segunda-feira, 1 de junho de 2015

José Neto elogia Marcelinho, vibra com tri e diz: "Ainda quero muito mais"

Treinador elege temporada como a mais desafiadora de sua carreira, fala sobre sua admiração pelo argentino Herrmann e diz que não pensa tanto na seleção brasileira

Por Marília, SP
A festa havia apenas começado, a gritaria dentro do ônibus era alta e incontrolável. Mas como o percurso de 491km que levaria a delegação do Flamengo de Marília, palco da conquista do NBB 7, à cidade de Campinas demoraria para ser percorrido, o técnico José Neto tinha todo o tempo para falar sobre o tricampeonato consecutivo rubro-negro. Assunto foi o que não faltou. O assistente de Rubén Magnano na seleção brasileira usou apenas 35 minutos das quase seis horas que ainda teria pela frente até chegar ao aeroporto de Viracopos, última parada antes de embarcar para o Rio e reencontrar sua família, no Rio de Janeiro, para resumir a temporada mais desafiadora de sua vitoriosa carreira. 
- Ainda quero muito mais. Tenho muito o que fazer pelo Flamengo.  
Ainda sem a taça do NBB 7, José Neto posa ao lado de todos os outros troféus conquistados pelo Flamengo  (Foto: Arquivo pessoal)Ainda sem a taça do NBB 7, Neto posa com todos os outros troféus conquistados pelo Flamengo (Foto: Bruno Lorenzzo)


Não foram poucas as provações que José Neto precisou encarar. Desde a inesperadaeliminação para o Pioneros, do México, no Final Four da Liga das Américas, em março, comparada pelo treinador a um soco no queixo, até o desentendimento com o capitão Marcelinho, pairaram dúvidas e sobraram questionamentos sobre o destino do Flamengo no decorrer do ano. Uns atiraram pedra em Marcelinho e imploravam por sua aposentadoria, outros ignoraram o retrospecto recente e decretavam o fim do time mais vitorioso do basquete brasileiro.
Mas o treinador sabia que ainda podia contar com alguns aliados, sua comissão técnica e seus jogadores. Por isso, em vez de acusar o golpe e jogar a toalha, ele se recusou a desistir. Depois de chamar para si a responsabilidade, Neto sabia que para repetir o desfecho das últimas temporadas tinha que surpreender. Para isso, precisava da ajuda de todos, inclusive de seu capitão. E graças a um gesto de Marquinhos, Marcelinho voltou à cena.
- Quando o Marcelo entendeu sua nova função - e acho que fez isso muito bem pelo excelente profissional que é -, ajudou demais. O Marcelo não é um jogador que você vai encontrar em qualquer time, ele realmente faz a diferença e faz o Flamengo ser um time diferente - afirmou.
Com a paz selada e as energias recarregadas, o Flamengo se torna ainda mais forte. A faísca que faltava veio no quinto jogo da série contra o São José, pela primeira rodada dos playoffs do NBB. Com uma vitória avassaladora, Neto viu que o time tinha dado liga de novo e que o fim daquele filme estrelado na temporada anterior tinha tudo para se repetir. 
Dito e feito. Com mais uma taça a caminho da Gávea e a medalha de ouro no peito, o treinador nem ligou para o barulho, as gozações do preparador físico Rafael e os beijos carinhosos do fisioterapeuta Ricardo Machado. Relaxado e sentado na primeira poltrona, se soltou. Além de enaltecer sua comissão técnica, Neto falou sobre seleção brasileira, sua admiração pelo argentino Walter Herrmann, de como surpreendeu o Bauru na decisão e do amor pela família.
CONFIRA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA
GLOBOESPORTE.COM: Após três temporadas, três títulos do NBB, uma Liga das Américas, uma Copa Intercontinental e três cariocas. Vocês esperava esse sucesso todo quando chegou ao Flamengo?
JOSÉ NETO:
 Se falar que esperava é mentira, mas trabalhava pensando nisso. Desde o começo eu sabia que pela primeira vez estava dirigindo um clube de expressão como o Flamengo, que tem pretensões grandes, então não podia pensar de outra forma. Por isso que quando recebi o convite fiz questão de montar um grupo de trabalho, pois não acredito que sem isso seja possível conquistar tantas coisas. Fiz bastante questão disso, e a cada temporada fomos melhorando a qualidade dos profissionais e do trabalho que nós fazemos. Isso fez com que tivéssemos essa sequência. É muito difícil conquistar tantos títulos, mas se manter ganhando é muito mais complicado. Isso só é possível com grandes profissionais e jogadores que comprem sua ideia. 
Neto Marcelinho Machado Flamengo campeão NBB (Foto: Fotojump/LNB)José Neto e Marcelinho Machado lado a lado na comemoração do tricampeonato do Flamengo (Foto: Fotojump/LNB)
O Marcelo não é um jogador que você vai encontrar em qualquer time, ele realmente faz a diferença e faz o Flamengo ser um time diferente"
José Neto
 
