quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Maracanã: índios, estudantes e atletas protestam contra privatização

Audiência pública do edital de licitação do palco da final da Copa do Mundo é marcada por tumulto e protestos na zona portuária do Rio de Janeiro

Por Marcelo Baltar Rio de Janeiro
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A audiência pública do edital de licitação do Maracanã teve início no início da noite desta quinta-feira, mas já é marcada por mobilizações e tumulto. Pelos menos 500 pessoas estiveram no Galpão da Cidadania, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, protestando contra a privatização do estádio. Estudantes, índios, atletas e cidadãos comuns se manifestaram de forma pacífica, com gritos de arquibancadas como “o Maraca é nosso” e “vergonha”.
protesto Maracanã índios Licitação (Foto: Nelson Veiga / Globoesporte.com)Índios, estudantes e atletas fazem protesto (Foto: Nelson Veiga / Globoesporte.com)
Quando o relator do edital tentou começar a ler as regras da audiência, um dos líderes do movimento Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, Gustavo Mehl, tomou a palavra e criticou a forma como a audiência pública do edital de licitação do Maracanã está sendo feita. Tudo sob os olhares da secretária de Esporte e Lazer do Rio de Janeiro, Marcia Lins, e o secretário de estado da Casa Civil, Régis Fichtner.
- É um absurdo. Esse processo deveria ter começado em 2010. Uma audiência pública é feita para ouvir a população sobre o equipamento público. Está claro que esse processo já está com as cartas marcadas. Somos radicalmente contra a privatização. O Maracanã é um espaço símbolo da cidade do Rio de Janeiro, e os torcedores são seus verdadeiros donos. Essa audiência pública não é legítima. Não reconhecemos essa audiência e exigimos que ela seja cancelada. Exigimos que seja convocada uma nova audiência para discutimos se a gestão continuará pública ou será privatizada. É isso que tem que estar em debate. É fundamental que esse tema seja debatido com antecedência. O governo do Estado está fazendo dessa audiência uma farsa, um grande teatro – disse Gustavo, arrancado aplausos dos manifestantes.
Membros do governo encontram dificuldades para dar sequência à audiência, já que os manifestantes gritam e vaiam sem parar, impedindo que a audiência tenha prosseguimento. A audiência não tem horar para acabar na zona portuária.
Indígenas também marcaram presença no protesto. Eles são contra a demolição do Museu do Índio, que, de acordo com o edital, dará espaço ao novo Museu do Futebol. No local também está prevista a construção de um centro de entretenimento, com lojas e praça de alimentação.
- O Museu do Índio é um território indígena na cidade do Rio de Janeiro. Lá já foi a casa de Darcy Ribeiro e é o local onde foi criado o Dia do Índio no Brasil . O governo não está pensando nos brasileiros, e sim, em empresários – disse o índio Asahninka, morador do Museu do Índio.
Um dos índios, porém, passou dos limites. Ele pegou uma sacola plástica com fezes e atirou sobre a mesa onde estavam os representantes do governo. A bolsa estourou e acertou um segurança e alguns manifestantes que estavam próximos do local.
Licitação Maracanã índios (Foto: Nelson Veiga / Globoesporte.com)Segurança levou a pior com objeto atirado pelos
manifestantes (Nelson Veiga / Globoesporte.com)
Pais, alunos e professores da Escola Municipal Friedenreich, que deve ser demolida, de acordo com o edital, também estavam presentes na mobilização. As crianças utilizaram nariz de palhaço para protestar contra a privatização. Eles pretendem entregar a membros do governo do Rio de Janeiro um abaixo-assinado contra o projeto de concessão que já conta com o apoio de 13 mil pessoas. A Friedenreich é uma escola modelo e foi eleita recentemente uma das melhores da cidade.
