sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Análise: em era individual, Messi eleva debate sobre futebol a nova dimensão

Argentino tem ano esplêndido, é protagonista de cinco títulos do Barcelona e recupera o trono após breve domínio de Cristiano Ronaldo. Estamos diante do melhor Messi?

Por Rio de Janeiro
Messi Bola de Ouro (Foto: Reprodução / Twitter)A Bola de Ouro de Messi brilha mais que as outras? (Foto: Reprodução / Twitter)
Não se produzem mais discussões de futebol minimamente embasadas sem que haja alguma influência dos números. Quantos gols ele fez para ser considerado tudo isso? E as assistências, média de finalizações, dribles, desarmes, quilômetros percorridos? O fácil acesso à informação obviamente teve sua enorme contribuição, mas eu diria que Messitambém é responsável por elevar o debate a outra dimensão. Sua rivalidade com Cristiano Ronaldo instiga até os menos curiosos, que já não se satisfazem apenas com os títulos coletivos. Com a dupla, o esporte nunca foi tão individual nas mesas-redondas, botecos e redes sociais mundo afora.

Numa interpretação lógica, a Bola de Ouro deveria ser entregue àquele com os maiores feitos individuais no ano. Nem sempre foi assim: lembra do italiano Fabio Cannavaro em 2006? Os dois trataram de ignorar qualquer informalidade pré-estabelecida para vencer o prêmio em anos de Copa do Mundo com títulos de Espanha e Alemanha, e/ou em anos de Liga dos Campeões para Inter de Milão e Bayern. O sucesso de Real Madrid e Barcelona significa a glória de Cristiano e Messi, mas não necessariamente o inverso.
 
Será bastante interessante observar o desenrolar da Bola de Ouro na era pós-dupla – comemore e aproveite enquanto durar, pois um dia você também será saudosista. Neymar, 24 anos em fevereiro, já se candidata a ocupar o posto e, no sonho de muitos brasileiros, pode até mesmo se juntar ao grupo de alienígenas que habitam aquele espaço verde de 105mx68m - também é o que eu acredito. Mas precisará de algo a mais em 2016, provavelmente maior protagonismo e números ainda melhores (olhe só eles aqui de novo) para mudar os votos daqueles que se acostumaram a escolher Messi ou Cristiano desde 2008.
Messi Bola de Ouro (Foto: AFP)Lionel Messi jovem, maduro e experiente com as cinco Bolas de Ouro: 2009, 2010, 2011, 2012 e 2015 (Foto: AFP)
OBSESSÃO DOURADA

A Bola de Ouro tornou-se tão importante neste cenário que é um debate que se alastra ao longo do ano. Você sabe, por exemplo, que Messi conquistou o seu quinto prêmio de melhor do mundo na segunda-feira, em Zurique, como também sabe que Cristiano Ronaldo tem três e que os dois se dividem no topo desde 2008. Mas saberia dizer, sem o recurso de um site de buscas, quantos títulos espanhóis cada um tem no mesmo período?
 
Em seu filme oficial, o português deixa transparecer (não exatamente com palavras, claro, mas pelo tempo de exibição) que sua conquista de 2014 na Suíça foi até mais importante que a Champions e a Copa do Mundo. Com Messi, uma conversa com Xavi foi decisiva para que o argentino superasse os problemas com Luis Enrique e retomasse a boa forma pelo Barcelona no início de 2015 – o catalão perguntou se ele gostaria de ver Cristiano Ronaldo igualando o número de Bolas de Ouro. 
Votos Cristiano Ronaldo Messi Bola de Ouro (Foto: GloboEsporte.com)Votos de Cristiano Ronaldo e Messi na Bola de Ouro (Foto: GloboEsporte.com)
No caso de Neymar, há ainda uma cláusula em seu contrato que o Barça deverá pagá-lo € 500 mil caso seja eleito o melhor do mundo. E só o fato de ter sido indicado entre os três rendeu (ou pode render) € 2 milhões ao Santos

