terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A contenção de custos na Fórmula 1 deveria começar já nas taxas da FIA

Altos valores cobrados pela entidade fazem com que pilotos e equipes tenham
custos elevados com o pagamento para poderem correr na categoria


Livio Oricchio - Especialista GloboEsporte.com (Foto: GloboEsporte.com)
Enquanto engenheiros e mecânicos trabalham em ritmo acelerado nos estudos em túnel de vento e na montagem dos modelos deste ano, prestes a começarem a ser apresentados, o departamento financeiro de suas equipes acabaram de fazer o pagamento da inscrição na FIA. O primeiro teste dos novos carros será já dia 1º de fevereiro, em Jerez de la Frontera, na Espanha.
E os pilotos também já encaminharam à entidade o valor cobrado para receber a superlicença, documento necessário para disputar a F-1, emitido em Paris, sede da FIA. Nos dois casos os valores são desmedidamente elevados e revela, mais uma vez, a distância entre os homens que pensam a F-1 e a realidade econômica do mundo.
A Mercedes foi a campeã com todos os méritos em 2014. Por conta da competência do grupo, do planejamento exemplarmente realizado e da sua capacidade de investimento, dominou a temporada: 16 vitórias em 19 etapas. Lewis Hamilton conquistou o título de pilotos, seu companheiro de Mercedes, Nico Rosberg, ficou em segundo e os alemães celebraram o Mundial de Construtores também. Tudo o que era possível ganhar a Mercedes ganhou, com folga.
Como prêmio, receberá da Formula One Management (FOM), responsável por explorar os direitos comerciais da F-1, US$ 100 milhões (R$ 270 milhões), o equivalente a um terço do que investiu para ser campeã. E para poder disputar o campeonato deste ano a FIA, dona dos direitos esportivos, cobra como taxa de inscrição US$ 500 mil (R$ 1.350.000), como valor básico, mais US$ 6.000 (R$ 16.200) por ponto conquistado.
lewis hamilton mercedes gp da Inglaterra (Foto: Agência Reuters)Mercedes de Hamilton se destacou em 2014, mas custo da superioridade foi elevado (Foto: Agência Reuters)
Como a Mercedes deu uma surra nos adversários, com 11 dobradinhas, por exemplo, ou obteve 31 dos 38 pódios possíveis, somou 701 pontos. A segunda colocada, RBR, fez 405. Só pelos pontos a Mercedes pagou, portanto, US$ 4.206.000 (701 x 6.000). Mas há o básico ainda de US$ 500.000, o que eleva o total da taxa para US$ 4.706.000 (R$ 12.706.200). É um “prêmio” e tanto por ser a mais eficiente em todos os parâmetros.
A situação dos pilotos não é distinta. A recompensa por ser o melhor é uma severa punição na conta bancária. Lewis Hamilton, o campeão, somou 384 pontos, resultado das 11 vitórias, 58% das corridas, três segundos lugares e duas terceiras colocações. O regulamento da superlicença estabelece que os pilotos têm de pagar US$ 10 mil de taxa básica mais US$ 10 mil por ponto obtido. Assim, Hamilton pagou para a FIA US$ 394.000 (R$ 1.063.800). Foram US$ 384 mil dos 384 pontos mais os US$ 10.000 do básico.Em outras palavras, o prêmio do campeão do mundo foi pagar quase meio milhão de dólares para disputar o campeonato seguinte.
A FIA alega que os times que são capazes de vencer o campeonato e os pilotos campeões podem pagar os valores cobrados. “Com o que eles ganham é perfeitamente possível”, afirma Jean Todt, presidente da entidade.
O francês teve uma carreira de enorme sucesso como diretor geral da Ferrari, ganhando de 1999 a 2007 seis títulos de pilotos e sete de construtores, e sabe quanto custa chegar àquele nível de excelência, o mesmo atingido pela Mercedes em 2014. Portanto, pagar US$ 5 milhões para quem gasta US$ 300 milhões representa muito pouco, essa é a sua lógica.
