segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Polêmica da faixa nos Aflitos: árbitro é quem decide, dizem especialistas

STJD afirma que a polícia deve cumprir o determinado pela arbitragem. Náutico segue torcedora e cita liberdade de expressão da Constituição

Por Mariana Kneipp e Lula Moraes Rio de Janeiro e Recife
Tudo pronto para o início do jogo entre Náutico e Atlético-GO, mas a bola não rolava nos Aflitos. Uma faixa da torcedora do Timbu Ivana Albuquerque com a frase "Não irão nos derrubar no apito" era o motivo da discórdia entre o árbitro Leandro Vuaden e o policiamento no estádio. Dentro de campo, o dono do apito determinou a retirada do protesto da torcida. Fora dele, a Polícia Militar não se manifestava. Dezessete minutos depois, enfim, a faixa foi abaixada, e o jogo, que terminou com a vitória dos donos da casa por 2 a 0, começou.
O episódio levantou a questão: quem tem o poder para determinar o que fazer em uma situação como essa? O árbitro ou a polícia? De acordo com especialistas, o comandante do jogo é o responsável.
- O árbitro tem autoridade no campo, e a polícia deve cumprir o que estiver determinado. Esse tipo de expressão (a frase na faixa) é altamente ofensivo. Pode ser que a torcedora encare como um direito de expressão, mas ela está questionando a lisura da arbitragem. O árbitro deve narrar na súmula e, então, vamos ver também se o clube tem responsabilidade. Os dois têm competências concorrentes, mas é preciso que as autoridades estejam mais atentas ao Estatuto do Torcedor - afirmou o procurador-geral do STJD, Paulo Schmitt.
De acordo com o artigo 13, inciso IV, do Estatuto do Torcedor, não é permitido "portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo".
O presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, Aristeu Leonardo Tavares, citou o livro de regras e também o Estatuto do Torcedor para defender a atitude de Vuaden. Afirmou que o caso será encaminhado ao STJD para avaliar a postura dos torcedores e do Náutico, responsável pela segurança no estádio.
- Não é responsabilidade nossa (retirar a faixa). O fato é que o árbitro entendeu que aquilo ali poderia ser um gerador de violência - explicou.
Faixa protesto Náutico (Foto: Otávio de Souza - Ag. Estado)Faixa de torcedora do Náutico é retirada por mando da arbitragem (Foto: Otávio de Souza - Ag. Estado)
O Náutico já tem sua estratégia de defesa para o episódio, relatado na súmula do jogo. Segundo o diretor de futebol Armando Monteiro, a manifestação da torcedora tem o direito garantido pela Constituição Federal, tese também usada pela dona da faixa.
- Pensar em punição é uma falta de bom senso. Foi uma atitude exagerada do árbitro, o verdadeiro responsável pelo atraso. Vamos nos defender. O que entra no estádio está sob responsabilidade do Náutico, segundo o Estatuto do Torcedor, mas nenhuma lei desportista está acima da Constituição Federal. Então, ninguém poderia barrar a faixa porque a Constituição garante a livre expressão e o trânsito de qualquer cidadão. Nem Vuaden ou a CBF foram atacados - garantiu Monteiro.
Julgamento de conteúdo ofensivo é subjetivo
Assim como aconteceu nos Aflitos, outras faixas já foram retiradas de estádios a mando da arbitragem ou do policiamento. No primeiro turno, no jogo entre Grêmio e Atlético-MG, o árbitro Paulo Cesar de Oliveira acionou a Brigada Militar para recolher da torcida gaúcha o material que continha uma frase ofensiva à mãe de Ronaldinho Gaúcho. Na ocasião, o clube também foi denunciado pela Procuradoria do STJD por "deixar de cumprir ou dificultar o cumprimento de obrigação legal e do regulamento da competição" (artigo 191 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva) e recebeu uma multa de R$ 20 mil.
No Campeonato Mineiro, a torcida do Galo protestou pela retirada de uma faixa com a frase "Vergonha na cara" da arquibancada durante a partida contra o Villa Nova. A ação teve tamanho repúdio que o presidente do clube, Alexandre Kalil, divulgou uma nota oficial afirmando que a ordem não partiu da diretoria. Menos de um mês depois, no clássico contra o Cruzeiro, a faixa voltou ao estádio. Desta vez, porém, os torcedores não foram repreendidos.
faixa torcida Atlético-MG vergonha (Foto: Leonardo Simonini / Globoesporte.com)Faixa dos torcedores do Atlético-MG também causou polêmica (Foto: Leonardo Simonini / Globoesporte.com)
O conteúdo da manifestação também entra em discussão. No caso da torcida do Grêmio, ofendia diretamente uma pessoa. No episódio do Atlético-MG, era uma cobrança para o próprio time. O limite entre o que é considerado agressivo pelas autoridades depende da opinião da arbitragem.
- É uma questão subjetiva. No caso da faixa do Grêmio, era evidente, era altamente ofensiva, não deixava dúvida. O excesso é punível. Imagina se o atleta, sob o manto da liberdade de expressão, xinga o árbitro ou levanta suspeitas. Isso é algo que temos combatido ao longo do tempo - concluiu Schmitt.
Comandante do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios, do Rio de Janeiro (Gepe), o tenente-coronel João Fiorentini afirmou que em estádios fluminenses a entrada da faixa da torcedora do Náutico seria permitida. No entanto, afirmou entender a decisão da arbitragem.
- Esse tipo de material requer autorização do Gepe. O torcedor encaminha o modelo, e a gente analisa. Se fosse no Rio, ela poderia entrar porque não citava especificamente o nome de um ou outro. Era um protesto da torcida. Porém, o árbitro se sentiu ofendido por ofender a instituição dele. É muito fácil dizer a minha concepção, mas não é a minha instituição que está sendo ofendida. Eu encaminharia esse tipo de protesto à comissão de arbitragem, à Federação ou à própria CBF para uma análise prévia. Mas também não vejo motivo para interromper a partida. Ele poderia fazer um protesto formal ao comandante da PM de Pernambuco, e fariam um debate - disse Fiorentini.
Advogado e autor do blog Esporte Legal, do GLOBOESPORTE.COM, José Eduardo Ferraz reforça que a decisão é da arbitragem, porém, também não entende a frase da faixa nos Aflitos como ofensiva.
- A rigor, o árbitro é o condutor da atividade em si. Ele tem autoridade para determinar que a polícia intervenha, mas, nesse caso, eu acho que a decisão está equivocada. A torcedora tem liberdade de exercer sua expressão. Não concordo com a questão de que a instituição da arbitragem não pode ser objeto de crítica. Só se fosse de uma forma ofensiva, chamando de árbitros corruptos, sem-vergonha ou mau-caráter, por exemplo. Mas achei a atitude do árbitro demasiada, não concordo.

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