sexta-feira, 30 de maio de 2014

Drubscky projeta o Goiás sempre no top-10 e avisa: "A tendência é evoluir"

Quinto na tabela, técnico afirma que meta é se classificar para uma copa continental e evita jogar confetes nos jogadores mais jovens: "A prudência é o melhor caminho"

Por Rio de Janeiro
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Com 15 pontos em oito jogos no Campeonato Brasileiro, o Goiás é a principal surpresa do torneio e ocupa até agora a quinta posição, empatado com Internacional, Corinthians e Fluminense, vice-líder nos critérios de desempate. Com recursos limitados, o time tem a melhor defesa do campeonato junto com o Corinthians, com apenas quatro gols sofridos. Resultado de uma aposta em uma base formada por jogadores jovens, alguns deles formados no próprio clube, sob o comando do técnico Ricardo Drubscky, um dos responsáveis por esse sucesso.
Ricardo Drubscky palmeiras x goias (Foto: Marcos Ribolli)Ricardo Drubscky exalta bom momento do Goiás (Foto: Marcos Ribolli)
Aos 54 anos, Drubscky chegou ao clube há pouco mais de um mês, vindo do Paraná Clube. Mineiro, trabalhou com nomes como Ney Franco e Enderson Moreira, e comandou o América-MG no título da Copa São Paulo de 1996. Em 2002, porém, deu um tempo na carreira para exercer a função de coordenador de base nos clubes. Parecia confortável, consolidado, até que, em 2010, concluiu que estava fora do lugar e decidiu voltar a ser técnico, trocando o Atlético-PR, onde comandava a base, pelo Monte Azul-SP. Desde então, passou por Tupi-MG, Volta Redonda, Atlético-PR, Joinville, Criciúma e Paraná Clube. e finalmente o Goiás.

Em entrevista ao GloboEsporte.com, Drubscky conta um pouco dessa trajetória e fala sobre o atual momento do Goiás no campeonato, além de fazer uma crítica à situação dos treinadores no futebol brasileiro. Confira:

GloboEsporte.com:No passado, o Coritiba chegou a liderar o campeonato, mas só escapou do rebaixamento no fim, e isso já ocorreu com outras equipes que começaram bem. Você teme que isso aconteça com o Goiás?

Ricardo Drubscky: Em primeiro lugar, acredito que estamos fazendo uma campanha sólida, com resultados merecidos, produzindo mais do que os adversários. Estamos investindo em uma maneira de jogar, numa qualidade de jogo, e a tendência é evoluir. É claro que as outras equipes vão melhorar, mas não acredito que vamos sofrer uma queda brusca. É claro que vamos perder jogos, nosso objetivo é consolidar uma forma de jogar, e sempre em busca de uma vaga em alguma competição continental, sempre entre os dez primeiros, na metade de cima da tabela. Não é um objetivo fixo, é algo projetado, que pode mudar de acordo com o desempenho do time no campeonato.

Você está há pouco mais de 40 dias no comando do Goiás. Como você encontrou a equipe após a saída do Claudinei Oliveira?

Realmente, peguei um trabalho já feito pelo Claudinei, com uma base consolidada. Mas coloquei minha ideia, minha filosofia, e creio que as coisas estão andando bem nesse momento.

Na partida contra o Vitória, jogadores como Rodrigo e Liniker foram muito elogiados, e você tem dado oportunidade a outros garotos, como Clayton Sales, Assuério e Erik. Como é o trabalho com eles dentro ou fora de campo, especialmente os dois primeiros?

Estou há pouco tempo aqui, mas sei que o Goiás foi vice-campeão da Copa São Paulo em 2013, e essa garotada, que é a base daquele time, tem muita qualidade. Os dois meninos, especificamente, têm um comportamento exemplar e uma trajetória grande a percorrer. Mas como trabalhei muitos anos na base, sei que a prudência é o melhor caminho na hora de fazer avaliações individuais e não gosto de jogar muito confete nesses garotos. Mas se mantiverem o foco, terão um futuro brilhante.

Você era coordenador da base do Atlético-PR, já consolidado, e de repente decidiu voltar a trabalhar como técnico, recomeçando uma trajetória em um clube menor. O que te motivou a isso?

Na verdade, sou treinador desde sempre, mas na minha trajetória como treinador, houve uma possibilidade de eu mexer com coordenação de base, gestão. Durante oito anos eu mudei meu foco, trabalhei no Atlético-PR dois anos como coordenador da base. Mas eu estava meio sufocado, fora do lugar. E resolvi sair de um cargo muito bem remunerado no Atlético-PR e ir para o Monte Azul retomar, em 2010.
Ricardo Drubscky, técnico do Goiás (Foto: Guilherme Gonçalves/GloboEsporte.com)Ricardo Drubscky, técnico do Goiás (Foto: Guilherme Gonçalves/GloboEsporte.com)
Você já passou por oito clubes desde que voltou a ser técnico em 2010. O que você pensa sobre essas constantes trocas de treinadores no futebol brasileiro? Não há como ser diferente?

