sexta-feira, 24 de julho de 2015

Clubes tornam oficial na internet a
boa e velha zoação das mesas de bar

Flamengo, Corinthians, Vasco, Santos e Fluminense, entre outros, usam as mídias sociais para fidelizar torcedores e gerar receitas. CBF vê com bons olhos a iniciativa

Por Rio de Janeiro


Seja antes ou depois das partidas, dos clássicos... Seja na mesa de bar, ao redor do isopor do ambulante perto do estádio que serve aquela cerveja gelada... Seja no dia seguinte no ambiente de trabalho, na vizinhança.... A zoação entre torcidas, a clássica cornetada, feita com bom senso, sem violência, sempre foi o charme e a grande diferença do futebol para os outros esportes. Qual a graça de vencer sem tirar onda com o adversário ou os que estão do lado de fora secando?  Isso existe desde a invenção dos ingleses, desde que chegou ao Brasil. Só que agora invadiu as redes sociais de forma oficial. Literalmente. Os próprios clubes dão o pontapé inicial para a diversão entre os torcedores, que já existia na web.
Nos últimos meses, o marketing dos principais clubes brasileiros passou a se preocupar com esse produto. Boas e criativas zoações geram cliques, fidelizam torcedores nos sites oficiais. Consequentemente, os instigam a comprar mais camisas, ingressos, a assistir a mais jogos, a recuperar a velha paixão. A gerar receitas. 
Montagem Twitter Grêmio X Sport (Foto: Reprodução / Twitter)Grêmio e Sport usam redes sociais para promover jogo válido pelo  Brasileirão no fim de semana (Foto: Reprodução / Twitter)
Ciente da importância da internet, a própria CBF quer aproveitar o alcance das mídias sociais para estreitar ainda mais o vínculo com os clubes e federações, além de melhorar a relação entre os próprios clubes. Em comunicado enviado às agremiações, a entidade recomenda que intensifiquem, a partir da rodada deste fim de semana, a publicação de posts promovendo as partidas, de acordo com os adversários de cada um. Não existe padrão predefinido. O texto pode ser mensagem de boas-vindas; acerto de aposta para contemplar torcedor adversário com brinde em caso de derrota; a celebração do encontro entre torcidas rivais ou até mesmo aquela provocação saudável, sem incitar a violência. Na opinião do diretor de comunicação da CBF, Fernando Mello, essa aproximação entre clubes, federações e CBF com o torcedor pode aumentar o seu engajamento com o futebol não só na Série A como também nas Séries B, C e D, além da Copa do Brasil.  
 O site da CBF deve ser o portal do futebol brasileiro
Fernando Mello
- Não podemos entender o futebol como entidades individuais que não dialogam. O futebol só acontece porque há uma disputa entre clubes rivais com suas respectivas torcidas mediada pelas federações e pela CBF através dos campeonatos organizados por estas entidades. Então, nada mais natural que todos conversem e promovam ações para engajar e informar mais e melhor o torcedor. Uma das marcas da nova gestão é a aproximação com o torcedor. 

Segundo o diretor de comunicação da CBF, a ideia, que já começou a ser implantada, é oferecer conteúdos da entidade e da Seleção para os clubes usarem nos seus sites e mídias sociais oficiais. Em troca, a CBF também divulgaria as agremiações nos seus canais de comunicação.   
- Uma das missões que o presidente Marco Polo Del Nero nos passou quando assumimos o departamento de comunicação da CBF foi a de estimular integração maior com os clubes para promover os jogos e campeonatos organizados pela entidade. O site da CBF deve ser o portal do futebol brasileiro. Desde a última quarta-feira, a CBF está disponibilizando diariamente, de forma inédita, no seu site e mídias sociais oficiais, matérias produzidas por todos os clubes da Série A. A intenção é estender aos poucos esse serviço para as demais divisões do futebol brasileiro. 
Camisa Coritiba X Corinthians CBF Twitter (Foto: Reprodução / Twitter)CBF usa redes sociais para promover jogo Coritiba X Corinthians, domingo, no Couto Pereira (Foto: Reprodução / Twitter)