Jean Todt - GP da Rússia - 10/10/2014-2 (Foto: Getty Images)Presidente da FIA, Jean Todt disse que pilotos podem pagar os valores cobrados pela entidade (Foto: Getty Images)
Os recursos recolhidos pela FIA se destinam aos experimentos que visam melhorar a segurança do automobilismo, de modo geral, e às campanhas internacionais de segurança no trânsito, essencialmente.
Ninguém questiona a importância dos trabalhos realizados pela FIA, bem como a nobreza de propósitos das suas iniciativas, mas a equipe e o piloto mais eficientes pagarem US$ 5 milhões e US$ 394.000 apenas para se inscrever no Mundial seguinte é algo que talvez transcenda a capacidade de os atores, outros profissionais do evento, fãs, as empresas investidoras e até a mídia compreenderem.
O total arrecadado pela FIA dos pilotos e das escuderias impressiona. No ano passado, 17 pilotos marcaram pontos, dos 23 que alinharam seus carros no grid. Sem contar com os 2 pontos do nono lugar de Jules Bianchi, da Marussia, no GP de Mônaco, o cofre da FIA recebeu um aporte de US$ 2.400.000 (R$ 6.480.000). Bianchi se feriu com gravidade no GP do Japão, no ano passado.
E no que diz respeito ao que veio das equipes, a soma é gigantesca. Sem contar os US$ 510.000 da Marussia, cujo fim já foi anunciado, e considerando-se que a Caterham pagou por estar tentando sobreviver, a FIA recebeu US$ 15.791.000 (R$ 42.635.700).
formula 1 marussia caterham (Foto: Reuters)Em 2014, Caterham e Marussia tiveram problemas financeiros devido aos altos custos da F-1 (Foto: Reuters)
Esses valores corroboram com os questionamentos que muitos, dentro e fora da F-1, fazem, sobre o que é exigido na F-1 para competir. O custo das novas unidades motrizes híbridas, por exemplo, gera indignação. Flavio Briatore, ex-chefe de equipe campeão em 1994 e 1995, com a Benetton, e 2005 e 2006, Renault, afirmou em Monza, no ano passado: “Uma escuderia pagar, nos dias de hoje, mais de 20 milhões de euros (R$ 70 milhões) somente para dispor de 10 motores, 5 para cada piloto, é algo surrealista”.
Ainda que a Nascar, categoria norte-americana, não possa ser comparada à F-1 em quase nada, por seus promotores terem outra proposta para o evento, muito mais voltado para o show que uma disputa tecnológica, como a F-1, não deixa de ser interessante conhecer como a disputa dos EUA funciona com relação aos pilotos e times campeões. Afinal, a Nascar também é uma corrida de automóveis e está dentre as atividades esportivas de maior público no mundo.
Na Nascar, tanto faz se o piloto é o campeão ou o último colocado, o valor cobrado para a inscrição é o mesmo, US$ 10.000 (R$ 27 mil). E os organizadores cobram das equipes por carro por etapa. Em 2015 serão 36 provas. Por carro custa US$ 5.000 (R$ 13.500). Uma escuderia com dois carros gastará com inscrição, este ano, US$ 360.000 (972 mil). São US$ 10 mil por etapa, decorrente de dois carros, vezes 36, o número de etapas.
É verdade que o universo de valores da F-1 e da Nascar são bem distintos. A Mercedes investiu US$ 300 milhões (R$ 810 milhões) para ser campeã. A Stewart Hass, do campeão Kevin Harvick da Sprint Cup, a principal da Nascar, em 2014, precisou de US$ 18 milhões por carro na temporada. Correu com quatro. Para servir de referência para a F-1, com dois carros investiria US$ 36 milhões (R$ 97,2 milhões), pouco mais de 10% do que gastou a Mercedes.
Kevin Harvick - Nascar - 16/11/2014 (Foto: Getty Images)A Stewart Hass investiu na Nascar pouco mais de 10% do que a Mercedes na Fórmula 1 (Foto: Getty Images)
Mesmo diante de tamanha desproporção de orçamentos, para muitos não justifica a FIA cobrar somas tão elevadas para conceder a superlicença aos pilotos e aceitar a inscrição dos times. Para organizações com dívidas, como Force India, Lotus e Sauber, dispor das quantias exigidas também pesa.