Não há como ser diferente, mas deveria ser diferente. Essa ciranda de troca de treinadores só tem prejudicado o futebol brasileiro. Não defendo que sejamos todos de altíssimo nível, mas é possível perceber que essas trocas têm diluído a qualidade dos trabalhos. Nós, treinadores, estamos todos muito confusos, não sabemos o que estudar. Coordeno o curso de treinadores da CBF há cinco anos, mas ainda hoje não foi chancelado. Nós gostaríamos que esse projeto fosse validado para o mercado, para dar uma base de sustentação aos treinadores, além de ter o reconhecimento da classe profissional, que é fundamental.

O fato de não ter sido jogador te faz falta no trabalho?

Eu gostaria de ter sido, pela paixão que eu tenho pela bola. Desde criança me via no futebol, naquele sonho de infância, aquela coisa meio lúdica, depois como adolescente também, quando comecei a pensar em trabalhar com futebol. Hoje, com 54 anos e 31 como profissional, vejo que são atribuições distintas. Ser atleta é uma coisa, ser treinador é outra. Defendo a capacitação do técnico, em suas habilidades intelectuais, porque isso é o mais importante. E isso não me atrapalha em absolutamente nada.

Recentemente, o técnico Narciso declarou que um dos problemas da base brasileira é a presença de "muitos caras de universidade", e depois se retratou. Você sofre preconceito de ex-boleiros por não ter sido um deles?

Pelo contrário. Vejo tantos ex-jogadores se aproximando de mim ávidos por conhecimento, e modéstia parte, tenho um elenco de candidatos a auxiliar-técnico, porque sabem que precisam aprender, evoluir, assimilar competências diferentes das que já têm. Acho que foi uma declaração infeliz do Narciso, ele se retratou, pediu desculpas. Vemos grandes ídolos que não têm a mínima aptidão para treinador. E ex-jogadores de pouco brilho se transformando em excelentes treinadores, que sabem comandar bem uma equipe. O que importa é a competência para o ofício, ou vamos entrar naquela velha história de que o médico que tiver que tratar um paciente com câncer já deveria ter sofrido câncer. Não defendo a teoria sem prática, nem a prática sem teoria. E por causa desse distanciamento que o futebol brasileiro ainda tem problemas, e precisa evoluir. Precisa haver essa  afinidade em todos os níveis, inclusive a imprensa, que precisa entender mais do esporte. Não é possível mais ficar na mesmice de "se não faz coletivo, o time não desenvolve". Na Europa, não se faz coletivo desde a década de 60. Aqui, se você não faz coletivo, há pessoas que dizem que o "time não treinou durante a semana". Eu já passei por isso algumas vezes.

Você e o Enderson Moreira são mineiros, trabalharam juntos e começam a ganhar projeção nacional quase ao mesmo tempo. Isso sem falar no Ney Franco, que já comanda equipes de Série A desde 2006. É possível falar que há uma espécie de escola mineira surgindo com força?

Sim. Tivemos ali no início de 2000 um ninho na base mineira, restrito a Cruzeiro e Atlético, que gerou grandes treinadores, e aí posso citar Marcelo Oliveira, que faz parte do mesmo grupo. Há também outros profissionais de altíssima qualidade, como o Klauss Câmara, que era coordenador do Fluminense, o Diogo Giacomini, dos juniores do Palmeiras, o Emerson Ávila. Tivemos um ninho que fabricou um grupo pensante de treinadores com ideias parecidas, pensamentos homogêneos, e quando você junta duas boas pessoas conversando elas podem melhorar. Quando junta dez, a coisa cresce muito. Vivemos um momento mágico no futebol mineiro, montamos um nicho que hoje se espalhou pelo país.
Temos muito a evoluir na parte de treinamento, mas o talento dos jogadores continua sendo fantástico, podemos fazer misérias com os jogadores que surgem no Brasil.
Ricardo Drubscky
Como você vê o futebol brasileiro no momento, técnica e taticamente?

Temos muito a evoluir na parte de treinamento. O talento continua sendo fantástico, podemos fazer miséria com os jogadores que  no Brasil, mas queremos melhorar nossa qualidade de treinos para que, como consequência, a qualidade do jogo seja superior. Somos todos autodidatas, temos um conteúdo muito importante de treinamento para explorar por aqui, e acredito que isso seja possível através da capacitação dos técnicos. Quero deixar claro que isso não é uma crítica aos treinadores, que são muito mais vítimas do que culpados em todo o processo. Defendo a escola brasileira, e meu livro, "Universo tático do futebol - A escola brasileira", é em homenagem aos técnicos brasileiros. Devo lançar a segunda edição durante a Copa do Mundo.

Você é autor de um dos poucos livros sobre tática publicados no futebol brasileiro. Como você vê os livros dessa área publicados no Brasil? Acha que esse material divulgado é bom?
Não é uma bibliografia farta, mas tem coisas boas. O Bruno Pivetti, auxiliar do Fernando Diniz no Audax-SP, lançou um livro sobre periodização tática; o Rodrigo Leitão, técnico do sub-17 do Corinthians, tem vários artigos, é interessante o Universidade do Futebol, literatura internacional é vasta em inglês e espanhol. Mas não basta ler sobre tática. É fundamental refletir, criticar e aplicar para entender como esses conceitos funcionam na prática.

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