terça-feira, 26 de novembro de 2013

Brasil Afora: a outra final em Curitiba, com organizada, pressão e até tiro

Três dias depois da decisão da Copa do Brasil, várzea da capital paranaense ferve com outra final, em jogo com ex-atleta famoso, Rogério Ceni genérico e rivalidade

Por Curitiba
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Grudada no alambrado, a torcida organizada entoa cânticos. Policiais estão espalhados por ali. Jornalistas narram o desenvolvimento do jogo, que tem pressão sobre a arbitragem e acusações de favorecimento. A tensão é visível – afinal, trata-se de uma decisão em Curitiba.

Da Copa do Brasil? Que nada: do Campeonato Suburbano.
Times do Trieste e de Santa Quitéria (Foto: Alexandre Alliatti)Em tempos de final de Copa do Brasil, times amadores também fazem decisão em Curitiba (Foto: Alexandre Alliatti)
Três dias depois do primeiro jogo da final do torneio nacional, entre Atlético-PR e Flamengo, a cidade também ferve com outro jogo. Curitiba é uma das capitais brasileiras de maior tradição na várzea. Ali, se estabelece a ideia literal de bairrismo – os times sendo usados como representantes dos bairros. Assim, criam-se rivalidades tão grandes quanto no futebol profissional – por vezes até mais. Uma delas envolve os dois finalistas de 2013: o Trieste, do bairro Santa Felicidade, de tradição italiana, e o Santa Quitéria, de região de mesmo nome, ainda mais suburbana, agora em desenvolvimento após tempos de bastante pobreza. As duas equipes já fizeram a final em 1974, 1975 e 2010, com dois títulos para Santa Quitéria e um para Trieste (1975). E agora se reencontram em jogo com Rogério Ceni genérico, ex-jogador famoso e até tiro.

Talibans no Trieste Stadium

Torcida organizada do Santa Quitéria (Foto: Alexandre Alliatti)Torcida organizada do Santa Quitéria fica atrás do
gol, de pé (Foto: Alexandre Alliatti)
O nome pomposo não combina com a várzea: Trieste Stadium – ou Estádio Francisco Muraro. Ali joga um dos clubes mais tradicionais do futebol amador curitibano, campeão até fora das fronteiras estaduais – em 2007, ganhou o Sul-Brasileiro. É uma equipe nascida em 1937, formada por italianos que tomaram conta do bairro de Santa Felicidade, zona bonita, de ruas de paralelepípedos, repleta de cantinas fixadas em casas coloniais onde famílias vão almoçar no fim de semana. O estádio tem cadeiras em uma de suas laterais e até sala de troféus. Foi ali que cerca de mil pessoas assistiram ao primeiro jogo da final no sábado.

Parte delas, visitantes. Minutos antes de o jogo começar, dado o pouco número de torcedores do Santa Quitéria, um adepto do Trieste, nariz colado ao alambrado, falou ao amigo:

- Daqui a pouco chegam os talibans.

É o nome da torcida organizada do Santa Quitéria, outro gigante da várzea, fundado em 1974 como fusão de outros dois clubes amadores, o Vila Inah e o Ipê. De pé, atrás do gol, os torcedores visitantes espicharam uma faixa, xingaram o goleiro adversário e passaram a cantar músicas que torcidas de clubes profissionais brasileiros também cantam nos principais estádios do país: uma versão de “Anna Júlia”, do Los Hermanos, como faz a do Vasco; outra de “Meu sangue ferve por você”, de Sidney Magal, como faz a do Botafogo; além de ritmos oriundos de torcidas do Grêmio e do Atlético-PR.
Fernando Miguel (Foto: Alexandre Alliatti)Fernando Miguel, ex-jogador de clubes como Inter e Paraná, agora joga na várzea (Foto: Alexandre Alliatti)


Jonas, goleiro do Santa Quitéria (Foto: Alexandre Alliatti)Jonas, do Santa Quitéria, parte para cobrança de falta: o Ceni da várzea (Foto: Alexandre Alliatti)
Em campo, figuras conhecidas no futebol paranaense e até brasileiro. O Trieste tem Fernando Miguel, volante formado no Paraná Clube e com passagens por clubes como Inter, Cruzeiro e Bahia. Aos 34 anos, ele deixou o futebol profissional no ano passado. Joga ao lado de outros dois ex-paranistas: Alisson, lateral-direito, e Cesar Romero, lateral-esquerdo. O time também tem Marquinhos, de longas passagens pelo Cianorte, e Pequi, ex-Paranavaí. No outro lado, Flamarion, de passagens por Portugal e Omã, e Ednaldo, ex-Malutrom.

