sexta-feira, 22 de junho de 2012

'Não tenho medo de nada. Estive em Donetsk': camisa vira artigo cobiçado

Peça criada por moradora da cidade ucraniana responde a programas de TV da Inglaterra sobre riscos de violência durante a Eurocopa

Por Rafael Maranhão Direto de Donetsk, Ucrânia
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A ideia surgiu antes da polêmica. Diana Berg queria apenas brincar com a imagem negativa de sua terra natal. Mas acabou criando o souvenir mais disputado de Donetsk. Duas frases que viraram uma resposta bem-humorada ao temor dos ingleses em viajar para a cidade que recebeu mais partidas da seleção na Eurocopa: "Agora não tenho medo de nada. Estive em Donetsk".
- Eu tenho que agradecer muito aos ingleses por causa da promoção que fizeram para a minha camisa - diz a elétrica e sorridente Diana, designer de 32 anos que criou a estampa tão famosa na cidade e que virou notícia em toda a Ucrânia.
Diana Berg exibe camisa que virou moda em Donetsk. (Foto: Rafael Maranhão / Globoesporte.com)Diana exibe a camisa que provoca o medo inglês sobre Donetsk (Foto: Rafael Maranhão / Globoesporte.com)
Foi em maio, uma semana antes do início do torneio, que a emissora britânica BBC exibiu um documentário alertando para os riscos de ofensas e ataques de motivação racista que torcedores, sobretudo negros e de origem asiática, corriam na Ucrânia, onde a Inglaterra jogou a primeira fase. O ex-zagueiro da seleção Sol Campbell chegou a dizer que alguns poderiam "acabar voltando para casa em caixões". Passadas as duas partidas dos ingleses em Donetsk, foram os locais que ficaram assustados com os visitantes, e não o contrário.
A partir do documentário, a camisa criada por Diana Berg passou a vender quase dez vezes mais do que antes. E até teve seu preço reajustado de 170 para 250 gryvnas (R$ 63). Mas a ideia inicial não tinha nada a ver com a Inglaterra.
- Eu tinha vencido um concurso para criar um logo para Donetsk, mas a prefeitura disse que não tinha dinheiro e que não iria usá-lo. Decidi aproveitar a ideia e lançar vários produtos. Eu pensei na mensagem por causa da má fama que a cidade tem de ser uma terra de onde saíam mafiosos. Mas aí veio o documentário e outras reportagens de TV inglesas e a camisa começou a vender de um jeito que eu nem imaginava. Eu nem acho a mais bonita que criei - afirma.
Por não ser um produto licenciado da Euro 2012, a camiseta (nas cores branca e preta) não pode ser vendida nas lojas oficiais e na Fan Zone. A solução encontrada por Diana foi montar uma barraquinha num camping onde vários torcedores estrangeiros se hospedaram. A propaganda boca a boca e os compradores desfilando pela cidade ajudaram a tornar o produto uma peça cobiçada.
- No início, fiz apenas 50 camisetas. Quando elas se esgotaram, pedi mais 50 que terminaram rapidamente. Depois pedi mais cem, e mais cem, agora já perdi até a conta. Recebo pedidos de todo o país. Um dia, a secretária do dono do Shakhtar Donetsk apareceu no campign e comprou mais de 15, em tamanhos diferentes e modelos feminino e masculino. Eu nem devia contar isso, mas como é para o Brasil, acho que não tem problema - diz, dando risada, citando Rinat Akhmetov, homem mais rico da Ucrânia e presidente do clube cujo estádio recebe os jogos da Euro 2012 na cidade.
Camisa com frase "Não tenho medo de nada. Estive em Donetsk" à venda em camping da cidade (Foto: The Village / Reprodução)Camisa à venda em camping da cidade: R$ 63 cada uma (Foto: The Village / Reprodução)
Mas nem todos em Donetsk acharam graça da brincadeira de Diana. Ela diz que já foi parada na rua por moradores que reclamaram de sua ideia e ofendida em redes sociais. Como resposta, decidiu produzir uma versão local da camiseta.
- Ela terá a mensagem "eu não tenho medo de nada, sou de Donetsk" e será escrita em cirílico (o alfabeto local), para que as pessoas daqui também possam usá-la. Infelizmente, alguns parecem não entender que o bom humor é a melhor resposta. Muita gente ainda vive com uma mentalidade da antiga União Soviética. Vinte anos se passaram, mas ainda está muito enraizado na nossa cultura - reclama.
A passagem pela cidade pode ter mudado a ideia que os torcedores ingleses faziam dos ucranianos, mas, em Donetsk, o estereótipo dos hooligans britânicos dos anos 1980 e 1990 ainda não desapareceu. E alguns fãs que estiveram na cidade durante a Euro ainda reforçaram essa imagem. No Golden Lion, um bar próximo à praça central que exibe jogos de futebol e virou ponto preferido dos visitantes, apenas uns poucos ucranianos apareceram para ver pela TV as partida disputadas em outras cidades.
Sol Campbell apresentação Newcastle (Foto: Getty Images)Sol Campbell aumentou polêmica ao dizer que
torcedores ingleses voltariam para casa em
caixões (Foto: Getty Images)
- Logo depois do Inglaterra x França, os torcedores ingleses ficaram aqui até 5h da manhã bebendo e fazendo barulho. Alguns até arrumaram confusão. As pessoas ficaram um pouco assustadas e por isso não estão vindo mais aqui - explicou um deles.
Na terça-feira, dia da última partida da Inglaterra em Donetsk, contra a Ucrânia, um grupo de torcedores ingleses encenou um "enterro" de Sol Campbell do lado de fora do bar, com direito a um caixão comprado numa cidade vizinha e que agora está no camping onde Diana vende suas camisas. O caixão estava pintado com frases "Você está errado, Campbell". De todos os torcedores que o carregavam, apenas um era negro. Os outros, assim como a grande maioria da torcida inglesa no torneio, eram brancos e nem eram os alvos do alerta do ex-zagueiro.
Nos estádios da Euro, durante os jogos da Inglaterra, Sol Campbell também é brindado com um grito com palavrões que virou o mais comum da torcida. Ao contrário do que disse Diana, a falta de bom humor não é exceção de moradores de ex-repúblicas soviéticas.
- F..., Sol Campbell! Nós conseguimos o que queríamos! - bradam os ingleses.

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