segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Livio Oricchio: F-1 decide futuro em importante reunião nesta terça-feira

Comissão por equipes, FIA, FOM, patrocinadores, fornecedores e promotores avalia introdução de motores de 1000cv e pneus mais largos. Impacto financeiro preocupa

Por Nice, França
Livio Oricchio - Especialista GloboEsporte.com (Foto: GloboEsporte.com)
Enquanto muitos brasileiros vão estar lamentando o fim do Carnaval, nesta terça-feira, o destino da Fórmula 1 estará sendo definido na ultraimportante reunião da Comissão de F-1, em Genebra, Suíça. Dia 5 de fevereiro, em Paris, o Grupo de Estratégia (Strategy Group) decidiu aprovar as modificações sugeridas por personagens de peso do espetáculo, como Bernie Ecclestone, promotor do Mundial, dentre elas a adoção de motores de 1.000 cavalos de potência e pneus mais largos. Dependendo do que acontecer no encontro da Comissão de F-1, a competição será bem diferente. Já em 2016.
Fórmula 1 - GP da Austrália 1987 (Foto: Getty images)Fórmula 1 na década de 1980. Época de pneus largos e carros mais potentes (Foto: Getty images)


A queda nos índices de audiência na TV, a redução do público nos autódromos e estudos que mostram que o interesse dos jovens pela F-1 é, hoje, muito menor do que até pouco tempo atrás geraram, como não poderia deixar de ser, inquietação nos seus dirigentes. Algumas propostas começaram a surgir para tentar tornar a categoria um show mais atrativo, essencialmente estar de acordo com o que o fã mais gostaria de ver: carros realmente velozes, de elevada potência, mais largos, capazes de provocar imenso ruído, pneus grandes, como já foram no passado e faziam dos seus pilotos verdadeiros heróis.
Os torcedores vibravam quando viam, nas arquibancadas ou na TV, os pilotos deixarem os boxes, nas sessões de classificação, com pneus especiais para uma volta, apenas, e motores sem limite de pressão no turbo, garantido-lhes, como no caso da Lotus-Renault de Ayrton Senna, em 1986, nada menos de 1.200 cavalos de potência. Dominar um conjunto desses era para bem poucos seres humanos, dai tanta idolatria.
Massa e o público na final da stock car, em Curitiba (Foto: Duda Bairros / Divulgação)Para Massa, atualmente é fácil para chegarem ao limite dos carros (Foto: Duda Bairros / Divulgação)
Limite dos carros muito baixo
Na F1 moderna, os próprios pilotos reconhecem que o desafio é menor do que já foi para eles mesmos, há alguns anos. “Sim, ficou mais fácil pilotar. Nos tornamos mais lentos e fisicamente o que enfrentamos hoje é nada comparado com as exigências de 2003, 2004, 2005, com os motores de 3,0 litros e V-10”, afirma o bicampeão Fernando Alonso, com 234 Gps de experiência, este ano na McLaren-Honda. Felipe Massa, da Williams, com 210 Gps, diz: “O limite dos carros abaixou. Mais pilotos chegam nele mais fácil, agora”.
Ecclestone, Jean Todt, presidente da FIA, Maurizio Arrivabene, diretor geral da Ferrari, Niki Lauda, ex-piloto, três vezes campeão do mundo e hoje sócio e diretor da equipe Mercedes, dentre tantos outros profissionais, acreditam que se a F-1 voltar a ser uma competição esportiva onde apenas os superdotados de fato vencem, não só tecnicamente, mas também na coragem, o público voltará a se interessar mais, como antes. A data limite para ter tudo aprovado com o objetivo de implantar as novas medidas em 2016 é 1.º de março.
Opinião da maioria
O Grupo de Estratégia aceitou rever o regulamento da F-1. É importante saber quem participa do Grupo de Estratégia, a fim de entender como foi representativa a decisão de mudar o show. A Formula One Management (FOM), de Ecclestone, tem seis votos, a FIA, de Todt, mais seis. Outros seis votos cabem às equipes Ferrari, McLaren, Mercedes, Red Bull e Williams. O sexto voto dos times vem daquele que se classificou fora dos quatro primeiros e não é nenhum dos cinco com direito a voto. No caso, este ano, é a Force India. Importante: a Ferrari tem direito a veto no Grupo.
Para o Grupo de Estratégia aprovar uma proposta basta maioria simples, dentre os 24 que votam. O projeto de mudar a F-1 em 2016 e 2017 vai passar hoje por novo processo de votação, agora na Comissão de F-1. Entre os dias 5 de fevereiro e hoje, ou seja, entre uma reunião e outra, os representantes das equipes ficaram de estudar com seus técnicos o que pode ser feito para que as diretrizes da nova F-1 sejam adotadas na prática.
Já se sabe, por exemplo, que uma das ideias que será apresentada é o aumento do fluxo de combustível das unidades motrizes. “Elevando dos 100 quilos por hora de hoje para 120 quilos deveremos ganhar cerca de 160 cavalos de potência”, disse Mattia Binotto, da Ferrari. De quinta-feira a domingo as nove escuderias da F-1 vão estar no Circuito da Catalunha, em Barcelona, para a segunda série de testes da pré-temporada. Com certeza haverá muitas discussões a respeito dessa nova transformação da F-1.
Até dia 1.º de março tudo terá de estar esclarecido. Se passar da data, o pacote de mudanças ficará para 2017. Pela complexidade do tema e diante das dificuldades de conciliar os interesses das equipes grandes de pequenas, a tendência é de a maior parte das novas medidas ser adota apenas em 2017.