Todos vocês sabiam que seria um ano de muita pressão por tudo que conquistaram na temporada passada. Mas apesar de as coisas terem fugido um pouco do controle, com a perda da Liga das Américas e o desentendimento com o Marcelinho, parece que o grupo saiu fortalecido. Foi isso mesmo?Acho que sim, porque é um grupo que pensa em ganhar. É claro que existiram algumas situações que acontecem em qualquer lugar, em qualquer família. Às vezes, a vontade de querer mais passa do entendimento do que é necessário para o grupo. Mas todos sabiam da importância de superar esses problemas com uma temporada quase inteira pela frente. Acho que soubemos lidar bem com os percalços, mas não foi fácil, pelo contrário, foi muito difícil. É claro que a responsabilidade vem mais para cima de mim, mas procurei estar bem preparado para colocar o foco no nosso objetivo e não nos problemas que tivemos. E abdicar um pouco do ego e da vaidade que poderiam extrapolar, já que que sou o técnico e na teoria tenho que mandar. Acho que não é assim e temos que ser humildes em compreender que todos são importantes dentro de um grupo. Só assim vamos conseguir continuar ganhando.
Antes de subir ao pódio em Marília você chamou o Marcelinho e deu um forte abraço nele. O que você falou para ele naquele momento?
Falei para ir subir no pódio e levantar mais um troféu porque ele é o capitão desse time. Ele é nosso líder e nunca deixou de ser mesmo quando perdeu a condição de capitão. São duas coisas diferentes em ser líder e ser capitão. O Marcelo sempre foi o líder do time. Mas quando aconteceu aquele problema achei que a conduta de um capitão não ficou condizente com as atitudes que ele teve, mas mesmo assim ele continuou sendo o líder de sempre. Depois o Marquinhos me chamou para conversar e foi muito leal com o time e com ele mesmo ao admitir que não estava se sentindo bem em ser o capitão. Ele conversou com o Marcelo e comigo, e partiu dele a decisão de devolver o posto de capitão ao Marcelo. Isso mostra a maturidade desse grupo, que sabe realmente o que quer. Muitos pensam que existe uma briga de vaidade ali dentro, e isso não acontece. O que existe é uma vontade muito grande de ganhar e todas as vezes que colocamos esse foco à frente de qualquer outra coisa fomos um time que dificilmente perdeu.
Depois do episódio muitas pessoas aproveitaram para criticar o Marcelinho e dizer que ele estava acabado e tinha que se aposentar. Mas ao contrário disso ele deu a volta por cima e ajudou o Flamengo nos playoffs. Qual a importância que ele ainda tem para esse time?
Além da liderança, acho que foi ter a consciência e executar o que o time precisava dele. Muitas vezes o jogador executa somente aquilo que ele precisa fazer. Quando o Marcelo entendeu sua nova função, e acho que fez isso muito bem pelo excelente profissional que é, ajudou demais. O Marcelo não é um jogador que você vai encontrar em qualquer time, ele realmente faz a diferença e faz o Flamengo ser um time diferente.
 
