terça-feira, 26 de novembro de 2013

Os causos de Lolô: jogador mudou escudo do Atlético por causa do Fla

Campeão em 45 redesenhou símbolo porque o achava parecido com o do Flamengo. Rebeldia rubro-negra o livrou da prisão três vezes, e ele projetou estádio para o rival

Por Curitiba
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Lolô Cornelsen carrega mil e um causos para contar em 91 anos de memória rubro-negra. É o homem que redesenhou o escudo do Atlético-PR porque o achava muito parecido com o do Flamengo - mas também torcia pelo Flamengo, a ponto de deixar uma pequena homenagem ao clube carioca no símbolo. Era de família coxa-branca até a alma - mas foi tricampeão com o Furacão. Foi salvo da cadeia por ser atleticano três vezes - mas projetou um estádio para seu maior rival, o Coritiba. Ajudou o clube do coração a montar o patrimônio que tem hoje – mas foi ignorado no processo de construção de seu maior bem, a Arena da Baixada.

Ex-jogador de futebol e basquete, ex-corredor, ex-pintor, ex-brigão, engenheiro e arquiteto de renome, Lolô é uma daquelas personagens raras, que sempre embute um “mas” em suas histórias para deixá-las mais inusitadas. E que agora vê, pela televisão, seu primeiro time decidir com seu segundo time o título da Copa do Brasil – enquanto volta no tempo e se imagina ali, disputando um jogo desse tamanho. Afinal:

- Eu fazia de tudo em campo. Não deixava ninguém vencer. E daria tudo para ter aquele tempo de volta, para começar tudo de novo.
Lolô Cornelsen, ex-jogador do Atlético-PR (Foto: Alexandre Alliatti)Lolô Cornelsen com suas faixas e medalhas dos tempos de atleta: mil e um causos para contar (Foto: Alexandre Alliatti)


É um tempo distante, que remete aos anos 40. Foi lá que Ayrton Cornelsen se formou como homem e atleta multifacetado. Foi lá que conheceu Cleuza, a mulher com quem divide suas peripécias há quase 70 anos. E foi lá que decidiu abandonar o Coritiba e virar Atlético-PR, contrariando a tradição da família, em uma história de socos e risadas – mais uma contraposição tão típica dele.

A surra no major Couto Pereira

Havia três irmãos: Alcyr, Aryon e Ayrton, o Lolô, todos atletas do Coritiba. O trio jogava, e chamava a atenção, no time aspirante coxa-branca. Mas houve um desentendimento, e dois deles saíram – Aryon, que mais tarde presidiria o clube alviverde, e Lolô. Eles foram para o Juventus, outro clube forte nos anos 40, e depois Lolô rumou para o Atlético-PR.
Irmãos Cornelsen pelo Coritiba (Foto: Arquivo)Os irmãos Cornelsen nos tempos de Coritiba; Lolô é o da direita (Foto: Arquivo)


Era noite de baile no Coritiba no início da década. O clube inaugurava uma nova sede, e o evento mexeu com a cidade. A noiva de Aryon estava lá, e ele, claro, quis encontrá-la. Lolô, estudando, preferiu ficar em casa. Ao chegar ao clube, porém, o ex-atleta do Coxa foi impedido de entrar. Na porta, estava o major Couto Pereira, presidente do clube repetidas vezes e homem cujo nome viraria estádio anos depois.

- Jogador do Juventus não entra aqui – disse Couto Pereira.
Lolô Cornelsen, ex-jogador do Atlético-PR (Foto: Arquivo)Lolô nos tempos de Atlético-PR em foto colorida
posteriormente (Foto: Arquivo)
Aryon ficou arrasado. Voltou para casa e contou para o irmão. Lolô, explosivo, largou os livros, montou numa bicicleta e partiu na direção da sede alviverde. Lá, encontrou Couto Pereira.

- Dei uma surra nele. Enchi de porrada. Fiquei louco. E acabei preso – conta Lolô, cujo apelido inicial era "Loloco", graças a suas loucuras.

O ex-jogador passou uma noite atrás das grades. Só não ficou mais porque o delegado era atleticano.

- O delegado era o Pinheiro Júnior, um atleticano roxo. Telefonaram e disseram que eu estava preso, daí ele foi lá me tirar. Mas passei a noite lá. Por causa disso, não quis mais saber do Coritiba.

A briga consolidou a distância de Lolô com o Coritiba e sua proximidade com o Atlético. E isso faria com que o escudo do Furacão (que na época sequer tinha esse apelido) nunca mais fosse o mesmo.