A rivalidade não é feita com o intuito de desrespeitar, ofender ou denegrir a imagem de ninguém
Sérgio Arêas
Durante a última semana, o debate girou em torno de Fluminense x Vasco. As disputas fora de campo para ocupar o lado direito da arquibancada do Maracanã e contratar Ronaldinho Gaúcho atiçaram a criatividade tricolor. Como o clube venceu as duas, aproveitou-se na web. O problema é que, no campo, deu Vasco. Aí foi a vez de os cruz-maltinos darem o troco. Nada passa batido. O coordenador de comunicação do Fluminense, Sérgio Arêas, vê com bons olhos as ações dos clubes na internet.
- Existe uma conversa entre todos os departamentos de marketing dos clubes para que haja uma rivalidade saudável. Estamos alinhados e sabemos o que pensam os outros diretores de marketing. A rivalidade não é feita com o intuito de desrespeitar, ofender ou denegrir a imagem de ninguém. Antes do jogo contra o Vasco convocamos os tricolores a levar um amigo vascaíno ao jogo. Acho que dentro do possível conseguimos atingir o objetivo, pois não houve registro de confusão. Após o jogo contra o Santos fizemos um post do Fred pescando, mas sem ser ofensivo ao clube paulista. A publicação foi comentada pelo Corinthians, ressaltando que os clubes são rivais dentro de campo, mas não inimigos. 
Montagem Vasco Fluminense Zoações (Foto: Reprodução)Flu provocou com a contratação de R10 e Vasco respondeu com a vitória no clássico (Foto: Reprodução)
Sérgio Arêas vê tudo como forma de promoção do espetáculo, mas sem animosidade entre as torcidas. Os números, segundo o coordenador de comunicação tricolor, mostram que a estratégia tem dado resultados. No Instagram, o clube pulou de 64 mil seguidores para 105 mil. No jogo contra o Vasco foi feita brincadeira para mexer com os brios do torcedor, quando se questionou se os tricolores não conseguiriam encher o Maracanã.
- A torcida entendeu que precisava estar junto com o time e compareceu. Mesmo com a derrota, ela sabe que precisa continuar apoiando e indo aos jogos - disse, tendo os números a seu favor (foram 41.764 presentes e 37.687 pagantes, com renda de R$ 1.816.345).
A gente se provoca, mas é uma coisa sadia. Criamos uma rivalidade que o torcedor gosta
Mateus Alves
A zoação tricolor começou quando a diretoria acertou com Ronaldinho Gaúcho, considerado anteriormente 90% fechado com o Vasco, segundo o presidente cruz-maltino, Eurico Miranda. Depois, foi a manutenção da torcida no lado direito das cabines de rádio, de acordo com o contrato assinado com a concessionária que administra o Maracanã. Os vascaínos argumentam que conquistaram esse direito desde a criação do estádio, em 1950. Mateus Alves, jornalista responsável pelas mídias sociais do Vasco, explicou que o conteúdo não é combinado entre os rivais.
- Geralmente não sabemos de nada. Até já imaginávamos que o Fluminense iria publicar um post sobre o Ronaldinho, mas não tínhamos noção do conteúdo. A resposta foi uma decisão interna. Eles só ficaram sabendo quando foi publicado. Existe a rivalidade, mas sem o desrespeito. Com o Flamengo, a relação é boa. A gente se provoca, mas é uma coisa sadia. Criamos uma rivalidade que o torcedor gosta, mas tudo no momento certo. Tudo depende do desempenho e dos resultados do futebol profissional, carro-chefe do clube, em campo. 
O Vasco aproveitou a vitória no Maracanã para uma série de provocações. Numa delas, escreveu no Twitter "Eterno freguês - assinado: presidente Eurico Miranda", um pedido do próprio, que muitas vezes usa as redes sociais para expressar suas opiniões, sempre com a sua assinatura. Todas as demais publicações são conversadas e autorizadas pela diretoria, assim como acontece em outros clubes.
tuíte do Vasco (Foto: Reprodução / Twitter)Vasco provoca o Fluminense no dia do seu aniversário por não ter títulos internacionais (Foto: Reprodução / Twitter)


