quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Café, ansiedade, tristeza e alívio: o último dia de Marcos como Santo

Globoesporte.com acompanha cada passo do ídolo palmeirense antes, durante e depois de sua primeira entrevista como goleiro aposentado

Por Sergio Gandolphi São Paulo
Quarta-feira, 7h40 da manhã, o despertador avisa: hora de levantar, Marcos!
Após poucas horas de sono, chegou o dia que o camisa 12 do Palmeiras tanto evitava: o de se aposentar oficialmente. O Globoesporte.com passou boa parte da quarta-feira ao lado do, agora, ex-goleiro. Acompanhou passo a passo o dia do jogador que ficou marcado por defesas milagrosas e ganhou o apelido de "santo" por isso.

O "dia" da despedida de Marcos começou na noite anterior, na sala de sua casa. Por volta das 22h, ele recebeu o amigo Juan Brito, ex-funcionário do marketing do Palmeiras, que hoje gerencia seus contratos pessoais. O encontro era para falar dos seus patrocínios pontuais, fechados apenas para o evento que seria realizado nesta quarta, e para conhecer a ordem do cerimonial.
Mas Marcos (ainda) não estava preparado para aquilo. Após alguns minutos de conversa, o goleiro, bom de papo, começou a relembrar histórias dos seus 18 anos de Palmeiras. E chorou... As lágrimas foram tão intensas que a conversa foi interrompida até que o "eterno" camisa 12 do Palmeiras tivesse condições de pronunciar palavras outra vez.
Eu chorei muitas vezes na minha carreira"
Marcos
- Eu chorei muitas vezes na minha carreira. Depois daquele jogo contra o Coritiba (derrota por 6 a 0, no Couto Pereira) eu chorei muito e pensei em parar antes (do término do contrato). Deixei para chorar e curtir essa fossa nessa semana que esperei entre o anúncio da minha aposentadoria e a entrevista. Não seria legal chorar na coletiva, porque não tenho motivos - explicou Marcos.
Marcos dormiu pouco na noite que antecedeu sua última entrevista como jogador do Palmeiras. Acordou cedo, tomou banho e saiu de casa, deixando a esposa Sônia, com quem é casado há 13 anos, e a filha Ana Júlia, de oito anos, ainda na cama.
Mesmo acostumado com grandes partidas e com a pressão, Marcos desceu ao térreo do seu prédio nervoso. No dia anterior, ele havia sido levado para o ginásio na Academia de Futebol do Palmeiras, para ver a estrutura que estava sendo montada.
- Tenho de confessar: estou nervoso, viu! Fui ontem (terça) ver a estrutura e parece coletiva de grandes shows. Estou ensaiando esse discurso, mas não sei o que vai acontecer na hora.
PITSTOP
Para minimizar a ansiedade, uma parada em uma padaria próxima à casa do goleiro para o café da manhã. Ao longo da carreira, a primeira refeição do dia sempre foi feita na Academia de Futebol, pouco antes dos treinos. Um dos hábitos que carrega é tomar bastante café ao longo do dia.
Esta preferência chegou até a causar polêmica em 2000, quando o camisa 12 foi flagrado bebendo café durante a partida contra o The Strongest (BOL), pela fase de grupos da Libertadores, no Palestra Itália - vitória por 4 a 0. No jogo na Bolívia, o time da casa, irritado, comemorou um dos gols como se estivesse bebendo café.
- Só pegou mal aquela vez, porque foi interpretado como falta de respeito. Mas eu sempre bebia café nos jogos, ainda mais nas partidas à noite, até porque a iluminação do Palestra Itália não era boa. Depois daquele dia, nunca mais bebi café em campo, só no intervalo. Mas que é um vício que eu tenho, isso é.
Agora aposentado, o café da manhã de Marcos foi reforçado nesta quarta. Pão de queijo, croissant, café com leite, suco de laranja... Depois de muitos anos, o goleiro confessa que deixou - momentaneamente - de lado a preocupação com o peso.
Ele sempre lutou contra a balança, especialmente depois que as dores no joelho tornaram-se mais constantes. Sempre após os treinos no campo, o goleiro precisava estender o trabalho na esteira, ou na bicicleta.