O novo símbolo

Lolô Cornelsen foi tricampeão com o Atlético-PR – amador em 43 e 44 e com o time principal em 45. Era lateral-esquerdo do tipo combativo. E brigão. Era comum abandonar gramados, desafiar adversários, se meter em confusões. Chegou a ser suspenso por um mês. Mas ganhou a posteridade mais por seu talento manual do que por seus feitos com chuteiras – apesar do grande título de 45.

É que Lolô já tinha traços da habilidade que marcaria sua vida de engenheiro e arquiteto de renome mundial. Ele olhava desconfiado para o escudo que enfeitava a camisa que vestia no Atlético-PR. Achava que era muito careta. E pior: parecidíssimo com o do Flamengo. Resolveu mexer nele. Em vez de triangular, com listras horizontais e um CAP (de Clube Atlético Paranaense) no lado superior, desenhou letras mais estilizadas, mais grossas, e manteve o  entrelaçar delas. Gostou. Todos gostaram. Nascia ali a base do escudo que é usado até hoje. Mas tem um detalhe nessa história.

Naqueles tempos, Lolô já tinha simpatia também pelo Flamengo – carinho que aumentaria na década seguinte, quando foi morar no Rio de Janeiro. Aí ele deixou uma pequena homenagem ao clube carioca. A forma como as letras se abraçam remete justamente ao escudo do Fla. E ele fez questão de manter isso.
time Atlético-PR anos 40 arquivo (Foto: Arquivo)Fotos dos anos 40 mostra jogadores de linha com o novo escudo e goleiro com o antigo (Foto: Arquivo)
- O clube tinha um escudo igualzinho ao do Flamengo. Era igualzinho. E eu também era flamenguista. Mas aquilo confundia muito. Aí desenhei um CAP com as letras parecidas com as do Flamengo, mas com um escudo redondo, porque não encaixava aquele CAP num escudo igual ao do Flamengo. Fiz redondo, e segue até hoje – recorda.

Inicialmente, o símbolo era cru, apenas com o CAP estilizado, sem o círculo, o contorno, as listras e os dizeres que tem hoje – foi sendo modificado ao longo do tempo. Era o próprio Lolô quem bordava o distintivo nas camisas. Em fotos de equipes da primeira metade dos anos 40, é possível ver os jogadores de linha com o símbolo novo, mas o goleiro com o antigo, em um registro da passagem de um escudo para outro. O curioso é que a imprensa da época costumava mostrar as letras com um desenho diferente, mais quadrado, porque a tipografia daqueles tempos não permitia a cópia do estilo barroco do CAP bordado nas camisas.

Salvo pelo Atlético, mas estádio para o Coritiba

O futebol não era a vida de Lolô quando jovem. Ele era um atleta múltiplo, e sua preferência era pelo basquete. Mas também jogava vôlei e praticava atletismo – 110m com barreiras, principalmente. Em casa, tem uma coleção de medalhas daquela época, boa parte delas conquistada pelo Atlético. Eram outros tempos. O futebol não era exatamente uma carreira. E os atletas acabavam migrando para profissões mais tradicionais.

Foi o caso de Lolô, que mergulhou na engenharia. Para se graduar, porém, houve um empecilho. Um empecilho coxa-branca. E nova briga. E nova escapada por ser rubro-negro.

- Era o quinto ano de Engenharia. Na última prova, de organização de indústrias, que não tem nada a ver com o curso, o diretor da escola, que era coxa-branca e não me suportava por eu ser do Atlético, aplicou um exame oral. Ele me perguntou um troço de partículas dobradas. Eu me enrolei todo e pedi pra ele mudar. Aí ele fez outra pergunta com a mesma coisa. E disse: “Você não está em condições de ser engenheiro”. E me deu zero. Peguei e dei uma surra nele na aula mesmo. Para não ser expulso, o reitor me mandou ir embora de lá o quanto antes para eu não ser preso. Ele era atleticano...
time Atlético-PR 1945 (Foto: Alexandre Alliatti)O Atlético-PR campeão em 1945: Lolô é o antepenúltimo, de cabeça baixa (Foto: Alexandre Alliatti)


Não tinha como Lolô voltar para o curso em Curitiba. Acabou dando no pé. Foi para o Rio de Janeiro, onde se formou em engenharia e aproveitou para, com mais algumas disciplinas, também conquistar o diploma de arquiteto. Virou uma referência internacional na área. E ganhou fama especialmente com projetos ligados ao esporte: estádios e autódromos. Incluindo a casa do Coritiba, que depois seria batizada de... Couto Pereira, o sujeito em quem ele batera anos antes.