Resultado tem representatividade
Os integrantes da Comissão de F-1 representam bem mais segmentos do espetáculo que o Grupo de Estratégia. Para começar, todos os times têm direito a voto. Portanto, nesse momento, são nove. A Marussia, ou agora Manor, apresentou proposta de iniciar a temporada com o modelo do ano passado para depois, a partir do GP de Bahrein, competir com o carro de 2015. O pedido foi negado. Seus proprietários tentam outra saída. Hoje são nove votos das escuderias: Mercedes, RBR, Williams, Ferrari, McLaren, Force India, STR, Lotus e Sauber.
A FOM tem um voto, somente, na Comissão de F-1, o de Ecclestone, como a FIA apenas o de Todt. Os patrocinadores votam, dois deles. No caso, agora, serão Philip Morris e Rolex. Os fornecedores de componentes para a F-1 também têm dois representantes. Um deles está definido, será o voto da Pirelli, e o outro, o de um fabricante de unidade motriz. O escolhido ainda não é público, mas acredita-se que seja a Mercedes.
Com aperto de mão, Bernie Ecclestone e Jean Todt selam acordo para implementação de novo Pacto da Concórdia (Foto: Getty Images)FOM, de Bernie Ecclestone, e FIA, de Jean Todt, têm um voto cada na Comissão da F-1 (Foto: Getty Images)


Por fim, os promotores de GP também se manifestam no que consideram melhor para a F-1. Oito deles têm voto na Comissão de F-1: quatro da Europa e quatro de fora da Europa. Eles são indicados pela FOM, com quem mantêm seus contratos. O Brasil tradicionalmente faz parte dos encontros da Comissão de F-1, com o promotor da corrida de Interlagos, Tamas Rohonyi. O GloboEsporte.com tentou conversar com o húngaro naturalizado brasileiro, à frente do GP do Brasil desde 1980. Mas sua assessoria informou que a orientação da Comissão de F-1 é para não conceder entrevistas antes das reuniões. Sua posição, no entanto, não é nem um pouco difícil de conhecer. Ele é indicado pela FOM e, com certeza, seguirá o voto de Ecclestone, na maioria das vezes de interesse para a F-1, como a história do evento bem demonstra.
No total, portanto, 23 representantes votam na Comissão de F-1. A saber: 9 votos provenientes dos times, 1 da FOM, 1 da FIA, 2 dos patrocinadores, 2 dos fornecedores e de 8 promotores de GP dentre os 20 existentes hoje. Às vezes há pequenas alterações nesse colégio eleitoral.
Importante: para um projeto ser aprovado, é preciso ter 70% dos votos. Como na reunião de hoje, a princípio, haverá 23 votos, 70% representariam 16,1 votos. Arredondando para o próximo número inteiro, serão necessários 17 votos para a F-1 mudar bastante no ano que vem e um pouco mais em 2017.
Como parece haver quase um consenso de que esse deve ser o melhor caminho a ser seguido para a F-1 ganhar mais fãs e reconquistar os que perdeu, há uma tendência bem grande de a Comissão de F-1 ratificar a decisão do Grupo de Estratégia.
Depois, o pacote de revisão conceitual do espetáculo aprovado pela Comissão de F-1 terá de ser homologado na próxima reunião do Conselho Mundial da FIA, provavelmente no fim de março, também em Genebra. Em casos como o da agora esperada mudança das regras da F-1, a passagem do projeto pelo Conselho é quase uma formalidade, pois quem vota lá são o presidente da FIA, o presidente da secção de esportes da entidade, os sete vice-presidentes, 14 membros titulares e 4 por direito. Quase todos homens de confiança do presidente da FIA. E Todt já se manifestou publicamente a favor da revisão da F-1.

