climática de seus 192 anos de história. Hoje, exatamente três meses depois de um forte temporal causar inundações, deslizamentos de terra, desabamentos de casas, e, consequentemente, a morte de 428 pessoas, o município mais frio do estado conta com o calor de seu povo para se reerguer. E como a cidade onde nasceu, em 1980, fruto da fusão de dois clubes locais - Serrano e Fluminense -, o Friburguense Atlético Clube também trava uma verdadeira batalha por dias melhores. O objetivo é deixar a Segunda Divisão no passado e retornar à elite do futebol carioca, de onde saiu em 2010 depois de 13 anos consecutivos.
Conhecido como Tricolor da Serra, o Frizão aposta na crença de que o futebol pode e deve ser usado como válvula de escape pelos moradores da cidade destruída pelas chuvas. Após ver de perto e até sentir na pele a dimensão da catástrofe que assolou Nova Friburgo, o time ganhou motivação extra e está ainda mais determinado a conquistar o acesso à Primeira Divisão do Estadual para homenagear o povo local.
jogadores  Friburguense (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)Jogadores do Friburguense se uniram em prol do objetivo de conquistar o título da Segunda Divisão do Rio e homenagear a população da cidade de Nova Friburgo (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
- Todo mundo ficou assustado, e ninguém quer passar por isso de novo. Acho que a cidade ainda vai demorar um bom tempo para voltar ao que era antes. O que aconteceu aqui foi mais uma injeção de ânimo para a gente tentar dar um pouco de alegria e levantar a autoestima do povo daqui - disse o veterano Sérgio Gomes, que dedicou mais de dez dos seus 37 anos de vida ao clube tricolor.
O que aconteceu foi mais uma injeção de ânimo para a gente tentar dar um pouco de alegria e levantar a autoestima do povo "
Sérgio Gomes
E se a tragédia na Região Serrana tocou os mais experientes, abalou ainda mais os jovens atletas do Friburguense. Ainda que o clube não tenha sido prejudicado em sua estrutura - apesar dos deslizamentos causados pela enxurrada, somente a área externa, as lojas e o gramado foram atingidos -, a vida pessoal de alguns dos seus principais jogadores foi atingida. A família do volante Bidu perdeu tudo o que tinha, e a sogra do jovem Lucas, artilheiro do time na Segundona, morreu após ter a casa parcialmente destruída pela força da água.
- Está tudo bem presente na nossa vida até hoje. Está sendo difícil. Não tem como esquecer... Agora qualquer chuvinha já é sinal de alerta para todo mundo. A gente não consegue dormir direito - admitiu o jogador, que nasceu na Região Serrana, mas hoje vive longe dos pais, que estão em Vitória, no Espírito Santo.
Para evitar uma tragédia ainda maior, Lucas teve de improvisar e acabou virando herói. Aos 22 anos, o volante precisou usar maca do Friburguense para resgatar a namorada, Maiana, que estava presa dentro da casa atingida, e levá-la ao hospital.
lucas friburguense  (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)Um dos principais jogadores do Frizão, Lucas
perdeu a sogra na tragédia (Foto: Alexandre Durão)
- Ela se machucou e a rua estava coberta de lama, não dava para ela andar. Então, corri para o clube, peguei a maca e consegui tirá-la de lá - contou Lucas, que, sem perder o sorriso, lembrou ter perdido a maca do Friburguense no meio da confusão.
Hoje, Maiana mora de aluguel enquanto aguarda o laudo da Defesa Civil sobre a casa que ainda pode ter de ser demolida. Aos poucos, ela vai tentando superar a perda da mãe. E assim como a namorada de Lucas, a cidade de Nova Friburgo também luta para deixar a tragédia para trás.
Do time profissional, 16 garotos vivem na concentração do clube. Todos tiveram contato direto com o sofrimento causado pelas chuvas de janeiro, uma vez que o gramado do estádio tricolor, o Eduardo Guinle, serviu de heliponto durante o trabalho de resgate das vítimas. O ginásio também foi usado como ponto de recepção de mantimentos para doação. Diante do caos em que se encontrava a cidade, a diretoria liberou os jogadores, que só conseguiram retomar os treinamentos para a Segunda Divisão, que estava prestes a começar, 12 dias depois.
- Foi a primeira vez que passei por uma situação tão complicada. Não consegui voltar para casa por causa do engarrafamento que se instalou na cidade. Então, ajudei algumas pessoas. Teve jogador que ficou direto trabalhando no ginásio. Acho que todos vão levar o que aconteceu como exemplo - afirmou o goleiro Adilson.