Vijay Mallya, da Force India, desembolsou US$ 1.275.000 (R$ 3.442.500) pelos 155 pontos somados, o que lhe deu o sexto lugar entre os construtores. Enquanto o campeão paga US$ 6.000 por ponto os demais, US$ 5.000, mais a taxa básica de US$ 500.000, por isso a Force India, com 155 pontos, pagou US$ 1.275.000.
Essas exigências têm outro desdobramento ainda mais nefasto para os interesses da F-1. Elas desestimulam idealistas que eventualmente pensem em se arriscar no projeto de lançar uma nova equipe.
Frank Williams - GP da Hungria - 26/7/2014 (Foto: Getty Images)Exemplos iguais ao de Frank Williams ficarão cada vez mais difíceis com os altos custos da Fórmula 1  (Foto: Getty Images)
Nunca é demais lembrar que a Williams surgiu, nos anos 70, da coragem de um desses personagens, o apaixonado pela velocidade Frank Williams. Sua determinação e inteligência viriam a lhe dar, de 1973 até o ano passado, 7 títulos de pilotos e 9 de construtores.
Hoje não é permitido sequer sonhar com iniciativas dessa natureza. Todos esses custos impensavelmente elevados, como o necessário para competir e até mesmo apenas para se inscrever, não apenas não estimulam como inviabilizam novos projetos para a F-1, ao menos com potencial para ser protagonista do espetáculo.
Abaixo, quanto cada piloto pagou, este ano, para obter a superlicença a fim de disputar o campeonato que irá começar dia 15 de março na Austrália. A grande maioria recolhe a taxa da FIA de seus próprios vencimentos. E na sequência os valores depositados pelas equipes.
1.º Lewis Hamilton, 384 pontos – US$ 394.000 – (R$1.063.800)
2.º Nico Rosberg, 317 pontos – US$ 327.000 - (R$ 882.900)
3.º Daniel Ricciardo, 238 pontos – US$ 248.000 – (R$669.600)
4.º Valtteri Bottas, 186 pontos – US$ 196.000 – (R$ 529.200)
5.º Sebastian Vettel, 167 pontos– US$ 177.000 – (R$ 477.900)
6.º Fernando Alonso, 161 pontos – US$ 171.000 – (R$ 461.700)
7.º Felipe Massa, 134 pontos – US$ 144.000 – (R$ 388.800)
8.º Jenson Button, 126 pontos – US$ 136.000 – (R$ 367.200)
9.º Nico Hulkenberg, 96 pontos – US$ 106.000 – (R$ 286.200)
10.º Sergio Perez, 59 pontos – US$ 69.000 – (R$ 186.300)
11.º Kevin Magnussen, 55 pontos – US$ 65.000 (R$ 175.500)
12.º Kimi Raikkonen, 55 pontos – US$ 65.000 (R$ 175.500)
13.º Jean-Eric Vergne, 22 pontos – US$ 32.000 (R$86.400)
14.º Romain Grosjean, 8 pontos – US$ 18.000 (R$ 48.600)
15.º Daniil Kvyat, 8 pontos – US$ 18.000 (R$ 48.600)
16.º Pastor Maldonado, 2 pontos – US$ 12.000 (R$ 32.400)
Quanto cada equipe pagou para se inscrever no campeonato:
1.º Mercedes, 701 pontos – US$ 4.706.000 – (R$ 12.706.200)
2.º RBR, 405 pontos – US$ 2.525.000 – (R$ 6.817.500)
3.º Williams, 320 – US$ 2.100.000 – (R$ 5.670.000)
4.º Ferrari, 216 – US$ 1.580.000 – (R$ 4.266.000)
5.º McLaren, 181 – US$ 1.405.000 – (R$ 3.793.500)
6.º Force India, 155 pontos – US$ 1.275.000 (R$ 3.442.500)
7.º Toro Rosso, 30 pontos – US$ 650.000 – (R$ 1.755.000)
8.º Lotus, 10 pontos – US$ 550.000 – (R$ 1.485.000)
9.º Sauber, sem pontos – US$ 500.000 – (R$ 1.350.000)
10.º Caterham, sem pontos – US$ 500.000 – (R$ 1.350.000)

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