Atletas profissionais e amadores também estão presentes na mobilização. Eles são contra as demolições do Parque Aquático Julio Delamare e do Estádio de Atletismo Célio de Barros. De acordo com o edital de licitação, eles darão espaço a dois estacionamentos com duas mil vagas para cada. A concessionária que vencer a licitação terá de construir dois novos centros de treinamentos próximos ao complexo do Maracanã.
Um grupo de sócios do Flamengo tentou apresentar seus questionamentos sobre o processo de licitação, mas desistiu devido ao tumulto. Eles garantem que o clube não jogará no Maracanã nos atuais moldes do edital e procurará outro local para mandar seus jogos, caso o processo de privatização seja concluído no modelo apresentado pelo governo do Rio de Janeiro.
Após 1h45m do início da audiência, os manifestantes deixaram o local revoltados, chutando cadeiras, e pedindo novamente pelo megafone o cancelamento do debate. A partir daí, os membros do governo começaram a dialogar com representantes da escola, dos índios e dos atletas, que tentavam mudar alguns itens do edital da licitação do Maracanã.
O deputado estadual Paulo Ramos (PDT-RJ) afirmou que a audiência pública não foi bem organizada pelo governo. Segundo ele, um novo passo será dado para que ocorra uma nova discussão entre os membros do governo e a população contra a privatização.
- Não aconteceu audiência. Isso aqui foi uma bagunça. O governo tentou esconder essa audiência e não se preparou para receber a população. Pelo menos, se uma audiência pública server para ouvir o povo, a população deixou a sua mensagem aqui hoje. Vamos entrar com uma ação civil no ministério público pedindo uma nova sessão para que possamos realmente discutir com povo essa privatização do Maracanã - afirmou o deputado.
A audiência pública desta quinta-feira, na zona portuária do Rio de Janeiro, é a última oportunidade de a população opinar sobre a privatização do Maracanã. O governo pretende divulgar em dez dias o edital definitivo da licitação.
No fim de outubro, durante a convocação para a audiência pública, o governo do Rio de Janeiro apresentou os moldes do edital. A concessionária que vencer irá administrar o complexo do Maracanã por 35 anos. Os clubes estão proibidos de participar da disputa. O investimento inicial previsto é de R$ 469 milhões. A empresa que assumir o complexo ainda terá que pagar cerca de R$ 7 milhões por ano ao governo por ano. Durante a Copa das Confederações, Copa do Mundo e as Olimpíadas, o estádio será exclusivo dos organizadores dos eventos (Fifa e COI). Vale lembrar também que os valores da concessão não irão quitar os gastos com as obras de reforma do estádio, que ficaram em torno de R$ 850 milhões.
Licitação Maracanã índios (Foto: Nelson Veiga / Globoesporte.com)Manifestantes chutaram cadeira antes de deixar galpão (Foto: Nelson Veiga / Globoesporte.com)
Entenda o processo de criação do edital de licitação
Obras estádio maracanã (Foto: Agência Reuters)Maracanã foi confirmado como uma das sedes
da Copa das Confederações (Foto: Reuters)
O processo para a criação do edital começou em janeiro deste ano, quando foi publicada a Manifestação de Iniciativa Privada (MIP) para a licitação do estádio. O objetivo era analisar a viabilidade técnica, ambiental, econômico-financeira e jurídica dos interessados em administrar, operar e manter o complexo do Maracanã.
O estudo respeitou algumas normas, entre elas a manutenção do direito ao uso das atuais cadeiras perpétuas, além de construir um museu e um estacionamento com duas mil vagas. A única empresa a apresentar proposta de viabilidade econômica foi a IMX Holding AS, de propriedade do empresário Eike Batista.
Analisado pela Secretaria da Casa Civil e aprovado pelo Comitê de Parcerias Público-Privadas, o estudo da IMX foi usado na licitação de concessão.
Nesta quinta-feira, o governo do Rio de Janeiro anunciou que o Maracanã está com 75% das obras concluídas. A previsão é de que o estádio seja entregue à Fifa e ao COL em fevereiro de 2013, quatro meses antes da disputa da Copa das Confederações, que acontecerá de 15 a 30 de junho. O estádio será palco da decisão da competição, assim como da Copa do Mundo de 2014.

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