sábado, 31 de janeiro de 2015

Livio Oricchio: Massa examina e avalia os 12 anos de carreira na Fórmula 1

Piloto brasileiro dá nota aos momentos vividos no período de F-1, onde já foi vice-campeão e é a maior promessa do Brasil por pole positions e pódios em 2015


Livio Oricchio - Especialista GloboEsporte.com (Foto: GloboEsporte.com)
Quase todo mundo que se interessa por F-1 gosta de dar um palpite a respeito desse ou daquele piloto. E quando a coisa envolve paixão, como uma atividade esportiva, expor o que pensa é quase uma necessidade do torcedor, uma reação compulsória.
É comum ouvirmos, por exemplo, a respeito de Lewis Hamilton: "Muito rápido, campeão com méritos, mas nem sempre tem cabeça". De Fernando Alonso: "Fenomenal em corrida, mas fora do carro um piloto difícil de ser administrado". De Sebastian Vettel: “A fraca temporada de 2014, em especial se comparada ao companheiro de RBR, Daniel Ricciardo, lançou dúvidas sobre a extensão do seu talento”. Sobre Felipe Massa as opiniões são contrastantes: "Rápido. Erra muito. Importante no ressurgimento da Williams. Se justificativa demais".
Mas e se em vez de nós darmos os nossos pitacos a respeito dos pilotos eles fossem os juízes de si próprios, qual seria o resultado? Será que a visão deles de si conferiria com a dos fãs, de pessoas longinquamente interessadas por F-1, mas analistas de plantão, dos profissionais do evento e jornalistas?
O GloboEsporte.com propôs o desafio a um dos mais polêmicos pilotos do Brasil com participação na F-1, Felipe Massa, capaz de ter tantos fãs que o admiram como seguidores da F-1 que o criticam duramente. O fato é que, aos 33 anos, Massa é a maior promessa do país na luta por pole positions e pódios no campeonato que vai começar dia 15 de março em Melbourne, na Austrália. O outro representante do Brasil na F-1 este ano é um estreante, o brasiliense Felipe Nasr, de 22 anos, da Sauber.
Para a surpresa do repórter, Massa aceitou ser o examinador de si próprio. Respondeu “sim” até com bom humor. Já neste domingo sua equipe começa os trabalhos de desenvolvimento do FW37-Mercedes no Circuito de Jerez de la Frontera, na Espanha, onde Massa já está. “A esperança de termos um ano ainda melhor que o de 2014 é grande”, afirma. O primeiro a acelerar o FW37-Mercedes da Williams será Valtteri Bottas, domingo e segunda-feira. Massa assume o monoposto nos dois dias seguintes.
Felipe Massa celebra no pódio do GP de Abu Dhabi (Foto: Getty Images)Felipe Massa celebra no pódio do GP de Abu Dhabi, em 2014 (Foto: Getty Images)
Os primeiros treinos de oito das nove equipes da F-1, já com os novos modelos, prosseguem até quarta-feira. A única ausente é a Force India, provavelmente por razões financeiras. A temperatura em Jerez, cidade próxima ao estreito de Gibraltar, de onde se avista o Marrocos, na África, é amena, entre 12 e 18 graus, apesar do inverno europeu.
O teste no circuito de 4.428 metros de extensão e 15 curvas variadas reúne a segunda geração de carros equipados com as unidades motrizes híbridas. A exceção é a Honda, associada a McLaren, na sua temporada de estreia.
O raio X de Massa por Massa, na realidade, começou ainda em Interlagos, nos dias do GP do Brasil, e foi concluído neste sábado, na Espanha.
Felipe é agora o examinador dos seus 12 anos de carreira, 210 GPs, 11 vitórias, 16 poles e um vice-campeonato, em 2008, com passagem por Sauber, Ferrari e Williams.
O exercício funcionou assim: o repórter explicou a Massa cada um dos critérios que ele deveria analisar, solicitou para expor o que pensa de si próprio de cada um deles e, na sequência, desse uma nota de 0 a 10. O resultado foi surpreendente.
