quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Índia lembra luta com Amanda Nunes em 2008: "Percebi a força dela ali"

Responsável por impor derrota à atual campeã dos galos do UFC em sua estreia no MMA, Ana Maria Índia cita pedido da conterrânea para levá-la à academia de Dórea

Por Rio de Janeiro
Ana Maria India e Amanda Nunes  (Foto: Arquivo Pessoal)India finalizou Amanda Nunes com uma chave de braço (Foto: Gleidson Venga / Portal do Vale Tudo)
A conquista do cinturão do peso-galo feminino do UFC, contra Miesha Tate, e a vitória num atropelo diante de Ronda Rousey no UFC 207, no fim do ano passado, elevaram Amanda Nunes ao status de estrela do Ultimate. Mas como costuma acontecer com ídolos brasileiros no esporte, o início mostra um retrato bem distante da atual realidade. Quem relembra o início da lutadora baiana de Pojuca é uma conterrânea, com uma experiência maior no tatame e boas lembranças para contar, como fez numa conversa por telefone com oCombate.com. Uma das primeiras lutadoras das artes marciais mistas do país, Ana Maria “Índia”, de 38 anos, foi a primeira adversária de Amanda no MMA, e impôs uma derrota rápida à então adversária, com apenas 35 segundos.
- Lembro da luta inteira. Foi rápida, mas foi bem dura. Naquela época, Amanda já era (faixa) marrom de judô. Pedi a um amigo, como não achava nada de Amanda e ninguém a conhecia, para ir na (academia) Edson Carvalho e gravar o treino dela, como espião, e ele foi. A gente viu como ela se movia, ela estava estreando no MMA mas já vinha do esporte, era muito agressiva. Amanda morava dentro da academia, treinava de manhã, à tarde e à noite, e ficava em frente a computador olhando para a minha cara - disse Índia.
O primeiro encontro entre as duas aconteceu no dia 8 de março de 2008, num evento chamado Prime, em Salvador, um dos primeiros a utilizar um cage para lutas no país. Enquanto Amanda treinava na Edson Carvalho, Ana Maria fazia parte da Champion, também na capital baiana, capitaneada por Luiz Dórea, técnico de boxe de Popó e de muitos lutadores de MMA do país, como Anderson Silva.
Hoje não somos amigas, mas já fomos, passava todo dia para pegá-la para levar para a Champion, a gente conversava bastante. Ela já dizia que se um dia fosse embora do Brasil não iria voltar mais, que só voltava se fosse com o cinturão
Ana Maria Índia
- Como tinha acabado de fazer uma das seis cirurgias que tenho no joelho direito - a luta foi quatro meses e meio depois de uma delas -, fiz um plano de que ela ia chutar a minha perna, eu bloqueava e entrava com um direto, mas deu tudo errado. Ela chutou tão forte que minha perna abriu e perdi a base, ela entrou com um direto e passou, e veio com um jab e passou. Quando ela voltou com outro direto, entrou no meio da minha cara. Perdi o equilíbrio e fui caindo para trás. Caindo, entrei nas pernas dela, e ela deu um sprawl no tempo certo. Aí puxei para a guarda, escalei, comecei a amassar o braço dela, e quando comecei a escalar ela botou uma base para tentar dar um bate-estaca. Quando ela levantou a perna para dar o bate-estaca, saí com o armlock invertido e peguei (o braço dela), mas peguei porque era muito mais técnica. Mas percebi a força dela ali.
Então com 19 anos nesta luta com Ana Maria Índia, Amanda Nunes emplacaria cinco vitórias seguidas depois disso no MMA nacional. Mas, na estreia no Strikeforce, em 2011, nos Estados Unidos, conheceria sua segunda derrota, o que aconteceria ainda uma vez no Invicta e outra já no UFC, esta vez contra Cat Zingano. Índia não se surpreendeu com a chegada da lutadora ao topo, hoje integrante da renomada equipe American Top Team, no estado americano da Flórida.
- Depois que lutei com a Amanda, levei ela para lutar boxe comigo na Champion. Ela me pediu para apresentá-la ao Dória. Ela já foi diferente no primeiro campeonato de boxe, lutou com uma menina que vinha de Mundial e já se destacou. Ela tem uma mão muito pesada. Na categoria (peso-galo do UFC) não tem nenhuma menina que pegue como ela pega. Isso eu já sabia. Dava para perceber (que ia longe). No dia da minha luta com ela, no final lembro que ela disse numa entrevista algo assim: “O que tenho a dizer foi que treinei, não vou dizer que não treinei, treinei muito, a Ana ganhou por méritos dela. Mas não paro aqui não, tem mais”. Hoje não somos amigas, mas já fomos, passava todo dia para pegá-la para levar para a Champion, a gente conversava bastante. Ela já dizia que se um dia fosse embora do Brasil não iria voltar mais, que só voltava se fosse com o cinturão. Ela sempre foi muito determinada, muito aguerrida. Nunca tive dúvidas de que seria campeã do mundo.
Amanda Nunes Ronda Rousey (Foto: John Locher / AP)Amanda Nunes impôs uma derrota a Ronda Rousey com apenas 48 segundos de luta (Foto: John Locher / AP)