Explica-se: aquele irmão de Lolô proibido de entrar na festa por Couto Pereira, Aryon Cornelsen, virou presidente do Coritiba. E resolveu reformar o estádio Belfort Duarte – que só mudaria de nome em 1977. Para isso, chamou Lolô. O arquiteto e engenheiro elaborou um plano revolucionário: um estádio que tivesse acoplado um shopping e cuja distribuição de arquibancadas e cobertura acompanhasse a presença habitual do público: maior na parte central e diminuindo até chegar ao fim do campo, como a torcida costuma se posicionar nos jogos. Isso foi em 1956. A ideia de centros comerciais em estádios é vista hoje como algo a ser explorado. Mas aquele projeto praticamente não foi usado. Mudou a diretoria, e o novo estádio ficou a cargo dos irmãos Mauad.

- Meu irmão não chegou a terminar o estádio, e aí engataram aquele troço. Ficou horroroso. Cabe menos gente, e não fizeram o shopping – critica Lolô.
estádio Atlético-PR 1945 (Foto: Arquivo)Projeto para o Couto Pereira, que Lolô guarda ainda hoje, incluía shopping center (Foto: Arquivo)


Ele acabou participando dos projetos de outros estádios, entre eles o Pinheirão, em Curitiba, e o de Paranavaí. Internacionalmente, ficou famoso pela construção do autódromo de Estoril, em Portugal, e de Luanda, em Angola – onde inventou, involuntariamente, a caixa de brita, já que o governo o pressionou a liberar a pista às pressas, e ele precisou criar um recurso que desse segurança aos pilotos. Fez também o autódromo de Curitiba. Elaborou dezenas de hotéis. Boa parte de sua trajetória foi em Portugal e na África.

E porque ele não podia ficar no Brasil. Era comunista. Quando explodiu o golpe militar, em 1964, teve que deixar o país. Foi avisado por um coronel de que os ditadores estavam de olho nele. O coronel simpatizava com ele. Era atleticano...


Atlético-PR: contribuição, carinho e mágoa

Lolô Cornelsen, ex-jogador do Atlético-PR (Foto: Alexandre Alliatti)Lolô Cornelsen segue torcedor do Atlético-PR, mas tem uma mágoa (Foto: Alexandre Alliatti)
Lolô Cornelsen se considera figura central no processo de estruturação do Atlético-PR, que resultou no título brasileiro de 2001, no vice da Libertadores de 2005 e na final da Copa do Brasil de 2013. A família dele tinha um terreno herdado pelos três irmãos Cornelsen, um espaço ideal para montar um forte complexo esportivo – uma espécie de vila olímpica. Como dois dos três proprietários eram ligados ao Coritiba, a ideia foi inicialmente proposta ao clube alviverde. O local se chamou PAVOC (Parque Aquático Vila Olímpica Cornelsen).

A proposta feita ao Coritiba era uma parceria que, em tese, seria boa para os dois lados. Os 50 mil primeiros títulos patrimoniais seriam da família (de Aryon, na prática), e em troca o Coxa ganharia o terreno, a estrutura e os sócios. Não houve acerto. E o plano, graças à presença e à pressão de Lolô, foi repassado ao Atlético-PR. Aí ocorreu o acerto. Mas a área ficou subaproveitada durante anos.

Até que Mário Celso Petraglia, em 1996, conseguiu um acordo com o governo do Estado. E aí fez dinheiro – muito usado para construir a base que o clube tem hoje, a Arena da Baixada e o CT do Caju. Os resultados mais expressivos em campo aconteceram depois de toda essa movimentação.

- O clube pegou aquele patrimônio, com 5 mil sócios, e virou tudo que o Atlético tem hoje, porque vendeu aquilo pro estado. Com o dinheiro, fez o CT do Caju – diz Lolô.

Seria natural que o braço rubro-negro da família Cornelsen, até por ter um conhecimento mundialmente raro no assunto, fosse chamado para participar do projeto de construção da Arena. Não aconteceu. E essa é uma mágoa que Lolô carrega até hoje.

- Nem me convidaram para analisar o projeto. Eu fui jogador, sei tudo sobre um estádio, o que é bom e o que não é...

Mas isso não abafa o carinho que ele tem pelo Atlético. Na última quarta-feira, assistiu com familiares, pela televisão, à final da Copa do Brasil. Guarda com carinho as faixas das conquistas pelo clube. E tem três cadeiras na Arena da Baixada. Os números delas: 43, 44 e 45 – os anos em que foi campeão com a camisa rubro-negra.

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