terça-feira, 15 de setembro de 2015

Pedro Rizzo se emociona ao lembrar da carreira: "A luta me trouxe tudo"

Peso-pesado admite que "quebrou psicologicamente" após primeira derrota para Randy Couture e revela bastidores de lutas marcantes valendo cinturão do UFC

Por Rio de Janeiro
Pedro Rizzo MMA (Foto: Adriano Albuquerque)Pedro Rizzo se emocionou ao lembrar das lições aprendidas com a luta (Foto: Adriano Albuquerque)
Aos 41 anos de idade, Pedro Rizzo anunciou oficialmente sua aposentadoria do MMA no último sábado, após derrotar Andrew Flores Smith pelo Face to Face 12, em Vitória. "A Rocha", contudo, seguirá envolvido com a luta, através de sua equipe, Rizzo RVT, nome que remete à sua origem no time Ruas Vale Tudo, do lendário Marco Ruas. Não poderia ser diferente: em longa entrevista aoCombate, o peso-pesado carioca afirmou que seus 24 anos competindo nas artes marciais - 19 deles no Vale Tudo/MMA - o definiram como homem.
- A luta me trouxe tudo. A luta é um estilo de vida. Esta academia (Rizzo RVT) existe hoje por causa da luta. (Se emociona e chora). Criei a Laila, minha filha, com o dinheiro que faço na luta. Tudo que tenho na minha vida é porque subi no ringue e lutei. Minha cabeça de hoje, de acordar e superar qualquer adversidade, por causa da luta. Eu tinha 14 anos, morava na Zona Sul, podia ir para a praia, ter uma vida normal, ser executivo, o que quisesse. Mas fui para a luta porque eu quis. Tenho certeza que não seria o que sou hoje como homem se não fosse atleta. Morava no Leblon, mas meus melhores amigos moravam no Chapéu Mangueira (comunidade no Leme), que era onde o Marco dava aulas. Eu nunca conheceria ninguém do Chapéu Mangueira se vivesse minha vida normal! Ia andar com o pessoal da faculdade. A diferença cultural e social era muito grande. Isso foi ótimo para mim - lembra.
Começo escondido da família
Marco Ruas e Pedro Rizzo Sensei (Foto: Reprodução SporTV)Pedro Rizzo (à frente, de camisa preta e vermelha) com Marco Ruas e companheiros de treino no auge da carreira (Foto: Marcelo Alonso)
Pedro Augusto Rizzo nasceu em 3 de maio de 1974 no Rio de Janeiro, filho de família tradicional e criado no Leblon, bairro nobre da Zona Sul da cidade. Seu pai era faixa-marrom de judô e o matriculou na modalidade. Na adolescência, seu pai, engenheiro, foi transferido para Salvador, e a família foi junto. Lá, Pedro começou a praticar capoeira, pela qual se apaixonou. Dentro da capoeira, conheceu Azeite, que o apresentou a Marco Ruas, já considerado um dos melhores lutadores do país e que futuramente se consagraria como campeão do UFC 7 e precursor do treinamento de variadas artes marciais, que transformaria o Vale Tudo em MMA. Através de Ruas, Pedro começou a praticar muay thai e, mais tarde, a luta livre. Tudo em segredo: sua família não aprovava o Vale Tudo, e o jovem treinava escondido.
Foi com Marco Ruas que Pedro Rizzo aprendeu os chutes baixos, que se tornariam sua marca registrada. Em 1992, competiu pela primeira vez no Campeonato Carioca de Muay Thai, e passou a treinar também com Luiz Alves na academia Boxe Thai. Com o sucesso que foi obtendo no circuito da modalidade, decidiu abandonar a faculdade de veterinária, que havia cursado por três anos, e partir para a Europa, onde montou sua base na Holanda. Após conquistar alguns títulos, Rizzo seguiu os passos de seu mestre Ruas, foi treinar em Los Angeles e estreou no Vale Tudo em 26 de outubro de 1996, no IMA: Battle of Styles, na Holanda, com vitória por nocaute técnico sobre Eric Labaille.