Se todos não dessem tanto valor à premiação, veríamos menos companheirismo na eleição - será mesmo que Cristiano Ronaldo e Messi nunca consideraram o outro um dos três melhores desde 2010, quando a Fifa passou a revelar a votação? O argentino votou em Xavi, Iniesta, Agüero, Neymar, Di María, Mascherano e Suárez, nunca no português. Cristiano já escolheu Xavi (único nome em comum), Casillas, Sneijder, Falcao García, Bale, Sergio Ramos, Benzema e James Rodríguez, nunca Messi.
 
- Eu sou contra a Bola de Ouro. Já vi carreiras destruídas porque os jogadores estão muito obcecados nas conquistas individuais. Neste momento, o futebol está perdendo um pouco do conceito de equipe para focar mais no individual. Até os empresários às vezes motivam os jogadores a ganharem prêmios porque eles são mais valiosos para o mercado de transferências – opinou Arsène Wenger, técnico do Arsenal.
Messi Bola de Ouro Kaká (Foto: Getty Images)Ao lado de Kaká, o último "humano" a ter vencido o prêmio, em 2007 (Foto: Getty Images)

O MESSI MAIS COMPLETO?

Messi consegue ser individualista sem abandonar o espírito coletivo. Tornou-se amigo daqueles inseparáveis de Suárez e Neymar numa parceria que rendeu 137 gols e cinco de seis títulos em 2015. Com o trio, cresceu o futebol também de outros nomes do elenco, como Daniel Alves, Alba, Rakitic, Piqué e Iniesta. 

Para o MSN encaixar, Messi assumiu uma nova-velha função, caindo pela ponta-direita, como nos tempos em que servia Ronaldinho e Eto’o. Foi por muitas vezes um criador de jogadas, sem abandonar a veia artilheira: marcou 52 gols e deu 26 assistências mesmo passando dois meses lesionado entre setembro e novembro. São números espetaculares, fora a plasticidade que deixou Guardiola boquiaberto.

Refiro-me à vitória sobre o Manchester City, no Camp Nou, pelas oitavas de final da Liga dos Campeões, retrato de um Messi soberbo, talvez em sua forma mais completa já testemunhada, variando um arsenal de dribles, passes e lançamentos, como para o gol de Rakitic (veja os lances do jogo aqui). Sim, eu sei que ele marcou 91 gols em 2012 e deu 36 assistências no ano anterior, mas prefiro aqui ser menos objetivo, un poquito más romántico.
Messi Cristiano Ronaldo Bola de Ouro (Foto: Reprodução)Com Cristiano Ronaldo, quem impulsionou a rivalidade pelos números e feitos individuais (Foto: Reprodução)


Contra o PSG, nas quartas, Messi apareceu pelo meio, deixando Neymar na cara do gol. Ganhou liberdade para se locomover pelo campo e até recuar, participando das construções das jogadas – não se assuste se ao fim de sua carreira assumir um papel atrás dos atacantes. Pouquíssimos passam tão bem a bola quanto ele, você já deve saber disso. 

Em momento algum Messi se acomodou ou cedeu à zona de conforto. Aos 28 anos, sua cabeça ainda é a de um eterno menino encantado com o futebol - o depoimento após ganhar a Bola de Ouro comprova -, prolongando um auge futebolístico que já dura sete anos (desde 2007 esteve sempre entre os três finalistas da Bola de Ouro e é o único na história com nove nomeações, fora o fato de ter vencido o prêmio cinco vezes). 

Enquanto souber se reinventar e tiver a fixação pela pelota como a de um cachorro por uma esponja - recomendo esta matéria e o texto antigo, porém sempre genial, de Hernán Casciari -, Messi ignorará a concorrência neste jogo de tronos. E que Pelé e Maradona não percam o espetáculo – mas este é um debate embasado para outra ocasião... De preferência com números.

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