Velocidade
Obviamente é o primeiro ponto de análise de um piloto. Base de partida para entender a competência desses profissionais.
- Eu me vejo como um piloto rápido, capaz de tirar o máximo que o carro permite. Lógico, para você fazer uma pilotagem perfeita e ser o máximo veloz é preciso que o carro tenha um ótimo acerto, parte de nossa responsabilidade. Acredito que esses anos todos de F-1 não afetaram minha velocidade, continuo lá. Muitas coisas aconteceram nesse período. É verdade que minha velocidade variou um pouco carro a carro, pneu a pneu, mas não me vejo hoje mais lento - disse Felipe.
Na Williams, Felipe Massa conseguiu sair da sombra do ex-companheiro Fernando Alonso (Foto: Getty Images)Hoje na Williams, Felipe foi companheiro de Alonso na Ferrari de 2010 a 2013 (Foto: Getty Images)
As reações do modelo da Ferrari em 2013 puniam o estilo de Massa, como lembra, o que ajudou Fernando Alonso, seu companheiro, ser muito mais eficiente na primeira metade do campeonato, por exemplo. “A introdução dos pneus Pirelli de rápida degradação, em 2011, também me atingiu mais que o Alonso.”
Existem pilotos que são mais sensíveis a essas mudanças. Kimi Raikkonen, em 2014, simplesmente não conseguiu pilotar o modelo Ferrari F14T, de comportamento bem distinto do da Lotus de 2012 e 2013, quando lutou pelo título.
A questão para Massa, agora, é se a máxima de Enzo Ferrari, de que a cada filho o piloto se torna menos rápido, procede. "Não me lembro de estar dentro do carro e ficar pensando que eu tenho um filho. Pode parecer estranho, afinal sou pai e meu filho é o mais importante que tenho na vida, mas a partir do momento que estou pilotando não lembro que tenho filho, mulher, pai e mãe, talvez seja algo automático. E não acho que inconscientemente me atinja, se é o caso eu não sinto. Minha nota no quesito velocidade é 9." Massa é pai de Felipe Bassi Massa, nascido no dia 30 de novembro de 2009.
Precisão
Entenda-se a capacidade de um piloto ter trajetórias regulares na pista, colocar as rodas quase sempre nos mesmos pontos, não submeter os pneus e freios a desgastes excessivos, saber usufruir do equipamento, tirar o máximo de velocidade preservando-o ao mesmo tempo.
- É muito importante ser preciso. O piloto tem de sentir o carro na bunda, como costumamos dizer, em cada movimento, a cada reação. Na F-1 de hoje é ainda mais importante ser preciso. Sem isso não é possível ser competitivo. Eu me considero um piloto bastante sensível, capaz de detectar as menores variações no carro e me considero preciso. Minha nota no quesito precisão é 9,5 - destacou. 
GP Brasil Fórmula 1 - Felipe Massa (Foto: EFE)Felipe Massa durante o GP do Brasil de 2014 (Foto: EFE)

Visão global de corrida
É a capacidade que o piloto tem de entender como a corrida se desenvolve, o que espera que vai acontecer nas dez voltas seguintes, por exemplo, qual a melhor forma de se posicionar na competição tendo em vista que as condições mudaram, o instante ideal para realizar os pit stops, a escolha mais indicada dos pneus, qual o momento mais apropriado de exigir tudo do carro, identificar a fase da prova onde o importante é apenas administrar o ritmo.
- É uma coisa muito complicada na F-1. Você ter de entender tudo o que está acontecendo ao seu redor é um desafio. Todo piloto tem sempre o que aprender nesse aspecto. Claro, já cometi erros, cometo, bem como as minhas equipes. Mas do meu lado, diria que nesse sentido cometi pequenos erros de avaliação. A convivência com o Michael Schumacher, que tinha uma boa visão, ajudou a me desenvolver, mas o Alonso tem visão de corrida ainda melhor. Minha nota: 7,5 - afirmou.