Independente da situação é preciso saber manter o tom para não provocar algumas saias justas que podem ser mal interpretadas pelo adversário. Após a torcida do Internacional vaiar o atacante Rafael Sobis, ídolo do clube, na primeira partida válida pela semifinal da Libertadores contra o Tigres-MEX, o Fluminense publicou em seu Twitter uma mensagem de apoio ao jogador, que logo depois foi apagada.
Há rivalidades aproveitadas pelos clubes para alavancar ações de marketing na web. E tudo feito no maior bom humor, com a preocupação de não deixar os torcedores desviarem a discussão para o lado mais radical. É o caso recente de Flamengo e Corinthians. Após a derrota do Rubro-Negro para o Vasco por 1 a 0, o departamento de marketing postou nas redes sociais apoio ao time, apesar do resultado ruim. A frase "Eu nunca vou te abandonar" já tinha sido utilizada pela torcida do Timão e posteriormente pelo marketing do clube paulista na época do rebaixamento em 2007. Dali em diante, o grito se tornou hit e é lembrado até hoje na nova arena.
Montagem Flamengo e Corinthians (Foto: Globoesporte.com)Flamengo e Corinthians brincaram com a rivalidade na web (Foto: Globoesporte.com)
Ao saber da postagem rubro-negra, o Corinthians foi às redes sociais cobrar créditos pela frase, de forma bem-humorada.
- Alô, Flamengo! O post ficou muito legal. Parabéns! Só faltou o crédito do texto: Fiel Torcida do Corinthians.
O Flamengo retribuiu com uma foto de um de seus mais recentes reforços, o atacante peruano Guerrero, ex-Timão. Pediu desculpas por tudo, respeitando "a segunda maior torcida do país". O Timão respondeu pedindo mais uma vez o crédito, lembrando que é o clube brasileiro com maior número de seguidores na rede social. Mais um desdobramento das eternas discussões de mesa de bar. Agora oficial na internet. 
Na opinião do gerente de conteúdo digital do Corinthians, André Stepan, a ação deu resultado, pois os clubes se trataram o tempo todo com muito respeito. Além de facilitar a troca de informações e aproximar os departamentos de marketing e comunicação, ele torce para este tipo de iniciativa num curto prazo estreite a relação entre os outros setores dos clubes. Para isso, saber até que ponto pode ir a brincadeira é fundamental. 
- No caso do Flamengo, a gente se respeitou o tempo inteiro. Nós pedindo crédito e eles usando a imagem do Guerrero. As instituições ficaram dentro de um limite e promoveram uma brincadeira que faz parte da essência do futebol. Corinthians, Flamengo e demais clubes são instituições centenárias com milhões de torcedores. Uma relação intensa, que envolve paixão e onde muitas vezes ocorrem extremos. Daí a importância de saber brincar e manter o limite e o respeito. 
O gerente de conteúdo rubro-negro, Artur Muhlenberg, também vê com muitos bons olhos a gozação entre os dois clubes e os demais. 
- No caso do Corinthians, conversamos apenas após as primeiras provocações. No Flamengo, nosso foco é o clube em si. Afinal, o Flamengo é o rival preferencial de todos os outros clubes. Estamos sempre abertos a fazer ações com clubes coirmãos, mas muito mais importante do que a proximidade geográfica do clube é a força de audiência que ele traz. A troca de provocações com o Corinthians, por exemplo, gerou enorme engajamento para os dois lados. E juntos alcançamos resultados que nenhum dos clubes conseguiria isoladamente. E que não é qualquer clube que consegue gerar.

