segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Como ganhar a Libertadores: dez
dicas para deixar o título mais próximo

Campeões da América opinam sobre como facilitar o caminho até a taça. Foco, cabeça no lugar, força da torcida, solidez e até diplomacia são armas no torneio

Por Rio de Janeiro
A edição do ano passado esfarelou os manuais sobre como ganhar uma Libertadores da América. Chegaram às semifinais equipes pouco habituadas a triunfar na competição. O San Lorenzo, campeão pela primeira vez, foi acompanhado na reta final por Bolívar, da Bolívia, Defensor, do Uruguai, e o Nacional paraguaio – longe de serem protagonistas do maior torneio de clubes da América. A exceção, porém, não deve anular a regra, e a Libertadores, com suas particularidades, exige cuidados específicos. Alguns requisitos para tornar mais fácil a tarefa de conquistar a América estão listados abaixo.

Para chegar aos dez itens, o GloboEsporte.com buscou a opinião de campeões. Participaram o técnico Tite (vencedor em 2012 com o Corinthians), o preparador físico Paulo Paixão (tricampeão: Grêmio em 1995, Palmeiras em 1999 e Inter em 2006), o goleiro Victor (herói da conquista do Atlético-MG em 2013), o lateral-esquerdo Fábio Santos (ganhador com o São Paulo em 2005 e com o Corinthians em 2012), o ex-lateral-direito Vítor (campeão por três clubes diferentes: São Paulo em 1993, Cruzeiro em 1997 e Vasco em 1998), Edu Gaspar (gerente de futebol do Corinthians no título de 2012) e Fernando Carvalho (presidente do Inter no título de 2006 e vice de futebol no bi em 2010).
Mosaico Libertadores Brasileiros (Foto: Editoria de arte)Brasileiros que disputam a competição em 2015 têm conquistas da Libertadores no currículo (Foto: Editoria de arte)
A fase de grupos da competição começa nesta terça-feira, e já com brasileiro em campo: o Inter visita o Strongest na Bolívia. Na quarta, ocorre o clássico entre Corinthians e São Paulo, e o Atlético-MG encara o Colo-Colo no Chile. O último brasileiro a estrear será o Cruzeiro, que duela com o Universitario de Sucre na Bolívia no dia 25. Todos os representantes do país no torneio já ganharam a Libertadores.
1) Comer, beber, respirar Libertadores
A Libertadores exige dedicação integral. Não existe meio-termo com ela. É preciso mergulhar de cabeça e aproveitar acontecimentos paralelos como preparação para ela – fazendo com que deixem de ser obstáculos e virem trampolim. A largada da competição coincide com os estaduais. Cabe ao clube saber em quais jogos usar titulares e em quais poupar os principais jogadores. São dois desafios que caminham em direções contrárias: é preciso entrosar o time, e entrosamento se alcança jogando, mas cansar os atletas nessas partidas menos importantes pode ser um erro fatal, até pela exigência física que a Libertadores tem.
O dirigente tem que estar contigo. Muito. Muito mesmo. Não é pouco, não. Ah, e se perder? Não importa: perdeu buscando a maior competição possível"
Paulo Paixão
O segredo é encontrar esse equilíbrio. E aí entra a sintonia entre comissão técnica e diretoria. O planejamento precisa ser feito em conjunto. A parceria nessa tomada de decisão dá fôlego ao treinador – ameniza a pressão interna que ele sofrerá em casos de derrotas na largada da temporada. Dá mais paz para trabalhar.

- Você tem que focar na Libertadores. Se ganhar, vai ao Mundial. Não tem que se preocupar com decisão de Carioca, de Mineiro, de Gaúcho. Não tem que pensar que Brasileiro começa tal dia, que tem que pontuar. Essas competições entram no corredor para a Libertadores. Elas devem ajudar. Você não pode ter a mesma preocupação, com as outras competições, que tem com a Libertadores. E tem que ter essa parceria muito forte com a diretoria. O dirigente tem que estar contigo. Muito. Muito mesmo. Não é pouco, não. Ah, e se perder? Não importa: perdeu buscando a maior competição possível – opina Paulo Paixão.
2) Olho na arbitragem
Esquece essa ideia de sair pedalando por uma ponta direita qualquer e se espatifar no gramado, como se tivesse sido assassinado, só porque o zagueiro adversário olhou com cara feia. Pode funcionar no Brasileirão. Na Libertadores, sem chance. Conhecer o jeito sul-americano de apitar é fundamental para ter vida longa na competição. É outro universo em relação ao Brasil. O jogo corre mais. Divididas são mais permitidas. O jogo é mais duro na disputa corporal. E o jogador precisa encontrar o ponto certo nisso – permitir-se jogar com mais firmeza, mas sem passar do ponto e acabar expulso.
Os brasileiros tentam cavar faltas. Se fizerem isso, os outros vão passar por cima"
Fernando Carvalho
- É muito importante conscientizar os jogadores de que a arbitragem é completamente diferente. É jogo de muito contato físico, muita trombada, e os juízes não marcam falta em qualquer lance. Os brasileiros tentam cavar faltas. Se fizerem isso, os outros vão passar por cima – comenta Fernando Carvalho.

