segunda-feira, 6 de julho de 2015

Legado Bielsa: técnicos finalistas da Copa América são discípulos do Loco

Jorge Sampaoli, pelo Chile, e Tata Martino, da Argentina, têm estilo moldado pelo treinador, mostram admiração, mas também têm características diferentes do mentor

Por Rio de Janeiro
O bailar de Jorge Sampaoli e Tata Martino pela área técnica durante a final da Copa América era parecido: cabeça baixa, apreensão, gestos curtos, mas passos firmes e frequentes. De um lado para o outro. Naqueles momentos de tensão antes do título chileno era possível confirmar a influência de um conterrâneo dos dois, que, mesmo longe, esteve representado na decisão: Marcelo Bielsa, o Loco. 
Os dois treinadores finalistas são discípulos de Bielsa, hoje trabalhando no Olympique de Marselha, da França. O gestual durante o jogo é o detalhe menos relevante, mas o mais revelador. Bielsa é igualzinho: anda como um louco, parece sugado pela ação de dentro das quatro linhas. Mas a influência do Loco vai além: tem a ver com questões táticas, com filosofia de jogo, até mesmo com o trato dado à imprensa. 
Sampaoli e Martino têm a carreira ligada a Bielsa. Os três são da mesma província na Argentina: Santa Fé. O técnico do Chile nunca trabalhou com o ídolo, mas o reverencia e aplica os mesmos conceitos nas equipes que comanda. Não à toa, assumiu uma seleção órfã após a saída do Loco - entre os dois, outro argentino, Claudio Borghi, não convenceu. Tata não tem o distanciamento característico entre fã e ídolo; na verdade, teve seus últimos anos como jogador sob o comando de Bielsa, no Newell’s Old Boys, no início dos anos 1990, quando a equipe foi bicampeã argentina e encantou pelo bom futebol praticado. 
- Bielsa definiu um estilo de jogo, assim como Menotti nos anos 1970 e Bilardo nos anos 1980. Ele se diferenciou dos demais técnicos argentinos da história por ter uma maneira de jogar diferença. Sua primeira referência era Van Gaal – explicou Juan Pablo Mendez, jornalista argentino do “Olé”. 
Montagem Sampaoli, Martino e Bielsa (Foto: Globoesporte.com)Sampaoli, Martino e Bielsa: todos argentinos de Santa Fé e com estilo parecido de jogo (Foto: Globoesporte.com)
Correr, pressionar e atacar
Em campo, a filosofia é clara: correr, pressionar, atacar. Na final, o Chile levou a máxima à perfeição. Messi parecia sempre cercado por quatro rivais; a velocidade com que a bola rodava era altíssima; La Roja havia virado a protagonista do duelo. Até mesmo o esquema tático era parecido: o 3-3-1-3 desenhado por Bielsa era perceptível na estratégia de Sampaoli. Martino, apesar da armadilha em que se viu preso no jogo derradeiro, fez sua Argentina joga da mesma maneira durante a Copa América. 
marcelo bielsa chile (Foto: Agência Getty Images)Marcelo Bielsa durante sua passagem pelo Chile (Foto: Agência Getty Images)
Entretanto, há diferenças. Bielsa, uma vez, havia dito que considerava muito mais difícil construir do que destruir; havia inúmeras maneiras de realizar a primeira tarefa, enquanto a segunda consistia no esforço. O trabalho defensivo do Chile contra Messi mostrou mais refinamento por parte de Sampaoli; Martino, em sua etapa na seleção paraguaia, entendeu que não poderia jogar da mesma maneira e deu mais atenção à retaguarda. Após o título, o próprio Sampaoli afirmou que já começa a se seguir em frente, deixando para trás os tempos em que gravava as coletivas de Bielsa para escutar num walkman enquanto corria.
- Tenho a base de Bielsa, mas a forma é diferente. Ele joga mais direto e não tem tanta posse de bola como eu busco. Mas antes, na Universidad de Chile, era mais parecido – disse o treinador. 
Não há ingratidão, porém. Sampaoli chegou à seleção chilena graças ao ótimo trabalho em La U, justamente sua fase mais “bielsista”. E La Roja, órfã do treinador que encantou o país entre 2007 e 2011, viu ali o substituto perfeito. 
- Sampaoli já se definiu como bielsista. Isso o ajudou a ser o técnico do Chile, porque Bielsa deixou uma imagem muito boa. 
Jorge Sampaoli - Chile x Argentina - Copa América (Foto: Reuters)Sampaoli se lamenta: técnico é frenético na área técnica, assim como Bielsa (Foto: Reuters)
Influência extracampo
Fora de campo, as semelhanças não se limitam ao caminhar frenético. Sampaoli, por exemplo, não concede entrevistas exclusivas, seguindo as ideias de Bielsa – Guardiola, outro “discípulo” do Loco, tomou a mesma decisão. Tata Martino está sempre de agasalho técnico, como o tutor – nada de terno e gravata. 
- Todos dão muita importância ao físico e estudam muito o rival – definiu Mendez. 
Tata Martino expulso  (Foto: EFE/Mario Ruiz)Tata Martino na Copa América: técnico foi jogador de Bielsa no Newell's (Foto: EFE/Mario Ruiz)
Martino, aliás, foi influenciado por Bielsa ainda como jogador. Quando retornou ao Newell’s no início dos anos 1990, estava no fim da carreira. Meio-campista técnico, nunca teve a fama de raçudo. Isso mudou com El Loco no comando – o próprio Tata admite que se tornou um jogador mais completo após trabalhar com o tutor. 
A trajetória de Martino tem semelhanças com a de Bielsa. O atual comandante da Argentina treinou o Newell’s entre 2012 e 2013 e transformou seu time num dos melhores da América do Sul, com estilo parecido ao do seu mentor. A partir daí, a carreira decolou: passou pelo Barcelona e assumiu a Albiceleste. Curiosamente, enfrenta um problema parecido com o do Loco: a sala de troféus não é das mais extensas – cada um ganhou quatro títulos até agora.  
Nada que incomode o mentor, que já disse há alguns anos uma frase que define seu estilo:
- O êxito é apenas uma exceção que ocorre de vez em quando. 

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