segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Sorrisos, traumas e curtição: conheça a próxima acumuladora de ouros

Com 1,45m de altura, americana é candidata ao posto de maior nome da Olimpíada do Rio de Janeiro, favorita para cinco ouros. Conheça a história da ginasta

Por Rio de Janeiro
treino, Estados Unidos, ginástica artística, feminino (Foto: André Durão)A sorridente Simone apontada como uma das melhores ginastas da história (Foto: André Durão)
Todos os olhos se voltam para Simone Bilesquando a americana aparece na Vila Olímpica. Fãs e curiosos querem ver de perto a garota que promete virar no Rio de Janeiro uma nova lenda olímpica. A ginasta de 19 anos encara com sorriso no rosto a expectativa de ser a próxima a entrar para um hall de astros multicampeões como Michael Phelps, Usain Bolt, Nadia Comanecci, Carl Lewis... Sorrir é o caminho da extrovertida baixinha de 1,45m para não perder a cabeça diante da pressão de ter que confirmar na Olimpíada o status de maior nome da história de seu esporte, favorita a cinco ouros. Já é a maior campeã mundial, com dez ouros garimpados em uma trajetória de quem voou alto sobre o abandono da mãe biológica e o preconceito por ser negra, de quem ganhou admiração por seus movimentos fantásticos, de quem fez do trabalho a diversão de uma adolescente.
- Acho que eu já nasci sorrindo, para ser sincera. Eu ainda acho tudo isso (de ser estrela) muito estranho e diferente. Acho que é legal, mas quanto mais as pessoas falam de você, maior é a expectativa delas sobre você, então você tem que bloquear isso um pouco. Às vezes penso: "Uau, Simone, tem muita expectativa sobre você". Mas é uma honra ter tanta gente que te admira. É uma bênção - contou a ginasta, ao GloboEsporte.com.
Simone Biles biogif 2 (Foto: Reprodução)
Talvez uma bênção divina explique o fenômeno Simone Biles. Baixinha, mas com musculatura potente, ela tem o biotipo ideal para a ginástica. O resultado? Voos mais altos, giros mais rápidos, aterrissagens precisas. Em um esporte com uma pontuação complicada e com espaço para a subjetividade, a superioridade da americana é visível até para quem nada entende de ginástica.
tabela estreias lendas olímpicas (Foto: Fonte: COI)
CONTRA A PRESSÃO, O SORRISO
Em três Mundiais, Simone foi a 14 pódios de 17 possíveis, sendo 10 vezes no topo. Aimee costuma dizer que Simone compete para ver os fãs felizes, mas está cada vez mais difícil satisfazê-los, sempre sedentos por novos recordes. No Mundial de Glasgow, em 2015, ela pela primeira vez sentiu o nervosismo de tantos pedidos pelo inédito tri do individual geral. Ela teve um grande desequilíbrio na trave durante a final, mas fez jus à grande expectativa. Para a Rio 2016, o cenário ganha novos contornos em sua mente. A pressão não é para ganhar ouros, e sim para não perdê-los. Algo que a ginasta tenta bloquear da cabeça.
Simone Biles ginástica artística (Foto: Getty Images)Simone Biles pode ser a maior campeã da Rio 2016 (Foto: Getty Images)
- A Aimee (Boorman, técnica) sempre bateu na tecla de que eu tinha que me divertir. Sempre nos preparamos meses antes das competições para sabermos exatamente o que fazer quando chegarmos lá. Mesmo que, no final, a nossa participação dure apenas uns quatro minutos, somando tudo. É uma preparação mental e física, porque, se você não estiver preparada fisicamente, você não vai dar conta mentalmente. As duas coisas andam juntas. Acho que você meio que tem que bloquear o fato de estar na Olimpíada. Foi o que me disse a Aly (Raisman, companheira de equipe): “É exatamente como os Campeonatos Mundiais, só que com um monte de símbolos olímpicos à sua volta. Então não olhe para eles”. Eu meio que penso que é um Mundial - contou Simone.
Em Mundiais, a ginasta sabe bem onde colocar seu corpo e sua cabeça. Os movimentos já estão afinados, perto da perfeição. A cabeça então se volta para a diversão. O sorriso largo da garota não é apenas um discurso. Houve um tempo em que ela focava bastante, repassava as séries várias vezes na cabeça, tanto que a cansava. Encontrou o caminho para dominar a modalidade e sua mente com uma receita simples: focar em não pensar em nada, só curtir o momento.
LADO ADOLESCENTE
Simone Biles ginástica artística (Foto: Getty Images)Simone só compete maquiada e com "olhos de gatinho" (Foto: Getty Images)
Simone se diverte com ouros no pescoço, mas também como um típica adolescente americana. Apesar de ter crescido sob os holofotes, leva uma vida comum, diz que adora fazer compras e passar o tempo com a família nas poucas horas em que não está no tablado, preparando-se para brilhar. A ginasta está sempre conectada à internet e adora postar fotos do seu dia-a-dia, principalmente selfies, seja treinando, em praias, com a irmã Adria ou declarando amor ao ator Zac Efron, ídolo entre as jovens dos Estados Unidos.
- Eu me descreveria provavelmente como extrovertida e energética. Fora do ginásio, me solto, faço minhas maluquices (risos). No ginásio, levamos tudo muito a sério, mas temos uma vida. Gosto de fazer compras, de sair com alguém, essas coisas. Eu gosto de ouvir música, de me maquiar, como todas as meninas. Eu adoro o meu delineador e o meu rímel. Dá para fazer aqueles olhos de gatinho.
