quinta-feira, 14 de maio de 2015

Empresários detalham perdas que o acordo UFC/Reebok trouxe aos atletas

Marcas tradicionais no MMA tentam renegociar contratos com lutadores por valores mais baixos, e agentes veem possível migração de verbas para outras organizações

Por Rio de Janeiro
Visto como uma evolução para o MMA quando foi anunciado, em dezembro do ano passado, o acordo de exclusividade entre o UFC e a marca de roupas e acessórios esportivos Reebok virou alvo de críticas na semana passada, quando foram revelados os valores que serão repassados aos lutadores. Apesar de a organização não impedir que os atletas tenham patrocinadores próprios, a proibição à exposição de outras marcas nos uniformes de luta limitou o potencial de arrecadação dos astros do espetáculo. Conforme o Combate.com apurou junto a agentes e promotores de evento no Brasil, EUA e Europa, apesar de o novo sistema só entrar em vigor a partir de julho, alguns lutadores já começam a sentir seus efeitos, com patrocinadores renegociando contratos por valores bem abaixo do que pagavam. Outros já buscam opções no mercado e visualizam uma redistribuição das verbas de patrocínio das principais empresas da indústria da luta através de organizações concorrentes.
Johny Hendricks (Foto: Evelyn Rodrigues)Johny Hendricks foi um dos primeiros lutadores a assinarem com a Reebok (Foto: Evelyn Rodrigues)
A maioria dos empresários consultados pelo Combate.com ressaltou que o mercado para patrocínios estava em baixa, prejudicado pelas restrições impostas pelo Ultimate; além da cobrança de uma taxa variável de acordo com a posição da marca no uniforme ou banner, a companhia veta concorrentes de seus próprios patrocinadores, prática comum nas grandes ligas esportivas americanas. A transmissão de lutas e eventos inteiros no Fight Pass, canal digital do UFC disponível na América do Norte e Europa lançado em 2014, foi outro fator que afastou patrocinadores. Neste sentido, a garantia de um patrocínio para lutadores iniciantes que são escalados predominantemente neste espaço é positiva.
- No Brasil, todos os eventos são do Combate - salvo os da Globo. Já nos EUA, existe uma variação gigante, indo do Fight Pass, passando por dois canais de TV a cabo, pay per view até chegar à transmissão em canal aberto. Isso, para patrocinadores americanos, faz uma diferença tremenda. O mesmo atleta que, competindo na Fox, recebe US$ 3 mil para usar a bermuda de uma marca americana, pode não conseguir um patrocínio de bermuda no Fight Pass, ou, com sorte, conseguir um patrocinador que pague as despesas para a impressão e customização do material que vai ser usado na luta - explica Tiago Okamura, empresário da atual campeã peso-palha, Joanna Jedrzejczyk, de Serginho Moraes e Jéssica Bate-Estaca, entre outros.
A tabela de compensação anunciada na semana passada dividiu os lutadores de acordo com sua experiência dentro do octógono. Atletas com entre uma e cinco lutas receberão US$ 2,5 mil (cerca de R$ 7,5 mil); entre seis e 10 lutas, US$ 5 mil (R$ 15 mil); entre 10 e 15 lutas, US$ 10 mil (R$ 30 mil); entre 16 e 20 lutas, US$ 15 mil (R$ 45 mil); 21 lutas ou mais, US$ 20 mil (R$ 60 mil); desafiantes ao cinturão recebem US$ 30 mil (R$ 90 mil), e campeões, US$ 40 mil (R$ 120 mil). Para iniciantes, principalmente no continente europeu, onde o MMA ainda briga para conquistar exposição televisiva, a garantia de US$ 2,5 mil em patrocínio foi um ganho. Para alguns atletas com seis a 10 lutas, mas com menor exposição internacional, o valor de US$ 5 mil também não representou prejuízo, como afirmou Rodrigo Aguileras, empresário de Francisco Massaranduba.
