terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Inspirados por reportagem, irmãos viram cutmen oficiais do UFC no país

Vídeo do Combate.com ajudou no aprendizado de Cornelis e Henri Springer, que estagiaram sob lendas do esporte Jacob "Stitch" Duran e Don House

Por Rio de Janeiro
O fã de MMA com olhar mais atento já reparou em duas caras novas nos eventos do UFC no Brasil. Eles passam vaselina no rosto dos lutadores antes de entrarem no octógono, cuidam de seus cortes e edemas dentro do cage, e mais uma série de outros cuidados que eles aprenderam durante um ano e meio de estágio dentro da organização. Eles se chamam Cornelis e Henri Springer, são irmãos e são os dois primeiros “cutmen” brasileiros do Ultimate.
Assim como os lutadores de que cuidam, os dois mineiros começaram trabalhando em eventos menores nacionais, até conseguir uma oportunidade no maior evento de MMA do mundo. E oCombate.com deu uma “mãozinha” inadvertida nessa caminhada. Uma entrevista em janeiro de 2012 com Jacob “Stitch” Duran, lendário cutman titular do UFC, deu um impulso extra aos irmãos.
Cornelis e Henri Springer, cutmen do UFC no Brasil (Foto: Adriano Albuquerque)Cornelis e Henri Springer, os irmãos cutmen do UFC no Brasil: eles estarão em ação no Ginásio Gigantinho, em Porto Alegre, no próximo domingo (Foto: Adriano Albuquerque)
Coincidências certeiras
Fãs de MMA desde os primórdios do UFC e do Pride e ex-praticantes de boxe na infância, a dupla se manteve próxima à sua paixão ao se especializar em odontologia esportiva. Cirurgiões dentistas de formação, os dois começaram desenvolvendo protetores bucais para seus pacientes atletas, muitos deles lutadores. Até que, em 2010, presente a um evento brasileiro, Cornelis foi chamado a entrar em ação com seu conhecimento da área odontológica para estancar um sangramento sofrido por um atleta.
- Nesse evento, um atleta machucou muito a boca, o rosto todo, foi para o backstage. Eles me chamaram para entrar e dar um jeito. Eu estava como convidado! Aí reparei, “Precisa de um cutman mesmo, uma pessoa que evite o sangramento.” Precisa ter um cara no octógono para ajudar. Essa luta acabou e o cara saiu completamente ensanguentado, porque não tinha cutman. A partir daí, Henri e eu passamos a trabalhar como cutmen no Brasil - diz Cornelis.
A primeira oportunidade como cutmen foi dada pelo empresário Otávio “Tatá” Duarte, que abriu as portas para que a dupla trabalhasse no Brasil Fight 2, em Belo Horizonte, e nas edições do Wocs país afora. Tatá aprovou o trabalho e foi indicando os dois a outros eventos; logo, estavam trabalhando em torneios como Smash Fight, Viçosa Fight, Fight Night e Full House Battle Home.
mosaico  Irmãos Springer ufc (Foto: Editoria de Arte)Em sentido horário, a partir do topo: os irmãos no primeiro encontro com Stitch, em seminário; a mala da dupla, com todos os materiais separados; a dupla ao lado do árbitro Mário Yamasaki, que impulsionou sua carreira; Henri assiste a Stitch fazer a bandagem de Anderson Silva em luta no Rio de Janeiro (Foto: Editoria de Arte)
- Percebemos que os eventos brasileiros precisavam ter profissionais qualificados dentro do octógono para dar assistência aos atletas. O que mais nos motivava era a gratidão dos lutadores, pois, em inúmeros momentos, não recebíamos para trabalhar nos eventos - afirma Henri.
Apesar da experiência adquirida, Cornelis e Henri não tinham acesso aos materiais importados para fazer as bandagens dos atletas em alto nível, e, por isso, não desempenhavam essa função nos eventos nacionais. Até encontrarem a reportagem com Stitch no Combate.com, em janeiro de 2012. Nela, o lendário cutman demonstrava em vídeo como fazer uma bandagem na mão do repórter, e contava que pretendia vir ao país dar aulas a brasileiros.
- Um certo dia, vimos a reportagem do Combate.com com o Stitch fazendo a mão (do repórter). Temos o vídeo do Stitch fazendo mão! Até então, no Brasil, a gente não fazia a mão, só entrava no octógono; quem fazia as mãos eram os próprios atletas ou seus managers, e continua assim até hoje na maioria dos eventos. Eles fazem da maneira que querem, não tem muito padrão. Percebemos essa deficiência nos eventos e começamos a treinar bandagem exaustivamente em academias, eventos esportivos e treinos de sparring. Comprávamos um monte de gaze de farmácia e costurávamos uma na outra para ficar com a metragem parecida com a do Stitch e tentarmos fazer bandagens semelhantes à dele - narra Cornelis.
Contatos imediatos
irmãos Cornelis e Henri Springer com Rich Franklin (Foto: cortesia de Mateus Baranowski)irmãos Springer posam com Rich Franklin, após fazerem seu protetor bucal no Brasil (Foto: cortesia de Mateus Baranowski)
