sábado, 16 de julho de 2011

Sexo e futebol: a aventura literária de um cartola diferente

Ex-presidente e atual vice de Patricia Amorim, Hélio Ferraz escrevia histórias de amor e sexo para aliviar tensões de seu mandato no Fla

Por Janir Júnior Rio de Janeiro
helio ferraz vice presidente flamengo escritor de contos eróticos (Foto: Janir Júnior / Globoesporte.com)Ferraz e um livro de Nelson Rodrigues: inspiração
(Foto: Janir Júnior / Globoesporte.com)
Os bastidores do Flamengo rendem um livro. Ou vários, que estão espalhados pelas prateleiras das livrarias. Hélio Paulo Ferraz foi presidente do clube nos anos 2002-03, quando ele diz que faltava dinheiro para pagar água, luz e salários de jogadores e funcionários. ‘Um inferno’, segundo ele, que também foi vice de futebol, e atualmente é vice-presidente geral de Patricia Amorim. O dirigente tem história para contar, mas guarda apenas na memória a experiência de comandar um clube de massa. Helinho prefere escrever contos eróticos, onde o futebol entra apenas como pano de fundo na literatura de um cartola diferente, que filosofa, usa calças dois números acima do ideal e que, em breve, deverá ocupar o cargo de presidente por alguns dias.
- Todos os contos são de inspiração erótica. Se não fosse assim, não daria tesão para escrever, muito menos para ler. Já estava até com editora escolhida, mas não publiquei porque achei tudo uma porcaria – afirmou Hélio Ferraz.
Nos contos reais da vida de dirigente, além dos problemas, Helinho ficou marcado por algumas peculiaridades quando presidiu o Flamengo por força do impeachment de Edmundo dos Santos Silva.
Helinho jogava tênis na Gávea e aparecia no departamento de futebol com bermudas floridas depois da atividade. As calças, sempre largas, também eram marca registrada. Hoje, em vez de bater bolinha, o dirigente faz apenas exercícios físicos, mas mantém o mesmo guarda-roupa.
- Compro dois números acima. Assim, quando estou sentado, a calça não aperta a barriga. Ela fica caindo, mas aí é só apertar o cinto (risos) – brincou Helinho, enquanto segurava a barra da calça que teimava em cair.
Com um clube à beira da falência depois da saída de Edmundo, Helinho também teve que apertar os cintos na presidência do Flamengo.
helio ferraz vice presidente flamengo escritor de contos eróticos (Foto: Janir Júnior / Globoesporte.com)Helinho diz não gostar muito de seus textos, mas os lê com prazer  (Foto: Janir Júnior / Globoesporte.com)

