segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ex-boleiro de Malu Mader, cria do Vidigal quer Mundial e pódio em 2016

Segundo colocado no ranking mundial até 49kg, Patrick Lourenço trabalhava em clube desde os 13 anos para ajudar a mãe. Ele teve o pai assassinado aos três anos

Por Rio de Janeiro

Ainda sem o café da manhã, Patrick acordava "antes do sol" e descia o Morro do Vidigal até o ponto de ônibus no asfalto, na Avenida Niemeyer. Subia no 177 que vinha de São Conrado e pagava a passagem do ônibus com o cartão da escola: "Assim economizava um pouco", lembra. Aos 13 anos, o menino franzino já tinha responsabilidades em casa e rotina. Das 6h30 até as 11h30, trabalhava como boleiro no Clube Caiçaras, na Lagoa Rodrigo de Freitas, Zona Sul do Rio de Janeiro. Pegava as bolinhas de tênis durante as aulas e ganhava cerca de R$ 3 reais a cada meia hora. O valor ia todo para ajudar a mãe, que o criou ao lado da avó - ele teve o pai assassinado quando tinha apenas três anos. 
Patrick Lourenço teve infância difícil com a perda do pai aos três anos (Foto: Thierry Gozzer)Patrick Lourenço teve infância difícil com a perda do pai aos três anos (Foto: Thierry Gozzer)

- Eu descia o morro sozinho, acordava umas cinco horas. Seis e meia já tinha que estar lá no Caiçaras. Tomava o café lá. Sentia que tinha que ajudar minha mãe. Levava tudo para ela, e ela me deixava com uma parte. Dava uns R$ 300 por mês. De lá tomava banho e ia direto para a escola. Da escola eu voltava em casa rapidinho, comia alguma coisa e ia direto para o treino na academia de boxe. Era cansativo, mas era muito bom - recorda o boxeador.
Hoje, aos 21, Patrick acredita que a infância difícil e as adversidades, como a perda do pai, o colocaram onde ele está. É segundo colocado no ranking mundial do boxe olímpico no peso mosca (até 49kg) e esperança de medalha para o Brasil nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Do Clube Caiçaras guarda as amizades, como as que tem com os outros meninos do Vidigal, também boleiros por lá até os 16 anos, idade limite para realizar a função. Lembra-se bem das aulas em que era boleiro da musa das novelas Malu Mader, não só pela beleza da dona da raquete, mas também pelas gorjetas que ela deixava... 
- Quando cheguei no Caiçaras e vi, falava: "Caramba, é a moça da televisão". Mas ela sempre foi muito gentil, tratava todos muito bem, sem diferenças, brincava, e era muito legal. Você via que a pessoa era normal. Era atriz, mas era normal. Igual a gente. Ela dava gorjeta, que era a melhor parte (risos). Era bem bacana - diz Patrick, pouco depois de ser parado no clube pelo guitarrista dos Titãs e marido de Malu, Tony Bellotto, ao retornar aonde tudo começou a convite doGloboEsporte.com.
COMEÇO NO BOXE
A luta sempre esteve na veia dos Lourenço. Leandro, pai de Patrick, praticava jiu-jítsu. E ser um bom lutador custou-lhe a vida. Aos três anos, o carioca só sabe do que aconteceu com o pai pelas histórias que ouve da família. Leandro teria se envolvido em uma briga na rua e levado a melhor. O perdedor não aceitou, voltou uma semana depois com outros comparsas e "fez uma covardia", como Patrick enfatiza. No boxe, o garoto achou a forma de extravasar a raiva e a violência que fez seu pai vítima.
Mosaico - Gerreiro Patrick (Foto: Thierry Gozze)(Fotos: Thierry Gozzer)

