domingo, 18 de setembro de 2011

'Sem lar', brasileira brilha no kite, mas lamenta: 'Sinto falta de um cantinho'

Bruna Kajiya, campeã mundial em 2009, é um dos principais nomes do esporte e sofre com as longas viagens durante a temporada: 'Vida muito desgastante'

Por João Gabriel Rodrigues Direto de Barra do Cunhaú, RN
Bruna Kajiya não tem um lar. Em seu único endereço fixo, em Ilhabela, litoral de São Paulo, onde nasceu e foi criada, costuma passar apenas as festas de fim de ano. Muito pouco para alguém tão apegada à família. Ela, porém, não gosta de reclamar. Com um título mundial no currículo, em 2009, Bruna sabe que é o preço a ser pago para ser reconhecida como um dos maiores talentos do kitesurfe atual. Nesta semana, no entanto, sente o gostinho de visitar o próprio país. Ainda que longe de casa, a velejadora diminui um pouco as saudades durante a etapa brasileira do Mundial, em Barra do Cunhaú, no Rio Grande do Norte.
Aos 24 anos, Bruna já tem um longo passado na estrada. Perdeu as contas dos países que conheceu e sempre cita a imensa saudade de casa. Hoje, treina em Tarifa, na Espanha, cidade escolhida lá atrás para que firmasse seu nome no esporte e buscasse o sonhado reconhecimento. Mas também passa parte do tempo na África, durante o inverno. Brasil, apenas em etapas do Brasileiro e do Mundial e nos treinos em Cumbuco, no Ceará.
Bruna Kajiya kitesurfe Mundial (Foto: Maurício Val / FOTOCOM.NET)Bruna Kajiya em ação: brasileira lamenta falta de 'cantinho' (Foto: Maurício Val / FOTOCOM.NET)
- Eu precisei primeiro fazer meu lá fora. Por isso, fui para Tarifa. Mas não fico nem seis meses lá, estou sempre viajando. É muito difícil. É um estilo de vida muito desgastante. É muito difícil ir para casa. Na verdade, eu não tenho casa. Você acaba morando em uma mala. É muito difícil, ainda mais para uma mulher. Estou aqui com um monte de equipamento e quase nenhuma roupa. Só tenho três camisas (risos)! Mas não posso reclamar, eu gosto muito do que faço – afirma a kitesurfista.
A falta de um “cantinho”, como ela diz, no entanto, incomoda. No ano seguinte à conquista do título mundial, Bruna teve sérios problemas de saúde, que a tiraram de algumas etapas do circuito em 2010. Hoje, recuperada, consegue brincar com a situação.
- Eu sou uma pessoa muito família. Sinto falta de um cantinho só para mim. É mais fácil para as meninas que moram na Europa porque boa parte do circuito é lá. Então, podem ficar mais tempo em casa. Eu não posso. Viajar muito acaba liberando muito cortisol (hormônio produzido pelo estresse). E eu sofri bastante com isso. Os médicos dizem que costuma dar alguns efeitos colaterais. Um deles é o acúmulo de gordura na barriga. Fiquei com medo, mas ainda bem que eu não sofri com isso (risos).
Na atual temporada, Bruna não tem mais chances de título, conquistado antecipadamente pela espanhola Gisela Pulido. Na etapa brasileira, onde já está garantida na final, tem a chance de superar a polonesa Karolina Winkowska, que não compete em Barra do Cunhaú, e assumir a segunda colocação do ranking. Por isso, já começou a pensar na próxima temporada, com a lembrança das dificuldades que enfrentou para conquistar o mundo.
Lucas Zoon conversa com outros do top 4 kitesurfe (Foto: João Gabriel Rodrigues / GLOBOESPORTE.COM)Bruna conversa com o top 4 do kitesurfe masculino (Foto: João Gabriel Rodrigues / GLOBOESPORTE.COM)
- Foi uma experiência intensa e bem difícil (conquistar o título mundial). Tem muita menina boa no circuito atual. Eu treinei muito para conquistar o título. Eu sabia que estava bem e por isso fiquei obcecada com aquilo. Eu dormia pensando em treino e acordava pensando em treino. Quando o desafio passou, a sensação era de dever cumprido, mas você fica meio perdida. Hoje consigo lidar melhor com isso. Mas antes era difícil. Em Ilhabela, não dá para treinar. Então, quando ficava 24 horas sem treinar, já me preocupava. Estranho muito essa parte de não ter descanso. Mas hoje sei que é necessário.
Apesar dos treinos intensos, Bruna afirma que não são suas manobras que precisam ser melhoradas na busca por mais um título. A brasileira diz que vem trabalhando para evoluir psicologicamente.
- Posso trabalhar muito mais a parte mental. Tenho lido um livro sobre isso, “Mental Gym” (ginástica mental). Mostra como é importante trabalhar esse lado. É um aspecto que eu posso melhorar. Eu sempre foquei muito na parte física, mas isso é importante também.
Com o título mundial nas costas, Bruna não lamenta a falta de reconhecimento em seu próprio país. Acredita apenas que o kitesurfe merece um olhar mais cuidadoso.
- É complicado. Dá pena porque dá para ver que o país tem muito potencial. Temos excelentes locais para o kitesurfe, como Cumbuco, no Ceará. Mais do que nada, temos um grande potencial. Mas eu entendo, é um país fanático pelo futebol.
Neste domingo, Bruna tenta o título da etapa brasileira do Mundial. Depois de vencer a chave principal, espera pela desafiante vinda da repescagem para poder confirmar a conquista. A primeira chamada será às 11h, também para a chave masculina.

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