domingo, 13 de novembro de 2011

De 'novo' Zico a sonho com Sheik, Lazaroni revela experiências em Doha

Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, treinador do Qatar revela que pensou em utilizar Emerson na seleção e rasga elogios à revelação do país

Por Márcio Iannacca Direto de Doha, Qatar
Sebastião Lazaroni passou pela porta do hotel Four Seasons pontualmente às 11h30m (horário local). Com óculos escuros e todo de preto, o treinador chegou ao local acompanhado do auxiliar Carlito Macedo e foi difícil não ser notado por hóspedes e funcionários do estabelecimento, que logo se entreolharam sem acreditar que o comandante do Qatar estava de passagem por ali. Após rápidos cumprimentos e uma caminhada até o restaurante da piscina, o profissional falou ao GLOBOESPORTE.COM de sua vida no país, rasgou elogios à principal revelação do Oriente Médio e de que chegou a sonhar com Emerson Sheik, do Corinthians, no time nacional.
Lazaroni durante entrevista (Foto: Márcio Iannacca / GLOBOESPORTE.COM)De óculos escuros, Lazaroni falou de sua experiência no Qatar (Márcio Iannacca / GLOBOESPORTE.COM)
Treinador da Seleção Brasileira na Copa de 1990, na Itália, Lazaroni assumiu o comando do Qatar em agosto. De lá para cá, ele colocou a equipe em condições de buscar uma vaga no próximo Mundial, que será disputado em 2014, no Brasil. As dificuldades são muitas, mas uma vitória na próxima terça-feira sobre o Bahrein, em Doha, pode garantir o time nacional na segunda fase das eliminatórias para o torneio em território canarinho.
Na conversa, Lazaroni indicou bons restaurantes em Doha, principalmente os italianos. Falou da vida na cidade e da saudade do Brasil. Revelou assistir aos jogos do Campeonato Brasileiro e aproveitou para contar que na seleção do Qatar tem o seu “Ziquinho”. O treinador aproveitou ainda para falar da organização da Copa de 2022, que será no país do Oriente Médio, e de como o fator religioso é levado à sério entre os jogadores.
Confira abaixo a íntegra da entrevista de Sebastião Lazaroni:
Estou sentindo crescer uma chama boa dentro do país (Qatar), das pessoas, dos jogadores, em tentar arriscar essa chegada ao Mundial"
Sebastião Lazaroni
GLOBOESPORTE.COM: O Qatar tem condição de chegar à Copa do Mundo?
SEBASTIÃO LAZARONI
: É uma tarefa difícil, um desafio grande. Estamos aqui após três anos de Qatar e agora dirigindo a Seleção. É um momento difícil das eliminatórias. Classificam-se quatro do lado asiático e temos uma meia vaga para disputar com um representante do continente sul-americano. Isso representa um número bom, mas ao mesmo tempo você inclui países que tem uma história forte na região: Austrália, Japão, Uzbequistão, Coréia e outras seleções que já participaram de mundial, entre elas a Arábia Saudita. O momento do Qatar é passar para a tão sonhada próxima fase. Na última fase são dez times divididos em dois grupos de cinco e se classificam os dois primeiros. O melhor terceiro vai para a repescagem.
Observamos as obras já em andamento no Qatar para a Copa de 2022. Como acha que será o Mundial no país daqui a 11 anos?A família real tem uma paixão grande pelo esporte, principalmente pelo futebol. Tudo isso (obras no país) é a razão da paixão deles. Eles ganharam a chance de fazer a Copa aqui e o incentivo é grande. Estou sentindo crescer uma chama boa dentro do país, das pessoas, dos jogadores, em tentar arriscar essa chegada ao Mundial. É um sonho grande.