Por causa da rotina de 32 horas de treino por semana, não tem muito tempo longe de casa, em Spring, Texas. Ela então se diverte na piscina e com seus quatro cachorros: Maggie, Alice, Lily e Bella.
SUPERANDO O ABANDONO
A família de Simone está sempre na arquibancada para apoiá-la. Mesmo em um ginásio cheio, é fácil identificar os gritos da caçula Adria: "Vai, Simone!" Os pais Ron e Nellie também acompanharam de perto todas as conquistas da ginasta nos Mundiais. Uma família unida e feliz. Algo que a americana nem sempre teve.
Ron Simone Biles (Foto: Reprodução/Instagram)Avó biológico, Ron se tornou pai para Adria e Simone (Foto: Reprodução/Instagram)
A garota tinha apenas três anos quando o serviço social americano a retirou junto com seus três irmãos da mãe Shanon, incapaz de cuidar das crianças por abusar das drogas. O avó Ron acolheu as duas caçulas e uma de suas irmãs os mais velhos. Nellie, segunda esposa de Ron, tomou as meninas como suas - o casal tem outros dois filhos - e elas fazem questão de chamar os dois de pais.
- Nunca foi um problema, porque eu era muito jovem. As pessoas pedem para eu contar a história, mas eu era muito jovem para lembrar qualquer coisa - contou a ginasta.
A família raramente fala sobre o assunto. Simone fala com Shanon por telefone esporadicamente, mas ainda há feridas que o tempo não cicatrizou. Em 2013, em uma de suas primeiras competições como adulta, a mãe biológica foi à  arquibancada a convite de Nellie. Simone caiu e quase não foi convocada para seu primeiro Mundial. Três meses depois ganhou o mundo. A ginasta tem mais dois irmãos mais novos, mas não os conhece pessoalmente. Um encontro que não tem data para acontecer. Nem Shanon nem Simone querem qualquer tipo de drama às vésperas da Rio 2016.
Ron, Nelli e Adria torcem por Simone Biles em Nanning (Foto: Marcos Guerra)Ron, Nellie e Adria torcem por Simone Biles em Nanning (Foto: Marcos Guerra)
PRIMEIROS VOOS
Nos braços de Ron e Nellie, a pequena Simone encontrou um lar feliz, encontrou confiança e solo firme para alçar voos altos e aterrissar com perfeição. Foi em uma clínica de ginástica que a garota conheceu o esporte aos 6 anos. O talento de cara chamou a atenção.
Simone Biles Mundial de Ginástica Bélgica  (Foto: Agência EFE)Ainda com aparelho nos dentes, Simone conquistou seu primeiro título mundial (Foto: EFE)
- Eu tinha seis anos. Foi o que me contaram, porque eu não lembro. Eu estava imitando as meninas do ginásio de trás, que eram as meninas mais velhas. Aí a mãe da minha treinadora me viu. Elas escreveram uma carta para minha mãe. E foi assim que tudo começou.
Na época, Simone ainda não era apontada como a melhor da história, demorou para seu potencial aparecer. O ponto de virada foi 2012, seu último ano como juvenil. Sob lágrimas por deixar as amigas do colégio, ela contou a Nellie que passaria a estudar em casa para poder dedicar mais tempo ao treino. O sacrifício de deixar a escola lhe deu frutos. Em seu primeiro ano como adulta, já chamou a atenção da técnica Marta Karoly, chefe do time americano. De lá para cá, se tornou tricampeã mundial do individual geral, tri do solo, bi da trave e bi por equipes.
- Nunca em um milhão de anos pensei em chegar tão longe assim. Um dos meus sonhos era apenas ser uma ginasta universitária, e depois acabei na elite mundial. Foi incrível. Suceder Gabby (Douglas, atual campeã olímpica) com as vitórias no Mundial foi surpreendente. Nunca pensei que chegaria tão longe.
VENCENDO O PRECONCEITO
O sucesso de Simone foi grande desde seu primeiro Mundial. O futuro brilhante nem foi ofuscado por uma polêmica declaração da italiana Carlotta Ferlito. Depois da competição, a ginasta falou que pintaria a pele para ser negra na competição seguinte e assim ter chance de ser campeã - no ano anterior, Gabby havia se tornado a primeira negra a conquistar o título olímpico do individual geral.
Simone Biles ginástica artística (Foto: Getty Images)Simone superou o preconceito (Foto: Getty Images)
A americana se chateou, mesmo com o pedido de desculpas dos italianos, mas colocou o caso de racismo no passado. Enquanto a italiana ficou um ano afastada, Simone voltou a se divertir, o que para ela significa colecionar ouros e recordes em Mundiais. A ginasta, que sempre afirma ter tido o mesmo tratamento de uma branca no ginásio, se aproximou cada vez mais da perfeição.
- Eu ainda tenho muitas falhas, dentro e fora do ginásio, então eu nunca me considero perfeita. Às vezes você diz: "Nossa, essa foi quase!" Acho que o mais perto que podemos chegar da perfeição é aquele: "Isso foi incrível!" Mas nunca perfeito.
O código de pontuação atual não permite mais o perfeito 10 que consagrou a romena Nadia Comanecci em 1976, mas permite que Simone se divirta como mais gosto: voando alto em movimentos impressionantes. No Rio, tem tudo para virar o maior nome da Olimpíada. Tem tudo para continuar sorrindo.

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