O drama dos jogadores é um pequeno pedaço se comparado ao de toda a população. Três meses depois, a situação ainda é de angústia para muitos moradores e comerciantes. O Governo do Rio já pagou duas parcelas do aluguel social a 2.336 famílias, mas outras 1.720 aguardam o auxílio de R$ 500. Enquanto isso, mais de 340 famílias ainda moram em dez abrigos, que, no início de janeiro, eram 84. Para solucionar o problema, a Prefeitura pretende usar o dinheiro do S.O.S depositado por brasileiros de todo o país para construir 50 residências de dois quartos que ficariam prontas em 45 dias. A prioridade é beneficiar quem esteja com crianças em abrigo. No entanto, o início das obras ainda depende de um período de estiagem, que ainda não ocorreu. Quatrocentas e vinte e oito pessoas morreram em Nova Friburgo.
reconstrução município friburgo - friburguense (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)Capela de Santo Antônio, na Praça do Suspiro, um dos pontos mais atingidos pelas chuvas de janeiro, começa a ser reconstruída (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)
Com time feito em casa, Frizão caminha para a elite
Dentro de campo, o Friburguense vai de vento em popa rumo ao objetivo de retornar à elite carioca. O time formado basicamente por pratas da casa é o líder do Grupo B da Segundona, com 16 pontos ganhos em 18 possíveis, e tem a defesa menos vazada. Nesta quarta-feira, a equipe tem mais um desafio pela frente, contra o CFZ, no Eduardo Guinle. Mas o caminho até o título é árduo. Para ser campeão, o Tricolor da Serra terá de disputar em torno de 42 jogos em seis meses. E para enfrentar essa longa jornada, a equipe conta com o patrocínio de uma metalúrgica local, que rende 40% dos R$ 85 mil gastos mensalmente pelo clube. O restante sai da arrecadação com torcedores e empresários e até do bolso dos dirigentes, que garantem as contas em dia, apesar das dificuldades.
- Este é o ano mais difícil desde que cheguei aqui - afirmou o gerente de futebol, José Eduardo Siqueira, no clube desde 1998.
De fato, nos últimos 13 anos o Friburguense viveu uma realidade diferente da atual, figurando entre os grandes do Rio na Primeira Divisão. Os recursos eram bem maiores, e o valor pago pelos direitos de transmissão garantia a sobrevivência de um ano inteiro. A melhor colocação na competição, no entanto, foi o quarto lugar nos anos de 2002 e 2004 - na Série B, o time foi campeão em 1994 e 1997.
Para melhorar esse panorama e ganhar mais visibilidade no cenário nacional, a diretoria do Frizão aposta na construção de um moderno Centro de Treinamentos. Em 2009, foi lançada a pedra fundamental, mas até hoje a parceria de 20 anos com empresários alemães não saiu do papel. A ideia do clube é criar uma maior estrutura para investir na formação de jovens atletas. Abedi, ex-Vasco e Botafogo, William, do Botafogo, e Hugo, que se destacou no Grêmio e no São Paulo e hoje está no Al Wahda, dos Emirados Árabes, são exemplos de jogadores que passaram por Nova Friburgo.
- Temos que ter um CT. Aparecem jogadores, mas falta espaço para a formação deles. O grande lance de um clube pequeno para crescer é vender jogadores - explicou Siqueirinha.
Enquanto o futuro não chega, o Friburguense sobrevive com uma estrutura bastante acolhedora. O estádio Eduardo Guinle, onde o time treina e manda seus jogos, atualmente tem capacidade para 8 mil torcedores, além de abrigar a concentração dos jogadores. Nas mesmas instalações, há um ginásio utilizado pelas escolinhas infantis, uma bela piscina, restaurante, sala de musculação e de troféus. Há três anos, a casa tricolor passou por uma reforma e ganhou placar eletrônico, novas cabides de rádio e televisão e também vestiários para árbitros e assistentes.
E é no local que foi fundamental no resgate e na ajuda às vítimas da tragédia da madrugada de 12 de janeiro que o Frizão espera escrever a história do seu retorno à elite do futebol do Rio de Janeiro. Jogo a jogo, o principal time da Região Serrana vai dando a sua contribuição para o resgate do orgulho de ser friburguense de nascimento e, principalmente, de coração.
Faixa friburguense 1ª divisão (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)Desde a tragédia, Friburguense entra em campo com faixa de apoio à reação do clube e da cidade de Nova Friburgo (Foto: Alexandre Durão / Globoesporte.com)

Nenhum comentário:

Postar um comentário