terça-feira, 10 de março de 2015

Família de Rafael dos Anjos é fã e testemunha do sacrifício do lutador

Avó, mãe, irmão e primo narram a trajetória do peso-leve, que batalhou e superou adversidades até chegar à disputa do título dos leves do UFC no próximo sábado

Por Niterói, RJ
A rotina dos moradores é de aparente normalidade na Rua Magnólia Brasil, no Fonseca, bairro de baixa renda em Niterói. Em uma casa simples - cuja fachada tem pintura apenas no primeiro andar - o cotidiano mudou. O tempo demora a passar, o próximo sábado parece distante. A residência em questão é onde morou Rafael dos Anjos, peso-leve do Ultimate, que disputará o cinturão no próximo sábado, pelo UFC 185, em Dallas, nos Estados Unidos. Na casa, no entanto, mãe, irmão, primo e avó aguardam a hora de vê-lo lutar pelo título. Ele é o herói dos parentes e até mesmo dos vizinhos, que o viram crescer, bem antes dos primeiros socos e chutes.
família e da casa de Rafael dos Anjos (Foto: Raphael Marinho)Daniel, irmão de Rafael dos Anjos, segura o cinturão ao lado de Rosane, mãe do atleta, da avó Judith e do primo Rodrigo, quarteto que acompanha de perto os passos do peso-leve brasileiro (Foto: Raphael Marinho)

A reportagem do Combate.com cruzou a Ponte Rio-Niterói para contar a história de Rafael dos Anjos por quem o conhece na intimidade, longe do glamour do Ultimate. Na sala, as fotos que repousam sobre o móvel servem para matar a saudade de quem, atualmente, vive nos Estados Unidos. O cinturão do Fury, conquistado em 2008, está no alto da estante, enquanto acima da mesa da sala, troféus da época dos campeonatos de jiu-jítsu ficam à mostra.
- Ele faltava aula e ia escondido para o jiu-jítsu - denuncia a avó de Rafael, Judith de Souza, de 87 anos. 
Ex-diarista e, atualmente, dona de casa, Rosane dos Anjos, mãe do lutador, recorda que a arte suave cativou rapidamente o filho, e ajudou a mantê-lo longe das más companhias.
Nem sempre eu tinha dinheiro de passagem, e mesmo assim o Rafael dava um jeito de treinar. Pegava a roupa e saía sozinho. Ele não tinha limites. Se não havia ônibus, ia a pé
Rosane dos Anjos
- Ele foi criado com os filhos do Orlando Barradas, e na casa deles tinha um tatame enorme, e ele começou a gostar. Nem sempre eu tinha dinheiro de passagem, e mesmo assim o Rafael dava um jeito de treinar. Pegava a roupa e saía sozinho. Ele não tinha limites. Se não havia ônibus, ia a pé. Ele foi pegando o gosto e ganhando. Eu comecei a ver que no jiu-jítsu ele não podia beber. Temos aquela preocupação de mãe que tem filho adolescente, que gostava de sair com os colegas, então tinha essa preocupação de ele se envolver com coisa errada. Eu via que ele não podia beber e que respeitava isso. 
A mãe afirma que Rafael sempre foi bagunceiro - e todos da família se apressam em concordar, especialmente o irmão mais velho, Daniel. A disciplina para treinar, no entanto, era impecável, o que é consenso também. 
- Isso era interessante, porque ele era descuidado, mas não com os treinamentos. Se tivesse treino de manhã, à tarde e à noite, ele ia nos três. Quando o treino era meio-dia, ele dormia até mais tarde, e a avó falava: "Acorda esse menino para trabalhar. É meio-dia! Esse garoto não vai dar em nada". Eu nem precisava acordar, ele levantava sozinho e saía para a academia. 
Mosaico - Rafael dos Anjos história (Foto: Arquivo Pessoal)