Muhlenberg ressaltou que no caso do Flamengo os posts que retratam maior engajamento são publicados no momento das partidas, especialmente na hora do gol. Citou que a audiência do site do clube teve um crescimento de 54% e mostrou preocupação em não disseminar a violência na horas das provocações. Bom humor e bom senso são sempre fundamentais.
Que o diga o Corinthians. O clube provoca mesmo. Sempre com o foco no futebol. Recentemente, o Santos foi sua vítima. Exatamente uma semana atrás, quando fez um ano da goleada alemã sobre o Brasil por 7 a 1 na Copa do Mundo de 2014, o Timão relembrou no Twitter o seu "eterno 7 a 1", mas sobre o rival praiano, no Brasileiro de 2005. O Peixe deu logo o troco, citando os 5 a 1 do Paulistão do ano passado. Ricardo Cardoso, gerente da Social Media do clube, alegou que houve cobrança da torcida santista.
- Não foi proposital. Chegamos aqui e vimos que tinham provocado. A torcida do Santos cobrou depois que o Corinthians fez, vimos a reação dos torcedores. Pensamos na resposta e respondemos. Acredito que o Corinthians já esperava. Após a resposta, vimos a reação. Nós sempre vemos, damos uma olhada nos comentários, no Twitter, no Facebook. A torcida sempre retuíta e comenta nas publicações. Participa bastante. Temos só de tomar cuidado para não extrapolar.
Santos Twitter (Foto: Reprodução)Santistas provocam os corintianos no Twitter pela goleada de 5 a 1 no Paulistão de 2014 (Foto: Reprodução)


Essa é um das principais preocupações do Cruzeiro, que ainda não aderiu totalmente à ideia. O diretor de marketing celeste, Marcone Barbosa, afirmou que o clube evita provocação mútua e grosseira. Segundo ele, as redes sociais adotam a linguagem da arquibancada, o que acaba sendo um prato cheio para o torcedor, principalmente aquele que adora fazer piada com o adversário. Ao perceber que o seu próprio clube faz isso, ele fica ainda mais interessado em curtir, compartilhar, enfim, o engajamento é muito maior. Recentemente, a Raposa se associou ao Monaco para uma troca de publicações em seus sites, no sentido de dar mais impacto e tornar o outro clube o segundo no coração dos respectivos torcedores. Isso não impede que uma provocação aconteça, principalmente com o seu maior rival, sempre que a Raposa tem êxito numa competição, mas com o máximo cuidado para não extrapolar.
 A linha entre o certo e o errado é muito tênue. Gosto da ferramenta, mas é preciso habilidade para usá-la
Marcone Barbosa
- Embora repercuta muito bem com o torcedor, é preciso analisar as consequências que a publicação vai ter no clube rival, no torcedor adversário e, principalmente, nos profissionais que lá trabalham. Afinal de contas, no futuro eles podem trocar de lado. Quem trabalha com mídias sociais precisa ter bastante cautela para não errar a mão. A iniciativa pode ser um sucesso ou um fracasso. A linha entre o certo e o errado é muito tênue. Gosto da ferramenta, mas é preciso ter habilidade para usá-la - afirmou Marcone ao se lembrar de um episódio ocorrido em 2009, quando o Cruzeiro deu a entender no seu site oficial que o Atlético-MG era uma espécie de flanelinha por ter guardado a vaga na Libertadores para a Raposa após ficar o Brasileiro quase todo nas primeiras colocações.  
O diretor de marketing lembra que a cutucada ainda pode ser feita sem citar o adversário diretamente. Segundo ele, ao colocar na capa do site "maior clube de Minas" se referindo ao número de títulos, a abordagem é mais sutil, pois neste caso o torcedor precisa precisa ter um olhar mais abrangente. Por essas e outras, o Palmeiras, outro clube originado de colônia italiana no Brasil, pensa duas vezes antes de fazer um post. Mas não resistiu após a décima quarta rodada do Brasileiro. A vitória sobre o Santos o deixou com três triunfos sobre os rivais paulistas - havia vencido também o Corinthians e o São Paulo. "Derrotas em clássicos... Esta pasta está vazia" faz o Verdão ser mais um a entrar na boa e eterna gozação, agora oficial e com a ferramenta da Internet forte para aumentar a repercussão.
- O clube procura usar suas mídias sociais para interagir com seu torcedor, promovendo, divulgando e enaltecendo nossas ações - afirma o presidente Paulo Nobre.
Com os torcedores apoiando e cobrando cada vez mais a participação dos clubes neste tipo de ação nas mídias sociais, a tendência é o grupo crescer, mostrando que apesar da rivalidade em campo é possível conviver em harmonia.  
Palmeiras tira onda no Twitter: nenhuma derrota em clássicos no Brasileirão (Foto: reprodução / Twitter)Palmeiras tira onda no Twitter: nenhuma derrota em clássicos no Brasileirão (Foto: reprodução / Twitter)

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