Índia assistiu à vitória de Amanda Nunes no último dia 30 de dezembro, no card realizado em Las Vegas, e não se surpreendeu com a vitória da brasileira em apenas 48 segundos, tendo diante dela Ronda Rousey, nome mais expressivo do MMA feminino no mundo. Para a lutadora, a “Leoa” é completa.
- Já esperava ela ganhar. Engraçado que o Demian (Maia) já tinha perguntado o que achava, e disse que Amanda já devia ter disputado o cinturão bem antes, mas acho que foi bom para ela ter esperado esse tempo porque amadureceu como atleta. O que fazia ela perder antes era o ímpeto. Já sabia que ela seria campeã do mundo, porque ela é a Cris Cyborg nos 61kg, nenhuma menina tem o poder de punch que Amanda tem. Se ela conseguisse controlar o ímpeto e manter a distância, e entender o que sabe fazer de melhor e não querer ir para cima, ia melhorar muito. Agora ela já entende, está mais consciente emocionalmente, consegue entender que da meia para a longa distância é que ela é melhor. Ela é uma menina completa. Amanda tem judô, wrestling, boxe, tem kyokushin e é faixa preta de jiu-jítsu.
LONGA HISTÓRIA NO MUNDO DAS LUTAS
Se em 2008 Amanda Nunes começava a trilhar uma carreira de sucesso no mundo do MMA, Ana Maria Índia já tinha 29 anos e uma história mais longa com o mundo das lutas e, principalmente, com o jiu-jítsu. No MMA, a lutadora da cidade baiana de Barreiras é dona de um cartel com cinco vitíorias e cinco derrotas.
- Primeiro os objetivos (nos levaram a lugares diferentes). Quando comecei a lutar, não existia MMA feminino. Nunca sonhei em ser campeã de MMA, não existia mulher lutando MMA, não tinha no Pride, no UFC, em lugar nenhum. Inventei que queria lutar. As pessoas me perguntavam porque eu treinava, porque na época não existia protocolo de treino, então não existia divisão de peso, era eu no meio de 70 homens, de caras de ponta como (Ricardo) Arona, Paulão (Filho), (Rodrigo) Minotauro, (Rogério) Minotouro, (Roan) Jucão, Miltinho (Vieira)... Nessa época só existiam duas equipes grandes de MMA no mundo, que era a Brazilian Top Team e a Chute Boxe, então foi sempre muito duro treinar com os caras, e acabei me machucando bastante e nunca tive estrutura de atleta (...). Tudo que sei hoje aprendi perguntando.
Ana Maria Índia (Foto: Arquivo Pessoal)Ana Maria Índia foi campeã de torneio de wrestling na praia (Foto: Arquivo Pessoal)
Índia ficou por muitos anos na Team Nogueira, sob a tutela dos irmãos Rogério Minotouro e Rodrigo Minotauro, mas numa ida para São Paulo para implantar um programa feminino da academia acabou se casando e permaneceu na cidade. Dali em diante, a lutadora se afastou do tatame e passou por muitas lesões e cirurgias. Hoje já separada, permaneceu na capital paulista e seguiu seu caminho na Vila da Luta, do lutador Demian Maia. Tudo acertado com os irmãos Nogueira. Seu objetivo era encontrar uma equipe de competição na cidade, além de continuar a dar aulas.
- Fiquei muito tempo parada, e meu ex-marido não gostava de jiu-jitsu e começou a me proibir, e comecei a me afastar cada vez mais dos tatames, fui fazer boxe profissional. Depois da minha separação tentei ir embora algumas vezes, mas toda hora que tentava acontecia algo ruim e decidi ficar na cidade. A primeira coisa que fiz foi procurar uma equipe de competição. No time profissional de São Paulo da Team Nogueira era mais profissional que todos os outros atletas, precisava de alguém para me ensinar. Sou apaixonada por jiu-jitsu. Conversei com o Rogério e falei que queria ir para a academia do Demian. Com toda a generosidade do mundo que ele tem, que sempre me tratou como uma irmã, falou: “Ana, faz o que for melhor para você”, e tem um ano que estou na Vila da Luta.
O retorno às competições aconteceu rapidamente, e em duas semanas Ana Maria Índia foi convencida a lutar um torneio de wrestling na praia, que venceu após cinco lutas. Depois, ainda competiu no Rio de Janeiro no Grand Slam de jiu-jítsu. A lutadora também aceitou voltar ao MMA e chegou a ter duas lutas marcadas na China, mas ambos os eventos caíram, e agora ela espera por novas oportunidades, principalmente no jiu-jítsu, sua verdadeira paixão.
- Voltei a treinar tem um ano e estou voltando para as competições, estou tendo a chance de fechar a minha carreira com chave de ouro. Comecei tudo isso aí, quando tinha que entrar na chave masculina para poder lutar. Briguei para lutar em qualquer peso, em qualquer categoria no MMA, lutei no 60kg, 63kg, 66kg, lutei cheia de lesão, machucada, mas lutei. Amo lutar e vou continuar lutando. Agora estou focada nos campeonatos de jiu-jítsu porque estou o atualizando, é a minha paixão. Acho MMA muito fácil, o jiu-jítsu é dez milhões de vezes mais difícil. Estou de volta. Enquanto der para lutar, vou lutar. Não tenho mais lesão, estou ótima. O ano de 2017 promete muito para mim - concluiu.

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