Em seguida, Pedro Rizzo voltaria ao Brasil, onde venceria quatro lutas consecutivas pelo World Vale Tudo Championship (WVC), incluindo um torneio de uma noite que o tornaria campeão peso-pesado. Com o título e o apoio de Marco Ruas, o carioca recebeu o convite para lutar no UFC, que faria sua estreia no país em 16 de outubro de 1998, em São Paulo. O adversário seria Tank Abbott, nome já estabelecido na organização e que havia derrotado Hugo Duarte, um dos ídolos de Rizzo. Na semana da luta, durante treinos no Rio de Janeiro, o carioca sofreu um corte abaixo do olho que demandou pontos para fechar. Com medo de não ser liberado pelos médicos, Rizzo fechou a lesão com super cola e foi para a luta. Acabou nocauteando Abbott com 8m07s, numa de suas vitórias mais marcantes.
Tank Abbott acerta um soco em Pedro Rizzo no Ultimate Brazil (Foto: Getty Images)Tank Abbott acerta um soco em Pedro Rizzo no Ultimate Brazil; carioca sairia vencedor por nocaute (Foto: Getty Images)
- Tinha uma briga entre a luta livre, o muay thai e o jiu-jítsu. Lembro que entrei para lutar, o Canindé estava lotado e a gente começou a lutar. A medida que a luta foi transcorrendo e eu comecei a bater no Tank, o ginásio inteiro começou a gritar, "Rizzo, Rizzo!" Pensei, "Aquela rivalidade acabou, agora é Brasil!" Isso me marcou muito, vi pessoas que considerava "inimigos", do jiu-jítsu, sentados na primeira fila e torcendo por mim - lembra.
Primeiro astro do "novo" UFC
Em pouco tempo, Pedro Rizzo se tornaria um dos principais nomes do UFC e receberia o apelido de "The Rock" ("A Rocha" em inglês). Vitórias sobre Mark Coleman, Tra Telligman e Tsuyoshi Kohsaka levariam seu cartel a 9-0 e renderiam sua primeira oportunidade de disputar o cinturão dos pesados no UFC, contra Kevin Randleman. O americano dominou o combate e defendeu o título com uma vitória por decisão unânime. Rizzo, porém, conta que um choque inadvertido de cabeças no meio do segundo round, que causou um corte no seu nariz, foi determinante para sua atuação apática na ocasião.
- Desse momento para frente, não lembro mais nada. Eu lutei o resto do segundo (round), o terceiro, o quarto e o quinto rounds, e não tenho a menor ideia do que fiz dentro do ringue. Só fui ver depois, na fita. Eu estava bem mais apático. Acho que o machuquei com os chutes no primeiro e segundo round, porque, se ele tivesse percebido, ele me matava! Foi uma luta ruim, em que ele ficava parado na minha frente e eu não ia, porque estava sonado. Eu me lembro de chegar para o João Roque, "João, eu ganhei ou perdi?", e o João (responder), "Caramba, você já me perguntou isso 30 vezes! Você não lembra?" Foi a cabeçada. Não lembro de sair do ringue, a hora que lembro é quando estava no vestiário, já tomando banho.
Rizzo se recuperou com dois nocautes impressionantes. Primeiro, derrubou Dan Severn, ex-campeão de dois torneios e uma superluta do UFC, com seus patenteados chutes nas pernas. Em seguida, nocauteou Josh Barnett com um cruzado de direita impressionante no UFC 30, em 23 de fevereiro de 2001. O evento foi o primeiro da organização após passar ao controle da Zuffa, empresa formada por Dana White, Lorenzo Fertitta e Frank Fertitta III que comprou o Ultimate naquele ano, e o grupo se impressionou com o desempenho de Rizzo o suficiente para investir nele. O brasileiro recebeu um contrato lucrativo, que o tornou o lutador mais bem pago do UFC na época. Junto com o contrato, nova chance de disputar o cinturão, contra o veterano Randy Couture.