Será uma Copa acima das expectativas?Acredito que sim porque existe uma vontade grande. Você pode constatar pelos belíssimos prédios, um eterno canteiro de obras, a cidade tentando se modernizar, tentando superar todos os obstáculos. É uma cidade em desenvolvimento, que está tentando ter um grau de organização alto para atender as necessidades de quem vai receber gente de todas as partes do mundo. Existe a vontade, não existe o problema econômico, burocracias. O Emir, os filhos dele, todos procuram contratar profissionais do mais alto gabarito para atender as regras básicas de quem vai fazer o Mundial. Estão olhando o clima, o pós-mundial, o que fica de legado, o que pode ser aproveitado e não deixar obras que não tenham retorno de praticidade para o povo. Tudo isso está sendo estudado e, como eles têm tempo, tem tudo para ser um excelente mundial. Espero estar vivo para poder acompanhar.
Como você qualifica o material humano do Qatar? Qualidade ou quantidade?É um país pequeno, um milhão e setecentos mil habitantes. Temos cerca de 450 mil mulheres, tem a base estrangeira. Com isso, o universo de jogadores é pequeno. Estamos tentando tirar a máxima qualidade possível. No futebol, o grande segredo de toda a equipe é tentar reunir a maior qualidade possível que você tenha em mãos porque será ela que vai dar a maior chance de você ampliar suas chances de classificação. Estamos tentando incutir o estilo brasileiro, a escola brasileira, de valorização da posse de bola, sendo competitivo, e ao mesmo tempo tendo a satisfação de jogar futebol. Essa é a nossa proposta.
Lazaroni durante entrevista (Foto: Márcio Iannacca / GLOBOESPORTE.COM)Lazaroni pouco antes da entrevista no Qatar
  (Foto: Márcio Iannacca / GLOBOESPORTE.COM)
O fator religioso atrapalha de alguma maneira? Como é o perfil do jogador por aqui?A religião, nós temos que respeitar. Assim como os horários que eles precisam cumprir. Às vezes, nós pagamos um preço. No período do jejum de um dia ou no período longo, que é o Ramadã, paga-se um preço esportivo. Respeitamos isso o máximo possível. Mas aqui tem uma coisa importante que é o gostar e o aceitar aquele que comanda. Você cria uma troca, uma confiança, e aí pode fazer um bom trabalho. Se isso não acontecer, o trabalho não anda.
Como é a vida no Qatar?A vida é tranquila, gostosa, para a família e para o trabalho. A comunidade brasileira joga um tênis, um squash... Temos um futebol às sextas-feiras, mas que eu só vou para cornetar e para participar da resenha que tem no final. A comunidade procura te dar as energias necessárias para você recarregar a bateria para seguir o trabalho. É tranquila, é segura, com tudo de bom e do melhor que você pode encontrar pelo mundo.
Sente saudade do Brasil? Como é o Lazaroni fora do país?Você precisa se integrar aos costumes, ao local que você está vivendo, respeitando... Você se adapta às coisas do país. A família acompanha em parte. A saudade bate em determinados momentos. Lá é a nossa pátria, nossa família está lá e vamos retornar um dia. Mas o projeto é aqui, o desafio é no Qatar e temos que fazer da melhor maneira.
Como se comunica com os jogadores? Em inglês, árabe...Costumo usar uma brincadeira para falar disso. Como está o seu time? Está muito bem. Eu não falo árabe e eles não entendem português. Então o time flui que é uma beleza. No dia que um dos dois aprender vai desandar a maionese (risos). No clube eu tinha um assistente que falava o espanhol e passou a falar português, mas não era uma forma direta. Penso no meu inglês difícil, mas consigo me comunicar. Como o campo é uma repetição de situações, nós vamos aprendendo a nos entender. Tem o gesto, a comunicação ou algum jogador entende o português. Mas o mais importante é o idioma da bola.
Tem xeque que não dorme ou dorme de dia para ver todos os jogos à noite. Eles varam a madrugada"
Lazaroni, sobre a paixão dos xeques pelo futebol mundial
Tem alguma história curiosa por conta da diferença do idioma?É uma situação que a pessoa, o profissional, sofre em qualquer lugar do mundo. A diferença de idioma é complicada. Nós temos essa dificuldade. E essa é uma arma que muitas escolas do futebol usam para não contratar profissionais brasileiros. Isso acontece na Inglaterra, na Itália... E quando você tem alguém que facilite esse problema, a coisa flui. Muitas vezes eles dizem que o Brasil só tem bons jogadores, mas isso é aquela guerra. Aqui eu nunca passei por nada. Brincamos com todas as situações.
O Qatar tentou naturalizar alguns brasileiros. Como funcionou isso? Tem participação?Não entro nesse detalhe. Tenho uma lista dos atletas que eu posso chamar. A Fifa tem uma regulamentação: cinco anos de atividade no país e você não pode ter participado de nenhuma outra seleção. Por isso eu perguntei pelo Emerson, o Sheik, que é um baita de um jogador. Mas ele participou de uma Seleção Brasileira e não teria condição. Seria ótimo tê-lo na equipe. Mas eu não me envolvo nisso. Tem a lista e tento observar os que estão dentro dela.
Mas já teve a chance de naturalizar outro jogador?Quando existe o tempo para isso, nós observamos. Não entro no detalhe. Só entro nisso depois. Temos uma lista de 60 jogadores, na principal e na Olímpica.
Tem algum brasileiro na seleção atual?Tem o Marcone. É um brasileiro que está na seleção do Qatar.
Quem é o principal jogador da seleção do Qatar?É o Khalfan Ibrahim, que joga no Al Sadd e foi campeão asiático agora. É o meu “Ziquinho”. Há quatro anos, ele foi eleito a principal revelação da Ásia. É bom jogador esse danadinho. Quando chegamos à seleção, ele tinha um problema. Ele queria casar, mas aqui para casar, o qatari precisa ter um emprego. E o futebol na legislação do país não é considerado emprego. Está até mudando. Ele estava tendo essa briga, não foi aos treinos, ficou afastado um tempo e na última preparação para o jogo contra a Indonésia, ele resolveu o problema e mostrou evolução grande. Fez uma grande partida. Marcou um gol e deu duas assistências. Ele é pequenino e quando acabou eu jogo eu disse: “Trabalhei com o Zico no início da minha carreira e você teve uma atuação como a dele. Mas não estou dizendo isso para você empinar o nariz ou achar isso ou aquilo”. Ele tem criatividade, o drible, é agudo para o gol, penetra. Dei um alento para colocar mais lenha nessa fogueira que está crescendo.
Lazaroni durante entrevista (Foto: Márcio Iannacca / GLOBOESPORTE.COM)Lazaroni sonha ver o Qatar na Copa de 2014
(Foto: Márcio Iannacca / GLOBOESPORTE.COM)
O fato de todos os campeonatos serem transmitidos ajuda na evolução desses jogadores e no futebol aqui do Qatar?
Eles assistem a tudo do mundo todo. Tem xeque que não dorme ou dorme de dia para ver todos os jogos à noite. Eles varam a madrugada. Os xeques têm times. Um é Barcelona, o outro é Real Madrid. Até ano passado, o Real era individualista e isso mudou, atraindo ainda mais os torcedores daqui. Eles sabem todos os jogadores. O xeque que era do meu clube conhece mais jogadores do que eu.

Acha que os jogadores tentam repetir as jogadas de nomes como Messi ou Cristiano Ronaldo?
Acho que os jogadores tentam mais ao ver os outros. E nos incentivamos eles a fazerem isso. São aplicados, mas às vezes se desligam. Dá um branco neles. E é só jogo, jogo, jogo, que dá essa escola toda.
E você tem acompanhado o futebol brasileiro?Hoje no mundo global tem a internet e no clicar de um botão nós acompanhamos tudo. Temos a Globo Internacional, a Al Jazira, que passa os principais campeonatos do mundo todo, em especial o do Brasil. Na semana passada, o Zico estava aqui porque o Iraque vai disputar as partidas aqui (Qatar) e eu o levei em casa para jantar. Ficamos com duas televisões, vendo duas partidas diferentes do Brasileiro. Do lado, um churrasquinho e uma bebidinha para molhar o bico e a conversa sair melhor. Acompanhamos porque o Campeonato Brasileiro está sensacional. Temos seis ou sete equipes faltando algumas rodadas para decidir o título. Corinthians e Vasco estão um pouco na frente, mas temos outros em condição de buscar o título da competição.

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