Cinco meses depois, surgiu o primeiro contato com o UFC, novamente através da odontologia do esporte. Na primeira edição do evento realizada em Belo Horizonte, em junho de 2012, o lutador americano Rich Franklin teve sua bagagem de equipamentos de luta extraviada a caminho da capital mineira. Os irmãos Springer foram os escolhidos por Isabela Haddad, principal assistente do coordenador do evento, Burt Watson, para confeccionar o protetor bucal do ex-campeão dos pesos-médios, que derrotou Wanderlei Silva na ocasião e elogiou o trabalho da dupla.
- O Rich Franklin desceu do octógono e disse para a gente, “Parabéns, o seu protetor é muito bom”. Ele não acreditava que um protetor brasileiro ia ser tão bom quanto um feito lá fora - se orgulha Cornelis.
O encontro com Stitch e a entrada no UFC viriam rapidamente. Durante o UFC 147, os irmãos descobriram que o árbitro Mário Yamasaki e o ex-lutador Carlão Barreto promoveriam um workshop com seu ídolo no Rio de Janeiro, em outubro daquele ano. Na mesma época, o Ultimate, interessado em formar uma equipe brasileira para atuar nos seus eventos locais, contatou a dupla e marcou uma reunião às vésperas do UFC 153, também na capital fluminense.
- Foi um seminário muito especial para nós, foi nosso primeiro contato com o Yamasaki, o Stitch e o Carlão Barreto, ícones do MMA. No outro dia, a gente já tinha uma reunião marcada com o UFC. Foi bem interessante. Chegamos aqui e já mostramos o nosso trabalho, tudo o que tínhamos feito. Nosso currículo era muito forte. Além desses eventos todos que tínhamos feito, ainda tinha esse lado da odontologia do esporte, que se agregou ao nosso trabalho. E aí foi só alegria - diz Cornelis.
Aulas com os ídolos
Na noite do evento, os irmãos Springer já estavam acompanhando os ídolos Stitch e Don House nos bastidores e receberam apoio dos atletas brasileiros. Henri pôde aprender enquanto Duran fazia a mão de Anderson Silva, ainda campeão dos médios na época. Porém, eles precisaram passar por um treinamento extensivo de um ano e meio para satisfazer o alto padrão de exigência do UFC.
- Desde o início, desde antes de entrar no UFC, já éramos cutmen. Mas, quando entramos no UFC, aprendemos várias técnicas com todos os cutmen. Eu já tinha conhecimento de entrada no octógono, mas o que aprendi com o Stitch foi algo diferenciado. A maneira perfeita de um trabalho de um cutman, como realizar o melhor trabalho em prol do atleta. Ele me acompanhou na entrada do octógono, com todos os detalhes essenciais. Muita gente acha que o trabalho de um cutman é simples. Para você ser um cutman de alto nível, é necessário saber os detalhes mínimos, e adquirimos isso nesse treinamento de um ano e meio no UFC - analisa Henri.
- Quando fala em cutman, todo mundo fala, “Aquele cara que passa vaselina no atleta ali no início”, mas não é assim que funciona. A própria vaselina tem um fator importantíssimo. Todo mundo acha que é para escorregar o golpe, e não é isso; é para deixar a pele menos friável. Quando você coloca um óleo na pele, nossa pele absorve aquilo e incha um pouco. São coisas mínimas, mas aquilo deixa a pele menos friável, ou seja, menos suscetível ao corte. E são nas áreas proeminentes: o (osso) zigomático, o nariz e o osso frontal. Tem uma regra, você não pode passar vaselina no rosto inteiro, é proibido na orelha, no lábio, no queixo. Esses detalhes todos, a gente vai adquirindo com o nível de aprendizado e estudo. Somos responsáveis por um patrimônio de milhões de dólares, que são os atletas - complementa Cornelis.
irmãos Cornelis e Henri Springer com Jacob "Stitch" Duran (Foto: Arquivo Pessoal)Os irmãos Springer com o ídolo Jacob "Stitch" Duran em evento recente do UFC: sonho realizado (Foto: Arquivo Pessoal)
Em 2014, os irmãos trabalharam em todos os eventos do UFC no país, além do TUF Brasil, e já são os favoritos de vários lutadores, que os entregam souvenires como bandagens e luvas autografadas e, supersticiosos, pedem que eles façam suas mãos antes de cada luta no país - a dupla faz questão de esclarecer que, apesar da camaradagem, respeita estritamente o código do Ultimate e se mantém imparcial e fiel às suas designações na noite do evento. Apesar de novatos, eles já trouxeram uma inovação bem recebida por seus mestres: uma maleta personalizada para organizar os materiais usados pelos cutmen durante as lutas.
- O trabalho do cutman deve ser muito organizado, pois cada detalhe pode interferir no combate. Percebemos a necessidade dessa maleta para facilitar o transporte e organização dos materiais. Ela apresenta o espaço correto para cada tipo de fita e gaze que utilizamos, além de tesouras e cortador de unha. Stitch disse para nós, “Se você for para o octógono sem o cortador de unha, tesoura e um rolo de fita, você não é um cutman”, pois o árbitro pode precisar desses itens durante o evento. Parecem ser simples itens, mas são extremamente importantes - explica Henri.
- Nossos materiais são todos esterilizados e utilizamos o enswell dentro de um recipiente especial com gelo. Levamos adrenalina, toalhas, swabs e muita concentração para o octógono, pois a integridade dos atletas está sempre em primeiro lugar - detalha Cornelis.

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