UFC Pedro Rizzo e Randy Couture 2001 (Foto: Agência Getty Images)A primeira luta entre Pedro Rizzo (dir.) e Randy Couture ainda rende polêmica entre os fãs de MMA (Foto: Getty Images)
A luta, disputada no UFC 31 em 4 de maio de 2001, em Atlantic City (EUA), ainda é causa de polêmica, e muitos fãs ainda consideram que Pedro Rizzo foi campeão do Ultimate por causa disso. A luta durou cinco rounds; Couture dominou o primeiro, mas Rizzo respondeu no segundo e passou a encaixar seus chutes baixos. A equilibrada disputa terminou com o brasileiro batendo no campeão caído e com as costas no chão, o que levou "A Rocha" a achar que havia vencido por nocaute técnico. Porém, era só o soar do gongo, e os juízes marcaram decisão unânime a favor de Couture.
- Eu tenho certeza que ganhei a luta. Já a vi milhões de vezes. Deram a decisão para ele, e acho legal que a câmera o mostra, e ele faz uma cara assim (de resignado). Foi um absurdo, eu ganhei aquela noite, fui campeão do UFC - lamenta Rizzo.
A polêmica em torno do resultado fez com que o UFC marcasse uma revanche imediata entre os dois. Couture, que passou seis semanas em recuperação devido aos chutes baixos do brasileiro, demorou a se convencer a enfrentar Rizzo novamente, mas eventualmente fechou o contrato. O reencontro foi marcado para 2 de novembro de 2001, no UFC 34, em Las Vegas; desta vez, o americano venceu de forma convincente, por nocaute técnico no terceiro round.
- Levei uma cotovelada forte que abriu um corte. No intervalo do segundo para o terceiro, o Marco Ruas me disse, "Falta um round". Eu comecei a discutir com ele, "É luta de título, são cinco rounds!" Ele (insistiu), "Falta um round, Pedro, vai lá e nocauteia!" Pensei, "Está doido". Depois fui entender o por quê; eu tinha um corte absurdo na cabeça, dava para ver meu osso. O médico queria parar a luta já, mas foi ele que não deixou o médico parar, pediu para me dar mais um round. Fui saber disso depois. Começou o terceiro round, ele me agarrou e conseguiu derrubar de novo, estava lutando todo errado, ele me deu uma blitz, eu nem senti as pancadas, mas eu estava sangrando muito - conta.
Pedro Rizzo MMA (Foto: Adriano Albuquerque)Rizzo admite que não soube lidar com pressão da revanche com Couture (Foto: Adriano Albuquerque)
Rizzo admite que não soube lidar com a nova chance e se emociona ao comentar a derrota.
- Eu estava naquele fogo em maio, após a luta, e queria lutar de novo ainda em agosto ou setembro. Lembro que foi esfriando aquela raiva, aquele ímpeto de querer vencer. Marcaram para novembro e me pediram para ir um mês antes para Las Vegas. Eles me valorizaram muito, me deram hotel, fui treinar na academia do UFC, levei meu estafe todo. Eu era muito novo e aquilo fez um efeito contrário na minha cabeça. Fiquei naquela obrigação, "Não posso perder, eles estão apostando tudo em mim", e quando você luta para não perder, você não luta para ganhar. Isso me afetou psicologicamente, me travou no ringue. (...) A primeira derrota, eu meio que desacreditei. Eu ganhei a luta, quem me tirou foram os juízes. Aquilo me deu uma frustração absurda. Quis parar de lutar, achava que não adiantava, que iam dar a luta sempre para o americano. Comecei a ver outro lado do esporte, que "talvez nem se eu fizer tudo, eu vou ser campeão". Tem dois caminhos de encarar isso; na minha cabeça eu encarei para o lado ruim. Poderia ter encarado com, "Vou nocautear todas as minhas lutas, para não ter juiz". Foi um erro meu, eu quebrei psicologicamente. Isso afetou muito a minha carreira. Queria ter a cabeça que tenho hoje para lutar quando era mais novo. Você vai amadurecendo, vai ficando mais homem, vai vivendo o esporte e começa a encarar os problemas de frente. Passou, você perdeu, e daí? Tem uma vida toda pela frente. Você tem que fazer agora. Só eu posso mudar meu futuro. Eu entro no ringue pensando nisso - diz Rizzo, sem conseguir evitar que lágrimas escorram do rosto.