Tenho muito orgulho de poder dizer que dirigi um campeão olímpico como o Walter Herrmann. Não só pelo jogador que ele foi, por ter jogado em grandes times vencedores da Europa, ter sido MVP da Argentina depois de ter ficado parado três anos ou por tudo que ele passou fora das quadras".
José Neto
 Qual o segredo para lidar com tantas estrelas que seriam titulares em qualquer time do NBB sem deixar que a vaidade atrapalhe e sucesso suba à cabeça?
Primeiro, colocar bem o propósito do que queremos e ter bem claros nossos objetivos. É impossível continuar ganhando num basquete de alto nível se você não tiver um elenco, por isso nos preocupamos em formar um grupo no qual nós pudéssemos ter uma condição de jogar sempre com intensidade e manter a qualidade a maior parte do jogo. Foi uma situação na qual sempre trabalhamos e onde cada um tem a sua função. As coisas são bem claras e não existe nenhum tipo de problema em relação a isso. Todos estão remando para o mesmo lado e querem a mesma coisa, e quando os títulos vão surgindo a confiança no trabalho só aumenta. Mas não é uma tarefa fácil, tem que controlar a vaidade sim porque todo mundo quer ganhar e fazer sua parte para isso. 
José Neto conversa com o elenco do Flamengo antes do primeiro treino em Marília (Foto: Marcello Pires)O técnico José Neto destaca a união e o comprometimento do elenco do Flamengo (Foto: Marcello Pires)
Muitas pessoas do grupo disseram que você foi determinante para essa virada. Quando você detectou que alguma coisa estava errada durante a temporada e o que você fez para que o time se transformasse nos playoffs?
É um trabalho constante. Sempre entendi que um técnico tem que ser mais do que apenas um conhecedor de técnica e tática, ele tem que ser um gestor de pessoas. O técnico não tem só que dirigir os jogadores e fazer com que eles façam aquilo no que ele acredita, mas também tem que saber conduzir um grupo e fazer com que todos acreditem na proposta de trabalho dele. Quando cheguei ao Flamengo, fui procurar uma maneira de saber lidar com essa situação e comecei a trabalhar com coaching, que tem uma profissional que me ajuda muito que é a Alessandra. Temos algumas sessões frequentes para que eu possa lidar com isso e colocar um foco na solução e não no problema. 
No primeiro ano você perdeu o Marcelinho, no seguinte, o Benite. Pela primeira vez você teve todo o elenco à disposição. Administrar um grupo tão capacitado com várias estrelas foi um desafio?
Sem dúvida, e temos que lembrar que a cada temporada os times investiram mais, ficaram mais fortes, e a qualidade do campeonato melhorou bastante. O fato de nós ganharmos de forma consecutiva só aumenta ainda mais a vontade de vencer o Flamengo.  Nós tivemos uma temporada anterior que ganhamos tudo e não é fácil ganhar tudo. Bauru também ganhou quase tudo. Foi uma temporada de muitas dificuldades, principalmente porque entramos sem estarmos preparados como gostaríamos, e os adversários vieram com uma vontade enorme de nos vencer e nos pegaram fragilizados. Mas tínhamos isso no planejamento e sabíamos que não seria fácil. Desde o começo sabíamos que podíamos chegar, mas teria que ser de uma maneira diferente. Foi o que aconteceu. Não lideramos o campeonato em nenhum momento e tivemos uma queda boa durante um período, mas conseguimos voltar aos trilhos mesmo depois de levar um soco no queixo que foi aquela derrota na Liga das Américas. Daí em diante nós praticamente não perdemos mais.  
José Neto e Walter Herrmann campeões flamengo nbb (Foto: Reprodução/Instagram)Neto e Herrmann (Foto: Reprodução/Instagram)
Por mais de uma vez você destacou a importância do argentino Walter Herrmann nesse grupo. Mesmo sendo um campeão olímpico ele muitas vezes jogou pouco ou veio do banco e nunca reclamou. No que ele mais te impressionou?
Primeiro, é uma coisa que ficou marcada na minha vida. Tenho muito orgulho de poder dizer que dirigi um campeão olímpico como o Walter Herrmann. Não só pelo jogador que ele foi, por ter jogado em grandes times vencedores da Europa, ter sido MVP (jogador mais valioso) da Argentina depois de ter ficado parado três anos ou por tudo que ele passou fora das quadras. Esse cara é muito mais do que um vitorioso na quadra, ele é um vitorioso na vida. Ele me disse que não queria vir para jogar o campeonato todo, mas para ajudar o time a ser campeão e me ajudar em tudo que eu precisasse. Ele mostrou um caráter sensacional e acrescentou demais. A maneira e a conduta dele são extremamente profissionais, é um cara querido por todos no grupo e que sabe o lugar dele. Tenta ajudar todo mundo, não tem vaidade nenhuma. Não jogou tanto em Marília, mas saiu comemorando mais do que muita gente. Gosto de dirigir jogadores assim, porque o objetivo fica mais fácil de ser atingido.
Ainda é um cedo, mas você já começou a planejar o time para a temporada que vem?
Hoje o que nós temos são só três jogadores, o Marcelo, o Jerome (Meyinsse) e o Olivinha. São os únicos que ainda têm contrato. Primeiro temos que ouvir dos outros o que eles pretendem, quais são suas ideias profissionais, para depois conversarmos com a diretoria e saber qual o orçamento que vamos ter e qual será o propósito do clube. Só a partir daí vamos começar a montar nosso planejamento. 
Apesar de ter conquistado todos os títulos possíveis, esse time precisa de uma oxigenada ou você acredita que ainda tem muito o que tirar desses jogadores?
A cada temporada nós damos aos jogadores condições para que eles evoluam e melhorem tecnicamente, e eu não sei se o clube terá essa condição. É difícil pensar isso agora, eu não gosto muito de trabalhar com hipóteses. Gosto de ter uma coisa concreta e a partir daí traçar um objetivo. Não gosto de viver com a expectativa, gosto de viver com a realidade. 
Todos esperavam que a decisão do NBB fosse entre Flamengo e Bauru, mas o que talvez ninguém esperasse foi a maneira que vocês venceram os dois jogos. Foi uma surpresa?
Durante a temporada, eu falei que para ganhar nós teríamos que surpreender, essa era a única forma. Se eu falar que esperava dois jogos atípicos assim estaria mentindo, mas ao mesmo tempo estávamos preparados para surpreender. Isso ficou claro no quinto jogo contra São José, pela maneira como ganhamos deles. Ali acreditamos que aquela vitória poderia nos levar ao título. Mostramos uma força muito grande, e a diferença chegou a ser de quase 40 pontos. A maneira como também passamos por Limeira, que era uma das melhores equipes do campeonato, fortaleceu muito nossa confiança e nosso moral. E contra Bauru sabíamos que o primeiro confronto no Rio era um jogo mais do que chave na série. Até pela torcida do Flamengo, que esteve presente e nos incentivou sempre que precisamos, mas que em Marília não poderia fazer a mesma festa. Esse foco foi determinante, eles acreditaram muito na nossa proposta de jogo e executaram muito bem dentro de quadra.
Bauru x Flamengo, Laprovittola (Foto: João e Luiz Pires/LNB)MVP das finais, Nico Laprovittola foi uma das armas do Flamengo na conquista do tricampeonato do NBB (Foto: João e Luiz Pires/LNB)
De que maneira você acha que surpreendeu o Guerrinha?
Qualquer estratégia que a gente adotasse teria que ser executada com intensidade contra Bauru, do contrário, não daria certo. Então nós traçamos uma estratégia de defesa, principalmente, e executamos com muita intensidade. Eles entenderam que isso era necessário e que os jogadores de Bauru não poderiam se sentir confortáveis, pois têm muitas qualidades. Isso foi determinante para nossa conquista. Foi mérito do grupo.  