Constância no tempo de volta
O piloto precisa manter ritmo bem semelhante a cada condição na pista. Por exemplo: se para determinado volume de combustível e estado dos pneus é possível registrar um tempo de 1min,25 segundos e 5 décimos, é importante que haja pequena variação nos tempos de volta, pois isso potencializa a melhor resposta de todos os sistemas do carro, além de preservá-los, sem mencionar os benefícios esportivos, como possibilidade maior de um bom resultado.
- É fundamental em corrida. Na classificação jogamos tudo numa única volta, mas na corrida é diferente. Refiro-me, lógico, a ser constante e rápido. Não adianta ser constante, mas lento. O piloto precisa entender o que pode tirar do carro com os pneus que dispõe, novos ou já desgastados, encontrar o seu ritmo e se manter nele, sempre se ajustando à nova condição. Se o piloto não entender como o carro vai se comportar mais para a frente e variar muito o seu tempo de volta, o resultado no fim será bem diferente, ruim. Dou como exemplo o GP de Cingapura de 2014 (largou em sexto e chegou em quinto). Eu fui até um pouco além do nosso potencial por ter sido preciso nessa questão de entender o ritmo ideal nas diferentes fases da prova e ser muito regular nas minhas voltas, em cada uma delas. Minha nota é 8,5 - ressaltou. 
Índice de erro
Aqueles em que a responsabilidade é, de fato, do piloto, por atrasar demais uma freada, ser otimista demais na velocidade de contorno de uma curva, calcular mal o local e o momento de tentar a ultrapassagem, dentre outras avaliações equivocadas. A resposta de Massa é de interesse de outros profissionais da F-1, pois consideram o seu índice de erro elevado.
- Erros acontecem a cada momento, mas não são graves, são pequenos. Quem está assistindo muitas vezes nem percebe que o piloto errou. É importante o piloto se manter nesse nível de erro, os que não comprometem muito o tempo de volta, a sua participação na corrida. Aconteceram muitas coisas comigo, em 2014, mas não enxergo que tenham sido por um erro meu. Decorreram das circunstâncias da corrida e do que os outros pilotos estavam pensando naquele momento que dividíamos o mesmo espaço. Agora, em duas classificações, nos Estados Unidos e em Monza, eu larguei atrás do meu companheiro por não ter tido uma volta perfeita, errei, mas depois terminei na frente por estar mais rápido durante o fim de semana. Minha nota é 8,5 - disse. 
Felipe Massa manda beijos para os fãs italianos no pódio do GP da Itália (Foto: EFE)Massa ficou em terceiro no GP da Itália (Foto: EFE)
Utilização dos pneus
Saber administrar o uso dos pneus é um exame de elevada importância na F-1, mais ainda depois de a Pirelli introduzir os pneus de rápida degradação, em 2011. Alguns pilotos são mais outros menos sensíveis às reações do carro motivadas pelas características dos pneus. Pode até mesmo ser uma razão de sucesso ou fracasso hoje na F-1.
- É muito importante você entender como os pneus se comportam. E os da Pirelli, em algumas condições, não são fáceis de serem entendidos. No começo, quando passamos a usar esses pneus diferentes do que estava acostumado, não foi fácil para mim, não conseguia tirar o máximo. Hoje eu consigo explorá-los bem mais, até porque eles estão mais constantes. No meu caso, há pneus que prefiro. Com os supermacios eu me dou muito bem; com os duros, em algumas circunstâncias consigo usá-los bem, mas com os médios eu nunca me encontrei 100%. Minha nota é 7,5 - destacou.
Interação com os muitos recursos do carro
Antigamente, bastava o piloto ter talento e, em essência, saber utilizar bem os três pedais, a alavanca do câmbio e o volante para ser rápido. Hoje, o talento continua fundamental, mas é preciso o piloto fazer um curso na equipe antes de o campeonato começar para entender os inúmeros recursos a sua disposição, dentro e fora do carro. E de várias naturezas, eletrônicos, hidráulicos ou puramente mecânicos.