- Tem que ter um time que entenda a competição. Ela é diferente e precisa ser jogada de forma diferente – resume Fábio Santos.
3) Estudar muito
É nos desconhecidos que reside o maior perigo"
Tite
A Libertadores envolve 11 países diferentes – e, às vezes, times de que os brasileiros nunca ouviram falar. Parte-se de um desconhecimento total em muitos casos para, aos poucos, ir construindo uma visão sobre aspectos diversos do adversário: estilo de jogo, expoentes e falhas, características do campo, pressão da torcida. Aí entra a necessidade de se estudar muito os oponentes. A comissão técnica precisa ser muito ativa, muito interessada, para trabalhar até mais fora do campo, na observação do adversário, do que nos treinos em si. Em alguns casos, é fundamental enviar olheiros para ver pessoalmente as equipes – embora hoje existam recursos tecnológicos para ter acesso a partidas de lugares pouco acessíveis. E o elenco tem a missão de ficar especialmente interessado nas informações passadas pelo comando técnico.

- É preciso ter muito conhecimento dos seus adversários. Reunir informações. Cercar-se de todas as garantias para não ser surpreendido. Há equipes muito fortes, não só as grandes, como Boca, River, Universidad de Chile. É nos desconhecidos que reside o maior perigo – resume o técnico Tite.
4) Criar o caldeirão

A torcida também precisa se envolver. Títulos recentes de brasileiros tiveram muita pressão sobre adversários que vinham jogar aqui – casos do Inter (especialmente em 2006), do Corinthians e do Atlético-MG. É uma forma de equiparar a pressão recebida, dependendo do time, em países como Argentina, Uruguai e Colômbia.

- Parece que aprendemos como as torcidas de outros países torcem. Talvez tenha sido algo que demoramos a aprender. E faz toda a diferença. Os adversários também precisam sentir o caldeirão quando jogam aqui – opina Fábio Santos.
Torcida, Corinthians x San José (Foto: Marcos Ribolli)Torcida, Corinthians x San José (Foto: Marcos Ribolli)

5) Ter líderes
fernandao,  taça libertadores (Foto: EFE)Fernandão em 2006 é um dos exemplos de liderança sobre o elenco (Foto: EFE)
É importante ter dois tipos de líderes: os de comando (Adílson Batista e Dinho no Grêmio, Rogério Ceni e Lugano no São Paulo, Fernandão no Inter, Alessandro no Corinthians, Edu Dracena no Santos) e os técnicos (Ronaldinho Gaúcho no Atlético-MG, Alex no Palmeiras, D’Alessandro no Inter, Neymar no Santos). No primeiro caso, são aqueles jogadores que funcionam como uma extensão da comissão técnica na hora de manter o elenco 100% focado; no segundo, é o sujeito a quem o time recorre em momentos de dificuldade em campo – o craque, o atleta diferenciado. São homens que podem decidir o futuro antes e depois dos jogos, com sua postura, ou no decorrer deles, com seu talento.

- São duas coisas que andam juntas. Em qualquer momento do jogo, essa excelência técnica pode estar presente. Tem o comando, tem o capitão, e ao mesmo tempo tem a qualidade técnica para decidir. Tendo esse equilíbrio de liderança técnica e comando, você fica perto de não perder nada – diz Paixão.
Ronaldinho Atlético-MG festa título Libertadores (Foto: AP)Ronaldinho manda beijos para a torcida do Galo ao conquista Libertadores de 2013: liderança técnica do time (Foto: AP)


Também são bem-vindos os jogadores experientes, acostumados a vencer, mas que mantenham a ambição por títulos.