Qual a diferença do técnico Neto que chegou ao Rio em 2012 para o Neto de 2015?
Aprendi muito, principalmente a lidar com situações de glória e êxito, mas também com momentos difíceis. Acho que sou um treinador melhor hoje do que aquele que chegou ao Flamengo em 2012. Passei coisas aqui que me ajudaram a crescer e a lidar com algumas situações. Acho que ainda tenho que melhorar bastante, pois ainda quero ganhar muito mais.
Você é apontado quase que por unanimidade como o provável substituto do Magnano. Está pronto para dirigir a seleção brasileira? 
Eu não penso tanto nisso, até porque já tive a oportunidade de dirigir uma seleção adulta em um sul-americano. Existe a possibilidade de eu comandar o Brasil no Pan de Toronto, mas ainda não sei como vai ser. Me sinto preparado para dirigir um time de nível, e o Flamengo é uma dessas equipes. Conquistamos a Liga das Américas, ganhamos de uma equipe que foi campeã na temporada passada e esteve novamente nos playoffs da Euroliga esse ano e mostramos um basquete de nível. Isso tudo me dá muita confiança, mas eu não trabalho pensando nisso. Trabalho pensando em fazer um time vencedor.
Depois dessa maratona o que você está com vontade de fazer?
Primeiro curtir minha família, porque muitos dos momentos difíceis que encarei foi por eles, pensava muito neles. Quero ser o orgulho da minha família e das pessoas que gostam de mim,  não posso desistir assim. Esse ano me senti dirigindo um carro potente em alta velocidade numa pista de gelo, mas tinha que conseguir controlar esse carro e não deixá-lo bater na linha de chegada. Eles merecem toda a atenção e o carinho que me dão em troca. Tenho que aproveitar o máximo para comemorar com eles, até porque é muito pouco tempo, já que logo tenho que estar na seleção. Nesse período ainda vou dar uma clínica no Uruguai em comemoração ao centenário da federação uruguaia. Vou aproveitar e levar minha esposa comigo para que a gente possa passar um tempo juntos. 
Já se sente um pouco carioca?Me sinto muito feliz morando no Rio de Janeiro. Primeiro pelo ambiente de trabalho que é muito bom e de poder estar trabalhando com pessoas que eu gosto. Me sinto muito amparado por eles e isso me motiva a dar continuidade ao trabalho. Lógico que quando as coisas vão dando certo nos sentimos mais confortável no lugar que estamos. O Rio é um lugar que não penso em deixar tão cedo. Tenho mais um ano de contrato com o Flamengo, mas com uma cláusula que me permitaesair. Espero que nem eu nem o clube precisemos usá-la. Ainda quero muito mais. Tenho muito o que fazer pelo Flamengo.

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