E Jonas, o Rogério Ceni da várzea. O goleiro do Santa Quitéria jamais foi profissional. Firmou nome no amador. E começou a se destacar por bater faltas. Só no Campeonato Suburbano, já marcou oito vezes – além de várias outras em competições paralelas. Na final deste sábado, teve duas chances. Ambas quase entraram.
Mosaico Várzea - a final do Campeonato Suburbano (Foto: Alexandre Alliatti)Estádio do Trieste é arrumado, embora campo seja esburacado (Foto: Alexandre Alliatti)



O jogo

Antes de a partida começar, com os times ainda aquecendo, o locutor do estádio, de microfone em punho, destaca a presença do padre do bairro no estádio. E cita alguns restaurantes que apoiam o grande evento da tarde fria de sábado em Santa Felicidade. Os dois times ficam perfilados para o hino estadual. Os jogadores do Trieste seguram a bandeira do clube, com as mesmas cores da Itália. Jornalistas circulam pelo gramado. Rádios transmitem a partida ao vivo, e uma equipe de TV prepara reportagens. Há jornais específicos sobre o futebol da várzea.

O gramado não é bom, mas já houve piores mesmo na Série A do Brasileirão. A torcida do Trieste se concentra na parte central, a maioria sentada. Os visitantes ficam de pé atrás do gol. E comemoram primeiro. Djonatan faz 1 a 0 logo no começo da partida. O Trieste parece perdido. Demora a se encontrar em campo. Mas vai melhorando com o tempo e empata ainda na etapa inicial, com Danilo, um meia clássico, de passada lenta e lançamentos em profundidade.
Mosaico Várzea - a final do Campeonato Suburbano 2 (Foto: Alexandre Alliatti)Arbitragem sofre com pressão dos jogadores na final da várzea (Foto: Alexandre Alliatti)


Vem o segundo tempo, e aí o jogo esquenta. Cristiano, do Santa Quitéria, diz que levou uma cotovelada de Muriel, zagueiro do Trieste. A arbitragem nada marca. Os jogadores partem para cima do juiz, Lucas Torezin. Cristiano prefere pressionar o bandeira.

- Foi na tua frente! Ele botou a mão na minha cara! – reclama.

A dois metros dali, um torcedor de uns 60 anos, claramente de ascendência italiana (logo, torcedor do Trieste), resolve participar da conversa:

- Cala tua boca, ô, careca. Tá pensando o quê?

O careca, no caso, é Cristiano.

Segue o jogo, e o Trieste cresce. Pequi logo faz o segundo gol. E Marquinhos marca o terceiro, uma pancada em diagonal que explode no travessão e entra. A festa é dos mandantes. A irritação é dos visitantes.

- Eu não quero uma arbitragem que nos beneficie. Quero uma que seja igual para os dois lados. Teve aquela cotovelada. Ele não expulsou por quê? Só porque é do Trieste? – reclamou o técnico Luisinho, do Santa Quitéria, que minutos depois deixaria o estádio caminhando com o quadro-negro que usa nas preleções embaixo do braço.
Luisinho, treinador do Santa Quitéria (Foto: Alexandre Alliatti)Técnico do Santa Quitéria vai embora carregando o quadro-negro após derrota (Foto: Alexandre Alliatti)



Rivalidade, confusão e até tiro


Fernando Miguel encerrou a carreira em dezembro, aos 34 anos. Na várzea, encontrou uma forma de amenizar as dores que o fim de um ciclo causa. O mesmo fizeram outros jogadores conhecidos no Paraná – caso do lateral-direito Luisinho Neto, do zagueiro Rogério Corrêa e até do meia Adriano Gabiru, autor do gol do título mundial do Inter, sete anos atrás, contra o Barcelona, que já passou pelo Combate Barreirinha e agora está no Nova Esperança.

É um momento de passagem que costuma apresentar uma nova realidade aos atletas. Fernando Miguel sentiu isso na pele. Tem dificuldades para dar continuidade às jogadas – as movimentações organizadas não fluem como nos profissionais. E tenta se acostumar a um novo clima, às vezes mais bélico. Justamente em jogo contra o Santa Quitéria, ele viu o ônibus do Trieste ser cercado e atingido com rojões.

- O término da carreira é um momento muito difícil. Eu procurei dar uma continuidade para manter um contato e ainda estou tentando me adaptar. Mas é uma experiência bastante diferente. Aqui é bem mais pegado. O pessoal chega junto. Sem contar a arbitragem. Se no profissional é complicado, imagina no amador. Fora de campo, tivemos uma experiência bastante desagradável. Estávamos chegando no estádio, e a torcida deles soltou rojões dentro do nosso ônibus. Nosso goleiro deu uma bobeada e foi derrubado no chão. Deram umas bicudas nele. Foi uma situação bem desagradável. É uma experiência nova – diz o volante.

O primeiro jogo da final ocorreu sem maiores problemas até o apito final. Depois, porém, houve confusão entre torcedores do Santa Quitéria e a polícia. Uma mulher foi atingida na perna por um tiro de borracha. Acabou levada ao hospital, de onde os policiais pretendiam encaminhá-la para a delegacia, acusada de desacato.

O Santa Quitéria não poderá mandar em seu estádio, o Maurício Fruet, o segundo jogo da final do Campeonato Suburbano. O clube foi punido com a perda de um mando de campo por causa do arremesso de uma lata no gramado. O jogo está marcado para o estádio do Novo Mundo, mas a diretoria tenta mudar a decisão do TJD paranaense.

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