Quem paga a conta?
A aceitação política das mudanças, contudo, não as garante. Há um elemento nessa história tão decisivo quanto a necessidade de aproximar a F-1 do público: o custo de alterar o que está aí. A F-1 de 2014 e 2015 já exigiu investimentos expressivos, numa época da economia mundial que levou personagens do evento questionarem o momento da alteração.
Apenas cinco times teriam condições de passar ilesos por outra revolução radical como a estudada agora, logo em seguida à contundente introdução da tecnologia das unidades híbridas, em 2014: Mercedes, RBR, STR, Ferrari e McLaren. Até a Williams teria dificuldades financeiras para começar quase tudo do zero novamente, em tão pouco tempo.
Force India pega estrada para testes de Barcelona (Foto: Reprodução)Equipes em dificuldades financeiras como Force India poderão sofrer mais com novas mudanças (Foto: Reprodução)


Os demais, Force India, Lotus e Sauber, muito provavelmente não teriam como seguir adiante na F-1, ao menos em condições normais. Se já são devedores hoje, a ponto de a Force India não ter componentes para finalizar o carro deste ano, por falta de pagamento, como seria tendo de investir uma fortuna para projetar e construir algo completamente novo?
A introdução dos motores com 1.000 cavalos de potência implica rever o regulamento como um todo, notadamente o que rege a aerodinâmica. Potência sem controle é nada, diz o ditado da F-1.

Apenas aumentar a potência é perigoso
A última vez que a F-1 cortou uma série de recursos dos carros, em especial os controles eletrônicos, como a suspensão ativa, reduzindo a geração de pressão aerodinâmica sem diminuir, ao mesmo tempo, a potência, em 1994, o resultado foi trágico. As duas mortes no GP de San Marino naquela temporada, de Ayrton Senna e Roland Ratzenberger, podem e devem ser associadas a essa mudança.
Ayrton Senna momentos antes da largada do GP de San Marino de 1994: angústia e preocupação (Foto: Getty Images)Mudanças precipitadas custaram vidas de Senna e Ratzenberger em 1994 (Foto: Getty Images)


O novo projeto prevê aumento significativo da potência. As restrições existentes, este ano, para a geração de pressão aerodinâmica terão de ser bem menos severas em 2016. As necessidades de refrigeração desses motores são maiores, daí as tomadas de ar precisarem ser ampliadas. E isso muda tudo. Os ensinamentos aerodinâmicos do ano passado e os adquiridos nesta temporada servirão pouco para 2016.
O uso dos pneus largos, desde já apoiado pela Pirelli, da mesma forma significa reestudar o conjunto aerodinâmico, outra distribuição de peso, o desenho de suspensões, redimensionar os freios, enfim, os engenheiros terão imenso desafio e trabalho pela frente. Ao mesmo tempo em que se dedicam aos carros da temporada que sequer começou. E tudo isso custa muito dinheiro. Dinheiro que a F-1 não tem.
A torcida provavelmente vai adorar se esse for mesmo o rumo da F-1, carros rapidíssimos e cujo controle só será possível para bem menos pilotos do que hoje, ao menos no seu nível máximo. Mas, ao mesmo tempo, não adiantará nada a F-1 produzir esses monopostos fantásticos, mas apenas cinco equipes alinharem seus carros para disputar o campeonato.
É preciso pensar num espetáculo distinto, mais emocionante, como todos desejam, mas ao mesmo tempo na possibilidade de a maioria dos atores entrar em cena. Sem os coadjuvantes os protagonistas não conseguem realizar o show. O que mais se espera da Comissão de F-1, hoje, não é a aprovação do projeto de levar o torcedor a contar os dias que faltam para o próximo GP, mas principalmente como realizá-lo.
Será imprescindível a Comissão de F-1 criar mecanismos para Force India, Lotus e Sauber disporem de mais recursos financeiros a fim de disputar o campeonato que vai começar dia 15 de março, na Austrália, e ao mesmo tempo investir nos estudos e construção dos modelos de 2016, profundamente distintos dos atuais, novamente.

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