- A melhor coisa é jogador que sabe jogar final. Que não treme. Que enfrenta a decisão – afirma Carvalho.

- Tem que ter jogador experiente. Se o time for muito jovem, dificilmente vai ganhar a Libertadores – aposta Fábio Santos.
6) Ter a cabeça no lugar

Luiz Felipe Scolari, campeão da Libertadores com Grêmio e Palmeiras, costumava dizer a Paulo Paixão, seu fiel escudeiro da preparação física: “Eu vou montar na cabeça de quem for expulso”. A competição mexe com os nervos dos atletas – é clássico o lance, na Libertadores de 2003, em que Geninho, técnico do Corinthians, grita “pega, pega” para o lateral Roger, na marcação de D’Alessandro, na época no River Plate, e ele acaba dando uma pancada no argentino e sendo expulso. Manter o time com 11 jogadores em campo é fundamental.

É um clichê da Libertadores atribuir derrotas brasileiras à catimba adversária - especialmente dos times da Argentina. Não é bem assim – perdemos, e não é raro, na bola mesmo. Mas as tentativas de desestabilização em campo são uma face da competição, e os atletas precisam estar preparados para lidar com provocações, ofensas e até alguma dose de violência.

- É diferente. No estadual, no Brasileiro, você convive sempre com o adversário. Tem amizade, cria aquele vínculo. Libertadores é outra coisa. Você acorda para enfrentar seu inimigo. Não quer cumprimentar adversário. Eles vêm na tua casa, ganham, tiram sarro na tua cara. Na Argentina, me chamavam de macaco na cara dura, de hijo de p***. Eu tomava catarrada na cara. Tomei muito pisão na mão – relata o ex-lateral Vítor.

O goleiro Victor viveu episódios de provocação até o último ato da Libertadores de 2013. Na disputa por pênaltis contra o Olimpia, valendo o título do torneio, o goleiro Martin Silva, hoje no Vasco, tentava desestabilizar o brasileiro tirando de dentro do gol um terço que ele deixava lá como proteção. Victor queria esgoelar o rival. Mas respirou fundo. Hoje, vê a calma em momentos de provocação como um dos pontos necessários em uma Libertadores.

- Como o jogo é mais pegado, a briga por espaço é mais intensa, acaba ficando mais violento. Tem que ficar ligado a esses detalhes. Tem muita catimba. Não pode entrar na provocação.
Atlético-mg, Victor, Libertadores (Foto: Alexandre Alliatti)Victor celebra título da Libertadores de 2013 depois de guerra psicológica com Martin Silva (Foto: Alexandre Alliatti)


Manter a calma, porém, não pode ser sinônimo de frieza excessiva. Libertadores é competição quente. Joga-se com a alma.

- Em Libertadores, o cara se transforma. Se ele não se transformar, é porque não está pronto para a Libertadores – resume Vítor.
7) Ser eficiente na bola aérea
Campos ruins e times longe do brilhantismo técnico fazem com que a bola aérea seja protagonista da Libertadores. É preciso saber jogar por cima. Zagueiros, volantes e atacantes altos são úteis. Muitas equipes farão a ligação direta, especialmente em momentos de desespero, e aí é necessário ter um time que saia bem do chão – o último brasileiro a ganhar a competição, o Atlético-MG de 2013, tinha uma dupla de zaga alta e muito eficiente na jogada aérea, com Leonardo Silva e Réver, e no ataque ainda contava com Jô.

- É preciso estar preparado para a bola aérea. Vai ter balão, vai ter choque, vai ter bola no segundo pau. Os times estrangeiros costumam explorar a fragilidade de nossos laterais – comenta Fernando Carvalho.
Nos mais recentes títulos brasileiros da Libertadores, só o Atlético-MG de 2013 teve média superior a um gol sofrido por jogo. O Corinthians, em 2012, só levou quatro gols ao longo de toda a competição
O goleiro do Galo também alerta para a bola parada. Em jogos truncados, pode ser um trunfo.

- É importante ter fatores como velocidade e bom passe. E também jogadores capazes de decidir em bola parada. Às vezes, você pega gramados com condições não tão boas, e aí a bola parada é decisiva. Você pode alcançar vitórias e evitar derrotas com isso.

Ter uma defesa sólida é outro ponto determinante. O Corinthians de 2012 foi campeão sendo vazado apenas quatro vezes. Dos seis títulos brasileiros mais recentes, só o Galo, em 2013, teve média superior a um gol sofrido por jogo.