- No caso do Massaranduba, deu praticamente empate. Sempre consegui bastante patrocínio para ele e, consequentemente, ele foi um dos caras que mais lutaram. Eu acredito que, para o lutador brasileiro que more no Brasil, será bom, porque o mercado está pagando pouco para eles. Mas tem muito atleta que sairá perdendo, principalmente os americanos, que conseguem um valor maior de patrocínio. A maioria vai achar bom, mas sempre tem quem saia perdendo. Os valores concedidos aos campeões e desafiantes eu achei baixos, porque é óbvio que os caras ganham mais do que isso. Se você me perguntar se eu gostei ou não desse acordo, vou dizer que não. Limitou demais, fechou as portas para patrocinadores que poderiam entrar no esporte - analisa Aguileras.
info patrocínios no UFC - 2 (Foto: arte esporte)
Por outro lado, segundo apurou o Combate.com com fontes com conhecimento do mercado no país, mesmo lutadores sem muito nome podem arrecadar cerca de R$ 20 mil em patrocínios no presente modelo. A inserção nos banners, vetados pelo Ultimate a partir de julho, custa entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil; ter a marca exposta nos shorts e na camisa de entrada no octógono rende em média R$ 6 mil.
Foram principalmente os lutadores com apelo para lutas de destaque que mais reclamaram. Brendan Schaub, peso-pesado que enfrentou Rodrigo Minotauro no card principal do UFC Rio 1, afirmou nas redes sociais que recebia seis dígitos de seus patrocinadores por luta; segundo a tabela, com 11 combates dentro do Ultimate, "Big Brown" agora receberá US$ 10 mil, ou seja, no mínimo 10% do que faturava anteriormente. Lutadores que construíram seus nomes fora do UFC, como Eddie Alvarez, Tatsuya Kawajiri e Hector Lombard, receberão entre US$ 2,5 mil e US$ 5 mil, mesma quantia que iniciantes e atletas de menor apelo.
A direção do UFC adverte que os lutadores podem manter patrocínios fora de seu octógono. Diego Lima, treinador e empresário de nomes como Felipe Sertanejo, Lucas Mineiro e Thomas Almeida, ressaltou que o trio tem relacionamentos com marcas que jamais apareceram no cage do Ultimate. Todavia, a maioria dos empresários afirma que mesmo os patrocínios mensais vêm atrelados à exposição da marca no dia da luta.
- Quem a gente já viu de lutador profissional com comercial na TV? São poucos. O patrocínio da Reebok é pontual, e o que interessa para o lutador é o patrocínio mensal, para pagar as contas, porque ele só recebe do evento quando luta. Só que, com esse novo sistema, vai ser muito mais difícil. De um potencial de cinco patrocinadores diferentes, vamos passar a trabalhar num potencial de um. Acho que vamos ver muitos atletas sem nenhum patrocinador agora - diz Matheus Aquino, agente dos irmãos Patrício e Patricky Pitbull e de Leandro Higo, atualmente competindo no TUF Brasil 4.
Myles Jury tênis Reebok lixo UFC MMA (Foto: Reprodução / Facebook)Revoltado com oferta que recebeu, Myles Jury jogou tênis da Reebok no lixo (Foto: Reprodução / Facebook)
A divulgação dos valores de patrocínio da Reebok causou outro efeito adverso para os lutadores: agora, todos sabem o quanto está sendo pago pela exposição na principal liga de MMA do mundo. Com isso, muitos patrocinadores tradicionais do meio estão buscando renegociar seus contratos. Um agente de grandes nomes do UFC no Brasil, que falou ao Combate.com em condição de anonimato, revelou que uma marca de material esportivo estava oferecendo uma renovação com um de seus clientes por menos de 40% do valor anterior. Outra fonte anônima confirmou que os patrocinadores de outro lutador brasileiro, ex-campeão do UFC, querem cortar 70% do valor que o pagam atualmente.