- Fica complicado manter a forma se você não pode correr na esteira, por exemplo. Bicicleta não é a mesma coisa... Se eu corresse, no dia seguinte eu não aguentava andar de dor. Agora é diferente, não preciso mais estar na forma de antes. Quando eu saí de férias, estava pesando 100kg. Agora, devo estar com muito mais - contou ele, que passou parte das férias em Oriente, cidade no interior de São Paulo onde nasceu e onde vive sua mãe até hoje.
ÚLTIMA VEZ
Por volta das 10h15 Marcos chegou à Academia de Futebol do Palmeiras. A previsão de início da sua entrevista era 11h30, mas ele chegou cedo para atender alguns patrocinadores pessoais antes de entrar em cena.
O camisa 12 deu autógrafos, tirou fotos, assistiu a um vídeo com dezenas de defesas espetaculares ao longo da sua carreira, e não escondeu o nervosismo. Precisou sentar-se em alguns momentos, por causa de uma queda de pressão. Ele estava prestes a ter o seu primeiro contato com a imprensa desde que o fim da carreira foi anunciado pelo gerente de futebol do clube, César Sampaio, na semana passada.
A ansiedade aumentou por conta do atraso do presidente Arnaldo Tirone, que só chegou ao CT por volta das 11h30, e do vice de futebol Roberto Frizzo, o último a aparecer, 11h50.
Ao longo da semana, Marcos ficou fechado em sua casa. Não queria falar com nenhum veículo de comunicação com exclusividade, para não causar injustiça. Preferiu o silêncio até o meio-dia desta quarta-feira, quando pronunciou-se oficialmente sobre o fim de uma carreira que teve 530 jogos pelo Palmeiras e 12 conquistas.
Ao som do hino do Palmeiras, em uma gravação feita por ele, pelo camisa 10 Valdivia e pelo ex-jogador Edmundo, Marcos subiu ao palco cercado por fotógrafos e diante de um auditório lotado de jornalistas, convidados e conselheiros.
BOM DE PAPO
Marcos durante despedida no Palmeiras (Foto: Marcos Ribolli / GLOBOESPORTE.COM)Marcos se emociona ao falar do pai
(Foto: Marcos Ribolli / GLOBOESPORTE.COM)
Marcos não economizou nas palavras em sua última entrevista. Conversou com a imprensa durante uma hora na coletiva e falou separadamente com diversos veículos de comunicação. Passou mais de três horas relatando a semana que passou, desde a reapresentação do Palmeiras até os planos para sua vida de aposentado.
Sorriu, contou histórias, ficou mudo e só deixou o choro escapar quando foi questionado sobre o pai, que faleceu no fim de 2008, pouco antes da vitória do Palmeiras por 2 a 1 sobre o Santos, na Vila Belmiro, quando Bruno o substituiu à altura.
- Foi muito duro aquele momento - disse.
Na arquibancada do ginásio, alguns ex-jogadores do clube ficaram sentados assistindo ao papo com o Santo. Os ex-volantes Galeano e César Sampaio e o ex-atacante Euller, todos presentes na vitoriosa campanha da Libertadores-99, além do goleiro Sérgio, foram até lá prestigiar o amigo.
- Não é fácil parar, a mudança é muito grande. É preciso ter planejamento, para que o baque seja menor - contou Euller, que abandonou os gramados no início de 2011, no América-MG.
AMÉM
Por volta de 15h45 e só com o café da manhã na barriga, Marcos terminou a maratona de entrevistas individuais. Foi cercado por funcionários do Palmeiras, que o cumprimentaram, antes de seguir o caminho de volta para casa. A partir daquele momento, o local que antes era o seu dia a dia, passará a ser apenas um espaço para visitas.
- Agora está feito, mas ainda bem que deu tudo certo, consegui conter o choro na maioria dos momentos. Só quando falaram do meu pai que não teve como. Agora vou acompanhar tudo no noticiário, para saber se fui bem. Sou um aposentado, posso ficar bastante tempo em frente da televisão - brincou.
Sonia, a esposa, e Ana Julia, a filha, terão Marcos em casa a partir de agora (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)Sonia, a esposa, e Ana Julia, a filha, terão Marcos em casa agora (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Quando chegou ao prédio, no bairro de Perdizes, às 16h15, a esposa já estava o esperando na porta. Aos 38 anos, o São Marcos troca a santidade para os palmeirenses para tornar-se o marido da Sônia e o pai da Ana Júlia e do Lucca.
- Vou aproveitar a família agora. Vamos ver até quando eles vão me aguentar dentro de casa - completou.

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