- O time tem que ser muito fechado, muito compacto, principalmente quando superar a primeira etapa. Mata-mata se ganha com defesa compacta. Não pode tomar gol – ensina Carvalho.

Dentro disso, cabe lembrar que não deve haver constrangimento ao jogar por um empate fora de casa. Especialmente nas etapas eliminatórias, com saldo qualificado, não sofrer gols é tão importante quanto fazer.

- Tem que fazer o dever de casa. Em casa, tem que vencer. Fora, tem que conseguir bons resultados. Se não for possível vencer, o jeito é empatar – afirma Victor.
8) Ter uma logística eficiente
rogerio ceni são paulo voo (Foto: Carlos Augusto Ferrari)Voos diretos e escalas curtas facilitam a vida dos atletas no torneio (Foto: Carlos Augusto Ferrari)
A Libertadores tem dificuldades de sobra dentro de campo. O que os jogadores menos precisam é de mais problemas fora dele. Aí cabe à diretoria ser eficiente. Voos diretos (e fretados, de preferência), escalas curtas e chegada antecipada ao local do jogo são elementos que costumam agradar os atletas.

- É importante chegar ao país onde vamos jogar com dois dias de antecedência. A viagem costuma ser desgastante. Isso facilita para sentir o clima da cidade, conhecer o campo de jogo – aconselha Fábio Santos.

- Algumas viagens são muito longas. O clube precisa ter uma logística bem elaborada, uma estratégia bem planejada. Isso evita um desgaste que pode atrapalhar na partida. O ideal são voos diretos, ou com poucas escalas, escalas curtas. Às vezes, são sete, oito horas de viagem. É bom chegar com certa antecedência – concorda Victor.

Há jogos (na altitude, por exemplo) que exigem a concordância de diferentes grupos do clube. Se a equipe de preparação física sugere que o elenco chegue à cidade três dias antes do jogo ou horas antes de a bola rolar (alguns profissionais defendem que é a melhor forma de amenizar os efeitos climáticos), é preciso ter a anuência da diretoria (que arca com os custos), do treinador (que faz a programação das atividades) e das lideranças do grupo de jogadores.

- As viagens são mais longas e, por isso, precisam ser mais planejadas. Há adaptação com possíveis cidades que tenham altitude. Tudo tem de ser discutido com a fisiologia, o departamento médico. A logística tem de ser perfeita para não atrapalhar os jogadores. A campanha de uma Libertadores começa a ser construída nesses pequenos detalhes – explica Edu Gaspar.
9) Relacionar-se bem com a Conmebol
As diretorias têm outra missão: saber se inserir nos corredores da Conmebol. Ter força política na entidade que comanda a competição é determinante. Contando com uma linha direta com a cúpula da confederação, é possível ter ações de bastidores: pedir que determinado árbitro não seja escalado, tentar influenciar no local onde será disputada uma partida (em casos de adversário que tenham estádio muito acanhado), ter abertura para amenizar uma possível punição. O Inter, por exemplo, conseguiu ter na Conmebol uma influência que jamais teve na CBF. Na Libertadores de 2010, um fato escancarou isso: a tabela indicava que o primeiro jogo colorado seria contra o Deportivo Quito, na altitude. Do nada, a entidade soltou uma comunicado informando que a ordem dos jogos estava modificada - e os gaúchos estreariam em Guaiaquil, sem altitude, diante do Emelec.

- É sempre aconselhável ter uma boa relação com a Conmebol. Aí pode pedir coisas como não colocar um juiz colombiano em um jogo contra um time equatoriano. Naquela região, eles se protegem. Não é escolher o árbitro: é tentar fazer com que determinado árbitro não seja usado para evitar problemas – diz Carvalho.
10) Evitar erros
O último tópico remete aos nove anteriores: todas as competições são vencidas ao se minimizar o máximo possível a quantidade de erros, mas na Libertadores é mais ainda. São muitos detalhes (de montagem de elenco, de logística, de preparo mental, de estratégia de jogo) que precisam ser tratados com atenção total. Qualquer falha pode ser decisiva. Qualquer desatenção pode representar a eliminação.

- Erros são fatais, mais do que em campeonatos de pontos corridos – lembra Tite.

- Libertadores é um campeonato que permite que se erre muito pouco. Não pode errar, principalmente no mata-mata – concorda Victor.
*Colaborou Diego Ribeiro.

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