Altos e baixos pós-UFC
Pedro Rizzo não voltaria a disputar o cinturão do UFC. Ele venceria três lutas e perderia duas antes de deixar a organização. A Zuffa queria baixar seu contrato, e o Pride fez uma proposta. Com o sonho de enfrentar Fedor Emelianenko, na época o melhor lutador do mundo, o carioca aceitou. Contudo, não se saiu bem, e foi nocauteado por Sergei Kharitonov e por Roman Zentsov em suas duas apresentações.
- Nunca lutei bem no Japão. Eu sinto muito o fuso horário. Me chamaram para minha primeira luta no Pride com três semanas de antecedência para substituir o cara que ia enfrentar o Kharitonov, um cara duríssimo. Aí me chamaram para outra luta com tempo de treino, mas eu não consigo dormir no Japão, fiquei a semana inteira acordado. Não é desculpa; acertei um chute baixo e ele acertou um cruzado no meu queixo, caí - explica.
Pedro Rizzo x Jeff Monson, Bitetti Combat 4 (Foto: Marcelo Alonso)Vitória sobre Jeff Monson no Maracanãzinho, pelo Bitetti Combat 4, foi momento marcante da carreira (Foto: Marcelo Alonso)
A partir daí, Pedro Rizzo alternou bons e maus momentos. Primeiro, voltou aos EUA e conquistou o cinturão da International Fighting Alliance (IFA) em 9 de março de 2007, ao vencer Justin Eilers por pontos. Ele defenderia o título uma vez, contra Jeff Monson, antes de a organização fechar as portas. Em seguida, o carioca perdeu uma revanche contra Josh Barnett pelo evento Affliction e foi nocauteado por Gilbert Yvel. Rizzo encaixaria uma sequência de três vitórias seguidas, incluindo novo triunfo contra Jeff Monson no Bitetti Combat 4, no Rio de Janeiro, e um nocaute técnico em Ken Shamrock em 18 de julho de 2010, na Austrália.
Pedro Rizzo passaria dois anos parado antes de, enfim, realizar seu sonho de enfrentar Fedor Emelianenko. Ele aceitou o combate em 21 de junho de 2012, em São Petersburgo, Rússia, porque a luta deveria marcar a aposentadoria do russo - recentemente, ele anunciou que vai voltar a lutar MMA. Em atividade e com ritmo de luta, Fedor nocauteou o brasileiro em 1m24s. Rizzo lutaria mais uma vez, em 26 de maio de 2013, contra Satoshi Ishii, medalhista de ouro olímpico no judô, em Tóquio. Novamente, sairia derrotado no Japão, desta vez por decisão unânime. Seriam mais dois anos antes da luta de despedida, no último sábado, em Vitória: nocaute técnico contra Andrew Flores Smith.
"A Rocha" não colocou o cinturão do UFC ao redor de sua cintura, mas tem as mãos em diversos títulos conquistados por outros brasileiros na organização. Rizzo foi um dos treinadores de Anderson Silva entre 2011 e 2013, e é um dos mestres e inspirações de José Aldo no muay thai. Atualmente, ele mantém a academia Rizzo RVT, onde recebe para treinamentos nomes como Ronaldo Jacaré, Glover Teixeira e Thiago Marreta. O peso-pesado também busca remontar um projeto social que construiu em Manguinhos, na Zona Norte do Rio, descontinuado em 2013 por causa de problemas entre a prefeitura e a empresa que patrocinava o espaço.

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