- É na porrada que a gente aprende na vida. É complicado. Temos que tirar coisas boas de momentos difíceis e bons. Minha mãe sempre teve medo de que eu fosse pelo caminho errado por conta da minha história. Mas ela me disciplinou e consegui expressar essa raiva, essa violência que vivemos, pelo esporte. Não vou no boxe trocar porrada, agredir, e sim competir. Minha história me ajudou a ser o que sou hoje. Não faltou motivo, oportunidade de fazer besteira. De me vingar da sociedade. Outros amigos que tenho, que foram presos, morreram, foram por pouca coisa. Por menos do que eu vivi. E eu consegui expressar isso de uma maneira positiva - refletiu Patrick. 
Patrick Lourenço no Morro do Vidigal (Foto: Thierry Gozzer)Patrick Lourenço no Morro do Vidigal (Foto: Thierry Gozzer)
O boxe, sua redenção e maior paixão, veio quando foi levado por um amigo para a academia do projeto social de Raff Giglio, que mantém o trabalho com poucas, mas importantes ajudas no Morro do Vidigal, como a do ator Malvino Salvador, da TV Globo, que paga o aluguel da área. Aos 13 anos, Patrick treinava boxe, trabalhava no Caiçaras e se arriscava no tênis, como quando venceu um torneio interno do clube entre os boleiros. Mas foi nos ringues que ele se destacou mais.
Chegou à seleção aos 18 anos, mudou-se para São Paulo para treinar com o restante do grupo e acumulou bons resultados. Campeão continental e quinto colocado no Mundial de 2013, mesmo recém-chegado ao grupo principal brasileiro, ele troca socos pela família. Para tirar a mãe, o padrasto e os irmãos Marcely (12 anos) e Pietro (cinco meses) de uma casa de três cômodos - sala, cozinha e banheiro - no alto do Vidigal.
- Sou um moleque batalhador, guerreiro, que como todo moleque da comunidade não tem uma história muito boa, mas sempre andou por caminhos corretos, na vida e no esporte. Com disciplina na escola. Fiquei no meio de pessoas boas, que não me deram tempo de conhecer o caminho errado. O Raff foi um pai para mim. Quando chegava atrasado, ele brigava, puxava a orelha. Isso foi importante para mim. Sou um cara muito sonhador, corro atrás dos meus objetivos. Sonho dar uma estrutura boa para minha mãe através do esporte e aos poucos estou conseguindo. Sempre acredito que posso mais, que vou conseguir.
Quando está no Rio, Patrick Lourenço triena no Vidigal (Foto: Pedro Veríssimo)Quando está no Rio, Patrick Lourenço trieina no Vidigal (Foto: Pedro Veríssimo)

MUNDIAL, PAN E OLIMPÍADAS DO RIO
Espelho para os irmãos e amigos da comunidade, Patrick tem outros sonhos. Além da casa para a mãe, quer o título mundial em outubro, em Doha, no Catar, e seguir bem sua caminhada na Liga Pro Aiba Boxing, criada para evitar a debandada para o boxe profissional. Quer também brilhar nos Jogos Pan-Americanos, em Toronto, no Canadá, em julho, e claro, espera conquistar seu lugar nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Uma medalha olímpica dentro de casa seria o ápice...
- Quem diria, um moleque da comunidade estar entre os melhores do mundo. Esse ano estou muito focado e vou ser campeão mundial. Está escrito já. E quero uma medalha em 2016. Sem dúvidas dá para buscar uma medalha. Cresci muito do Mundial para cá. Amadureci muito, tenho lutado entre os melhores do mundo e lutei no mesmo nível. Quando perdi, faltou pouco. Esses detalhes estão sendo trabalhados com a comissão técnica para que em 2016 possamos beliscar não só um bronze, mas com a confiança de que vamos conquistar umas seis medalhas nas Olimpíadas.
Patrick em ação pela Pro Aiba Boxing (Foto: Divulgação/Aiba)Patrick em ação pela Pro Aiba Boxing (Foto: Divulgação/Aiba)

O sucesso no ringue representa também o retorno financeiro. Se antes catava bolinhas para levar R$ 300 por mês para a mãe Renata, hoje Patrick faz suas economias para comprar a casa dos Lourenço. Seu ranking garante a Bolsa Pódio de R$ 9 mil mensais pagos pelo Governo Federal, além do patrocínio da Petrobras vindo da seleção brasileira e também o soldo do Exército do Brasil, onde é 3º Sargento. "Pai" no boxe, na vida e maior incentivador, Raff Giglio não duvida do peso mosca.
- Ele chegou aqui franzino, mas já era focado e determinado. Deu para ver desde o início que ele tinha o "vírus" do boxe. Muitos já passaram aqui com esse "vírus", mas poucos souberam tirar proveito disso. Vi vários desperdiçarem isso e irem para caminhos ruins. Ele, não. O Patrick ainda vai dar muitas alegrias ao povo brasileiro, tenho certeza - frisou Raff Giglio.

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