Nos tatames, quem testemunhou a evolução de Rafael, desde o início, foi seu primo Rodrigo de Souza, também praticante da modalidade. A dupla protagonizou histórias que faziam questão de esconder da família, como a que Rafael dos Anjos nocauteou mestre e aluno.
- Ele já mostrava talento desde a época com o Barradas. Uma vez, chegou um professor de capoeira com seu aluno na academia. O Rafael era magrinho, devia ter uns 15 anos, mas estava com certa fama na equipe pelo talento e pelo sangue nos olhos. O cara foi para treinar, só valia tapa. O professor de capoeira deu um chute na perna dele, mas levou um tapa na cara e caiu sentado, sem saber onde estava. Ali o Rafael disparou, virou o rei na academia (risos). E o cara era grandão, fortão. O Rafael sempre teve a mão pesada, era troncudo - diverte-se Rodrigo.
Rafael dos Anjos lutador (Foto: Arquivo Pessoal)Lutador morou com o pai em Belo Horizonte (Foto: Arquivo Pessoal)
Acostumados a conviver com Rafael - e sua desorganização rotineira -, a família viu o lutador sair do Fonseca rumo a Belo Horizonte, onde o pai morava. A saudade era grande. Continua sendo, na realidade, como corrige a avó.
- Eu boto no Combate o dia todo. Eu liguei para ele semana passada e falei: "Eu vejo você todo dia, morro de saudade. Liguei só para escutar a sua voz" - conta, enxugando os olhos, sem disfarçar a emoção. 
O jiu-jítsu já havia se consolidado na vida de Rafael dos Anjos. De Belo Horizonte, passou pela Alemanha, em 2006, país onde viveu momentos turbulentos. A fratura do maxilar sofrida na luta contra Clay Guida, quatro anos mais tarde, foi o menor de seus problemas como lutador.
- O meu neto falou assim: "Vó, eu passei um perrengue lá na Alemanha. Dormi no chão do banheiro". Ele é um batalhador, um guerreiro - recorda dona Judith, endossada por Rosane.
- Ele não teve ajuda financeira nossa, porque não tínhamos. Foi esforço dele mesmo. A história dele não foi fácil, não. No Brasil o apoio aos atletas é zero. 
Eu não sabia de nada. Na primeira luta dele em BH, eu nem sabia que ele estava nesse esporte. Quando vi as fotos, fiquei horrorizada. Ele perdeu, se machucou muito
Rosane dos Anjos
Da arte suave, Rafael dos Anjos começou a fazer a transição para o MMA - à época chamado de Vale-Tudo. Somente a partir da quarta luta é que a mãe soube da nova - e agressiva -, empreitada.
- Eu não sabia de nada. Na primeira luta dele em BH, eu nem sabia que ele estava nesse esporte. Quando vi as fotos, fiquei horrorizada. Ele perdeu, se machucou muito. Acredito que nenhuma mãe queira um esporte desse para o filho, pois é violento. Tem luta que nem tenho vontade de ver. Eu peço a Deus para que seja uma luta rápida, para acabar logo, e ele finalizar, porque não queremos que nem ele e nem o oponente dele se machuque. Mas ele escolheu essa profissão, então apoiamos e torcemos por ele.
Quando Rafael dos Anjos vai lutar a tensão toma conta da família. A mãe de Rodrigo - tia do peso-leve do UFC -, sequer consegue vê-lo em ação. A avó também optava por não assistir, mas mudou de ideia.
Rafael dos Anjos lutador (Foto: Arquivo Pessoal)Lutador brasileiro trocou o quimono e passou a usar luvas para lutar MMA (Foto: Arquivo Pessoal)
- Eu falava que não aguentava ver, só fazia minhas orações. Depois, pensei: "É um desaforo fazer oração e não ver a luta. Vou ver, sim" - comenta Judith, que, assim como todos os demais, almejam sempre um duelo rápido.
- Eu até passei a gostar desse tal de Ben Henderson (risos) - explica a avó, citando o penúltimo adversário de Rafael, nocauteado em apenas 2min31s.
Depois de deixar o Fonseca, Rafael dos Anjos chegou a voltar a morar no Rio de Janeiro. Instalou-se na Barra da Tijuca, onde treinava com seu mestre Roberto Gordo, que o acompanha até hoje. O menino de Niterói havia crescido - embora conservasse a simplicidade e o coração grande. Em janeiro de 2012, veio a mudança definitiva: foi morar na Califórnia, Estados Unidos. Lá, tornou-se completo como lutador, o que é notório até para seu irmão Daniel dos Anjos, que não tem envolvimento com o MMA.
Rafael dos Anjos e família (Foto: reprodução/Instagram)Rafael dos Anjos se diverte com a esposa e os filhos (Foto: reprodução/Instagram)
- A desenvoltura dele mudou da água para o vinho lá. Ele era um atleta aqui e, quando foi para os Estados Unidos, virou outro. O desempenho dele mudou muito. Agora ele engloba todas as artes.
Rafael dos Anjos casou-se com Cristiane dos Anjos e tem dois filhos: Gustavo e Rafael. É atleta do UFC, tem capacidade de oferecer aos filhos uma vida mais confortável do que a que teve e jamais ficou tão perto do ápice de sua carreira. Judith, Rosane, Daniel e Rodrigo estarão juntos outra vez - ainda que distantes - na torcida por um cinturão que também tem o dedo deles.
- O Rafael dá atenção para todo mundo. Ele faz o que puder para te agradar. Não se apega a nada material. Tem um coração muito bom. As pessoas gostam dele não só pelo talento, mas pela pessoa que ele é. É um cara puro que, quando você fica perto, não tem vontade de sair, porque passa uma energia boa. É querido por vários motivos. Na verdade ele é um pai, filho, marido, o cara é bom em tudo - afirma Rodrigo que, bem como todos no Fonseca, é fã de Rafael dos Anjos.

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