quinta-feira, 6 de agosto de 2015

GSP: "Se todos os lutadores fossem como eu, o MMA seria muito chato"

Ex-campeão dos meio-médios do UFC revela que sempre foi fã dos vilões do esporte e fala sobre a redescoberta do prazer de lutar, depois que deu um tempo na carreira

Por Las Vegas, EUA

Ex-campeão dos meio-médios do UFC, Georges St-Pierre sempre foi visto como um lutador “bom moço”, que respeita seus adversários. Ao longo de sua carreira de 25 vitórias e duas derrotas, são raros os momentos em que o canadense perdeu a compostura. Isso, porém, não o impede de admirar o trabalho dos vilões do esporte. De Conor McGregor a Tito Ortiz, GSP sabe a importância que esses lutadores têm para o MMA:

- Alguns caras, quando vão lutar contra outra pessoa, precisam envolver emoção para que isso lhes dê uma energia extra para lutar. Eu não preciso disso, não funciono assim emocionalmente, não preciso odiar meu adversário. Eu posso não gostar mais de alguns do que de outros, posso gostar de uns, mas eu tento não me apegar a eles. Eu não preciso ser desrespeitoso, não preciso dizer nada de ruim, mas é isso que essas pessoas precisam fazer e não significa que elas sejam pessoas ruins. Para mim, Conor McGregor é um cara muito bacana, um dos mais legais no mundo, se você o conhecer pessoalmente. A mesma coisa acontece com o Tito Ortiz e com o Chael Sonnen, mas quando eles enfrentam alguém, precisam criar uma animosidade para promover a luta. Se todos os lutadores fossem como eu, o MMA seria muito chato. Seria o esporte mais entediante do mundo! Se todo mundo fosse ruim, isso também não seria bom. Você precisa ter um pouco de diversidade, personalidades boas e ruins, porque isso torna pessoas mais carismáticas - declarou em conversa com os jornalistas em Las Vegas, durante o evento de lançamento de um par de luvas, promovido por um de seus patrocinadores pessoais nos treinos abertos do Glory 23, evento asiático de kickboxing que acontece nesta sexta-feira na cidade americana. 
Georges St-Pierre (Foto: Evelyn Rodrigues)Sorridente, Georges St-Pierre contou que está se desenvolvendo muito mais como atleta desde que parou de treinar apenas visando a performance no octógono (foto: Evelyn Rodrigues)

Acompanhado do atleta holandês Nieky Holzken, que disputa nesta sexta-feira o cinturão dos meio-médios do Glory contra Raymond Daniels, GSP treinou por cerca de 20 minutos, divididos em rounds de cinco minutos. Quem puxou o treino foi o técnico de Holzken, que chegou a brincar com o canadense por diversas vezes:

- Está pronto? Nós podemos treinar o dia todo, estamos apenas aquecendo - perguntou o técnico a St-Pierre, depois de finalizar mais um round com seu pupilo holandês.

- Esse tempo seco de Las Vegas está me matando - respondeu um ofegante e sorridente GSP, que imediatamente levantou e ouviu o treinador pedir para desferir 10 chutes altos seguidos.

Descontraído, St-Pierre brincou com a situação e elogiou o atleta holandês. Ele também demonstrou estar completamente adaptado à rotina de ex-campeão, abrindo um largo sorriso toda vez que falava sobre a redescoberta do prazer de treinar. Durante o bate-papo, GSP também deu declarações sobre o seu início no esporte e revelou alguns de seus ídolos. Confira a entrevista abaixo, dividida por tópicos:

Sobre rotina de treinos:


O que acontece é que agora estou treinando por diversão, como eu costumava fazer quando era mais novo. A diferença entre treinar por diversão e treinar para ter uma boa performance é que eu fiz isso por tanto tempo, com tanta pressão, tantas críticas que eu perdi a diversão por fazer isso. A diversão se tornou negócios e negócios tornam as coisas estressantes. Agora que estou fora, eu redescobri o prazer e a diversão ao treinar, estou treinando por prazer e não por performance e isso faz com que eu me desenvolva ainda mais. As pessoas sempre se perguntam por que as estrelas mais novas se desenvolvem mais do que os veteranos. A razão não é apenas porque elas são mais novas. É  também porque elas treinam por diversão, elas tentam coisas novas nos treinos. Quando você é um veterano, você já testou praticamente tudo, você não quer não quer fazer tudo isso de novo, vira como que uma rotina. Agora eu consigo sentir prazer fazendo isso e eu aproveito para ajudar os meus companheiros de treino a se prepararem para suas lutas e me desenvolvo muito mais do que me desenvolveria se estivesse treinando apenas para ter uma boa performance. Agora eu treino por diversão, o que significa tentar coisas novas. Tive a oportunidade de treinar com um dos melhores do mundo hoje. Só de olhar para ele com seu treinador eu já aprendi muita coisa. É um nível muito diferente de trocação.
Georges St-Pierre e Royce Gracie treino UFC 167 (Foto: Evelyn Rodrigues)St-Pierre disse que começou a treinar artes marciais inspirado por Royce Gracie (foto: Evelyn Rodrigues)
Inspiração em Royce Gracie

 Um lutador que sempre me inspirou foi o Royce Gracie. Foi por causa do Royce Gracie que eu comecei nas artes marciais. Durante a minha infância, eu fui vítima de bullying na escola. Sempre era o menor, o mais novo e os caras mais velhos me faziam de vítima. Ver um cara como Royce, que pesava 77 kg, enfrentar gigantes - porque naquela época, não existia categorias de peso - então vê-lo enfrentar gigantes e pessoas intimidadoras fez com que eu sentisse como se eu mesmo estivesse enfrentando o bullying. Eu o via como uma inspiração para mim quando eu era adolescente e é por isso que eu gosto tanto do Royce. O que ele fez para o esporte nunca poderá ser feito novamente. Ele é o maior de todos os tempos e todo mundo deveria respeitá-lo por isso.