- Naquela época era muito complicado, faltava dinheiro para pagar luz, água, jogador... A gente ainda vivia aquela coisa da ISL, que acabou. Então, o Edmundo gastou o dinheiro de outros contratos por conta. Estava tudo penhorado, consumido. Gostava do que fazia, mas foi difícil. Um inferno.
No inferno da Gávea, Helinho ficou marcado por algumas pérolas. Depois de o dirigente prometer pagar parte dos salários atrasados, Felipe, hoje no Vasco, disse que também acreditava em Papai Noel.
- Papai Noel existe e já chegou à Gávea cantando Jingle Bell – declarou Helinho à época, de forma irônica ao anunciar a quitação de parte dos débitos.
Para aliviar o estresse, Helinho passou a escrever contos. Cada um dos textos demorava em média um ano para ficar pronto. No conto Desenlace, Helinho escreve uma carta de amor; Em Dedé ou Zangão, ele narra encontro amoroso tendo um Fla-Flu como pano de fundo.
No outro fim de semana, teve Flamengo e Boca, final da Libertadores. O Flamengo terminou o primeiro tempo perdendo de 2 x 0, depois empatou aos 40’ do 2º tempo. Já nos acréscimos o Almir fez um gol de cabeça, deitado no chão encharcado da chuva (...). Ficou todo mundo maluco, saímos dali para a Ataulfo de Paiva, aquela festa. Almir estava lá, claro, era o centro de tudo e, não sei por que, comecei a ficar meio grilado. Ele sentou na nossa mesa, ao lado de Dedé, na cabeceira. Quando fui ao banheiro, o Tiago falou no meu ouvido: “esse cara... a Dedé tá dando mole pra ele, fica esperto”. Na volta, olhei para eles na mesa e tive a impressão, quase nítida, de que ele estava com a mão na coxa dela."
Trecho editado de Dedé, um dos contos de Helinho
- Para mim, escrever é uma necessidade vital. Meus temas são sempre expressões do meu interior, da minha sensibilidade. Não tenho um texto fluido, mas tem conteúdo. Isso ajuda a me conhecer e compreender melhor a vida. O título Zangão é porque ele morre ao transar com a abelha rainha, morre pelo desejo, pela realização. Eu crio personagens. Mesmo que de alguma forma sejam todos Hélios, são outras identidades. Isso alarga sua compreensão das outras pessoas. Eu sou eu, mas sou eu; o personagem sou eu, mas não sou eu. Ele te amplia esse campo – filosofou Helinho.
Já em Carminha, o teor faz lembrar as cartas que leitores costumam mandar para revistas de nu feminino, com descrições de sexo, citação de drogas e muita libidinagem.
- É visceral – bradou Helinho, depois de reler o conto.
Nas viagens que faz para o exterior, Helinho não dispensa peças de Shakespeare. Atualmente, ele tem lido ‘Como funciona a ficção’, de James Wood, nas versões em inglês e português, e Madame Bovary, de Gustave Flaubert, em inglês e francês. Seus autores preferidos no momento são os badalados argentinos Borges e Córtazar. Freud e Jung merecem comentários à parte.
- Eles não se opõem, se completam. Freud inaugura a busca da psique, o Jung busca um pouco no mundo exterior do inconsciente coletivo. Gosto dos dois. Leio uns cinco livros ao mesmo tempo.
E o Flamengo nessa história toda?
- As pessoas não entendem que sou um suplente, só tenho função se o presidente estiver com um impedimento. Participo das reuniões da diretoria, muitos assuntos vem à tona. Tenho que ter cuidado, pois se o vice vai além pode parecer que você quer ser mais do que a atribuição que lhe dão; também não posso ficar tão longe que pareça desinteressado. Tem que existir um equilíbrio. Devo ficar como presidente mais uma vez, pois a Patrícia vai viajar, provavelmente agora em julho, nas férias dos filhos dela.
Quase no fim da conversa, Helinho muda de ideia sobre a publicação dos seus contos.
- Acho que vou fazer uma tiragem de mil exemplares para distribuir para os amigos. Já tenho a epígrafe: ‘Escrevi essa história e aprendi a ler’, do Faulkner.
Na popular literatura rubro-negra, ‘escreveu, não leu, o pau comeu’.
Leia abaixo um trecho de "Desenlace", outro conto de Ferraz:
"Mas, repentinamente, a fresca brisa do mar na noite carioca entra pela janela do carro enquanto passo o posto nove, com os olhos atraídos pela beleza noturna da ponta do Arpoador iluminada, que impregna minha retina deste cenário Zona Sul, cujas digitais marcam meus sonhos, dilemas e até minha líbido, tudo envolto por esta suave maresia da noite em Ipanema, que junto aos doces acordes do barroco me despertam uma sutil e suave atmosfera de desejo, inicialmente meio difusa, mas que logo não pode mais ser distraída, até um leve arrepio percorrer meu abdomem, e me levar a esta recorrente e vívida fantasia onde na cabina de uma loja, ao experimentar roupas, você, sensualmente, se despe e se veste, lentamente, até outra vez recomeçar este ritual provocante, e de novo se despe e depois se veste, e ao se olhar no espelho se deleita neste prazer narciso de se ver linda, de perceber-se desejável, desejada, neste ambiente integrado pela presença de meu olhar intruso, curioso, desejoso, possessivo (...)"

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