Sem saber explorar esses recursos durante a pilotagem não há como o piloto ser competitivo. “É outra F-1 se comparada a de meu tempo. A vida de um piloto hoje, ao contrário do que já ouvi, é nesse sentido bem mais difícil”, afirma Emerson Fittipaldi, campeão do mundo em 1972, com Lotus, e 1974, McLaren. “Ele tem muita coisa em que pensar enquanto pilota, é complexo e nada fácil.”
- Tem tanta coisa nova no carro para mexer... Eu não tenho dificuldade para interagir com os vários recursos, aprendo rápido. É importante entender cada uma das funções, mas é raro da F-1 você entender 100% de tudo. Você tem de conhecer os recursos, para que servem, para agir ali na hora, mudar algo, antecipando as reações do carro. Sou tranquilo quanto a isso. Minha nota é 9 - afirmou .
Felipe Massa Williams gp da Áustria (Foto: Agência Reuters)Felipe Massa foi pole position no GP da Áustria de 2014 (Foto: Agência Reuters)
Interação com a equipe
A cada ano se torna mais importante na F-1. As vitórias, poles e os títulos passam, necessariamente, por uma profunda relação de sinergia entre o piloto e seu time. E as áreas de interação se ampliam a cada temporada também. Não é um erro dizer que existe uma dependência crescente do piloto da supereficiência da equipe.
- Outro requisito fundamental para o piloto. Por incrível que pareça, você nunca está guiando sozinho. Tem sempre gente trabalhando e muitas das funções não são do piloto, mas do grupo que está monitorando os vários sistemas do carro. É importante você entender o que se passa e, quando chamado, interagir com precisão. Pode acontecer de alguém no time errar, como tivemos no ano passado. Mas é preciso lembrar que a Williams está evoluindo, tem personagens-chave experientes e ao mesmo tempo muitos jovens. Melhorou do começo do campeonato para o fim, mas há ainda o que crescer. Sei que sou parte importante desse trabalho de reconstrução da Williams, não posso negar, mas foi o Pat Symonds (novo diretor técnico), principalmente, que comandou as mudanças que permitiram ao time chegar onde já chegou. Minha nota é 9 - ressaltou.
A Williams terminou o último Mundial de Construtores em terceiro, com 320 pontos, diante de 405 da vice-campeã, RBR, e 701 da Mercedes, campeã.
Relação com o companheiro de equipe
Apesar da eterna competição entre os dois pilotos da escuderia, é importante haver interação entre ambos, que os dados obtidos do comportamento do carro sejam disponibilizados para o time, discutidos abertamente. Esse procedimento é fundamental para o grupo melhorar o monoposto. Mas nem sempre é assim. Há casos em que se estabelece uma guerra dentro da equipe, como a entre Alonso e Hamilton na McLaren, em 2007. Ambos perderam o campeonato na última etapa para Raikkonen, da Ferrari, por um ponto. Raikkonen somou 110 pontos e a dupla da McLaren, 109.
- Sempre tive uma relação muito boa com os meus companheiros, às vezes boa até demais, honesta demais. E olha que eu convivi com vários campeões do mundo, Jacques Villeneuve, Michael Schumacher, Kimi Raikkonen, Fernando Alonso, só cara muito bom. Infelizmente a F-1 é um mundo difícil, complicado. Em muitas ocasiões eu deveria ter sido até um pouco egoísta, mas nunca fui. Não lamento, pela pessoa que sou, mas eu poderia ter pensado um pouco mais em mim. Não seria pecado. Minha nota é quase 10 - completou.
Massa se concentra, agora, na reunião com o companheiro, Bottas, e o grupo técnico da Williams. Amanhã, às 8h30, em frente o seu box, no autódromo de Jerez, a equipe fisicamente apresenta o FW37-Mercedes, meia hora antes do início do treino. Semana passada o fez através de um vídeo e fotos.
Valtteri Bottas e Felipe Massa no pódio do GP de Abu Dhabi, que encerrou a temporada 2014 (Foto: Getty Images)Valtteri Bottas e Felipe Massa no pódio do GP de Abu Dhabi, que encerrou a temporada 2014 (Foto: Getty Images)

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