Primeiro contato com o UFC e bullying na adolescência

Eu costumava assistir ao UFC. Eu tinha 14, 15 anos quando assisti ao meu primeiro UFC. Estava com um amigo meu em um churrasco com piscina, eu era adolescente, e me lembro que ele alugou essa fita de vídeo, que costumava ser videocassete, e era o UFC. Eu nem sabia o que era e imediatamente me interessei por isso, foi logo de cara. E quando vi o primeiro vídeo do UFC, eu estava com um amigo que praticava artes marciais. Eu era apenas um cara do caratê naquela época, não sabia nada de chão, e disse ao meu treinador de caratê: “Sabe, um dia vou me tornar campeão do UFC”. E todo mundo começou a rir, todo mundo, porque eu queria ser campeão do UFC. Eles diziam: “Você não vai nem se tornar profissional um dia, porque você é muito bonzinho para isso”. E aí eu me tornei lutador profissional e disse: “Agora vou entrar no UFC” e aí todo mundo riu de novo: “Você não pode ser profissional se nunca lutou no UFC”. Então eu entrei no UFC e disse que seria campeão, e todo mundo disse: “Não, o Matt Hughes vai ser o campeão pra sempre, ele é muito forte para você”. E eu venci o Matt Hughes e as coisas continuaram assim, comigo tentando vencer o impossível o tempo todo.
Georges St-Pierre (Foto: Evelyn Rodrigues)Georges St-Pierre treina com técnico holandês, durante evento de lançamento de par de luvas de um de seus patrocinadores em Las Vegas (foto: Evelyn Rodrigues)
Ainda assiste o UFC?
 
Eu não vejo todas as lutas. A última luta que vi foi a do meu companheiro de treinos e amigo, Rory MacDonald. Eu vi aquela luta porque me interessou. Sabe, eu vivi disso por tantos anos que quando eu tenho um tempo de folga nos finais de semana, gosto de fazer outra coisa. Eu assisti lutas de algumas pessoas. Às vezes eu gosto de ver algumas lutas, porque todo lutador tem a sua especialidade, é o que eu realmente gosto de ver. Rory é muito elusivo no que faz, Robbie Lawler tem golpes muito duros, Ronda Rousey tem excelentes chaves de braço, a forma como ela constrói a chave de braço é sensacional. Jon Jones, José Aldo, McGregor…gosto de ver todos eles lutando, por causa das coisas que eles fazem muito bem. Porém, às vezes eu gosto de fazer outras coisas também. 

Fã de Tito Ortiz


Um dos meus lutadores favoritos de assistir era o Tito Ortiz. Eu gostava do Tito porque ele era muito carismático . Por mais que eu tente ser um bom exemplo a ser seguido e um cara bacana, os meus lutadores favoritos sempre são os caras maus, eu gosto dos vilões. No Star Wars, por exemplo, eu prefiro o Lord Sith do que o Jedi, porque ele é muito mais carismático. E eu gosto do Tito Ortiz e acho que ele deveria ser uma lenda do esporte, ele é um dos melhores pelo que fez pelo esporte. Tito  trouxe consciência ao esporte. Todo mundo costumava assisti-lo lutar e todo mundo o odiava, porque ele era um cara bastante arrogante, no final das lutas ele costumava cavar a cova. Tito era conhecido por ser um “badboy”, mas me lembro da primeira vez que o conheci, eu mal falava inglês. Estava no Mandalay Bay e acho que ele provavelmente não se lembra, mas eu o vi no elevador, ele estava saindo da festa pós-luta e me deu uma garrafa de vodka, porque eu tinha vencido aquela noite. Para mim, ver o Tito Ortiz naquela época era como ver um ídolo e ele foi um cara muito legal comigo. Eu gosto muito dele por isso. Tito sempre foi muito legal para os seus fãs e para as pessoas que gostam dele, mas muito duro com seus adversários.

Papel dos vilões no esporte
Alguns caras, quando vão lutar contra outra pessoa, precisam envolver emoção para que isso lhes dê uma energia extra para lutar. Eu não preciso disso, não funciono assim emocionalmente, não preciso odiar meu adversário. Eu posso não gostar mais de alguns do que de outros, posso gostar de uns, mas eu tento não me apegar a eles. Eu não preciso ser desrespeitoso, não preciso dizer nada de ruim, mas é isso que essas pessoas precisam fazer e não significa que elas sejam pessoas ruins. Para mim, Conor McGregor é um cara muito bacana, um dos mais legais no mundo, se você o conhecer pessoalmente. A mesma coisa acontece com o Tito Ortiz e com o Chael Sonnen, mas quando eles enfrentam alguém, precisam criar uma animosidade para promover a luta. Se todos os lutadores fossem como eu, o MMA seria muito chato. Seria o esporte mais entediante do mundo! Se todo mundo fosse ruim, isso também não seria bom. Você precisa ter um pouco de diversidade, personalidades boas e ruins, porque isso torna pessoas mais carismáticas.

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