- O que está realmente restringindo nosso trabalho e limitando nossas opções é saber que parceiros de longo prazo, que em alguns casos apoiaram alguns dos nossos atletas por toda sua carreira, agora estão completamente banidos do octógono. Certamente há outras formas de ativar patrocínios, mas não ter a oportunidade de estar visível (no uniforme) do atleta no dia da competição é claramente um grande desalento - comenta Tim Leidecker, da agência Control Master Management, que representa atletas europeus como Nikita Krylov, Piotr Hallmann e Nick Hein.
Bloqueadas no UFC, as grandes marcas da indústria de MMA podem migrar para outras organizações e investir suas verbas de publicidade nelas. Esta é a esperança de promotores de evento no Brasil e no exterior, assim como de alguns empresários, como Alex Davis, agente com atletas no UFC, Bellator e WSOF, entre outros.
- Outros eventos ainda estão com os valores que se pode conseguir com patrocínio achatados, porque ainda não conseguiram a visibilidade que o UFC hoje tem. Acho que a entrada da Reebok no UFC, e a consequente saída dessas outras marcas para outro eventos, contribuirá para que isso mude. Esses patrocinadores que construíram as suas marcas no MMA, como Affliction e Bad Boy, terão que continuar no MMA, e irão oxigenar o resto da indústria - pondera Davis.
Scott Coker Bellator MMA (Foto: Getty Images)Scott Coker: lutadores e empresários "estão ligando" para saber sobre política de patrocínio do Bellator (Foto: Getty Images)
Não são só as marcas que podem migrar para outras organizações, mas também os principais bens do UFC: os lutadores. Scott Coker, CEO do Bellator - principal concorrente do UFC - disse ao site "MMA Fighting" nesta semana que seu telefone "está tocando" nos últimos dias, com atletas e empresários questionando sobre suas políticas de patrocínio. Enquanto atletas atualmente no Ultimate terão dificuldades para trocar de organização, devido às cláusulas que dão preferência à companhia em renegociações, lutadores com passe livre vão pesar o potencial de arrecadação com patrocínios na hora de decidir com quem assinar. Ed Ruth, uma das promessas da luta olímpica americana mais cobiçadas no mercado, fechou com o Bellator na última segunda-feira e citou diretamente que a possibilidade de conseguir seus próprios patrocinadores influenciou na decisão. Por outro lado, o UFC ainda paga bolsas melhores que a maior parte de seus concorrentes.
- Mesmo com essa questão dos patrocínios, o UFC ainda tem um diferencial de pagamento muito maior. Tem a possibilidade do bônus de luta da noite de US$ 50 mil, tem alguns bônus - argumenta Matheus Aquino.
Outro fator que gerou revolta foi uma estimativa publicada pelo jornalista Jonathan Snowden, do site "Bleacher Report", de que, segundo a tabela de compensação, apenas 59% do valor anual pago pela Reebok ao UFC - o acordo anunciado oficialmente é de US$ 70 milhões em seis anos - seria repassado aos atletas. A direção do evento afirmou em teleconferência na semana passada que a maior parte do valor do patrocínio seria dedicada aos atletas, e que o resto seria destinado a custos de operação para esse repasse. Por outro lado, a organização anunciou que reservaria nos uniformes um espaço para um patrocinador master em cada evento, cujo valor não seria repassados aos lutadores.
O Ultimate não ignorou as críticas e reclamações de seus lutadores. O peso-pesado Matt Mitrione, por exemplo, contou em sua conta no Twitter que o presidente da companhia, Dana White, o telefonou diretamente para inquirir sobre o quanto estava sofrendo de prejuízo com as novas regras.
- É óbvio que o UFC vai recompensar os campeões, ex-campeões e nomes maiores por fora da tabela, mas é muito complicado se tentar agregar todos os atletas em cinco grupos de patrocínios. O discurso do UFC é de que o acordo é uma medida para o crescimento do esporte. Os verdadeiros reflexos só poderemos saber nos próximos meses - conclui Tiago Okamura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário