terça-feira, 29 de novembro de 2016

Mário Sérgio, um craque de visão fora do comum capaz de inspirar até R10

Tragédia da Chape leva o Vesgo, que lançava a bola para um lado olhando para outro. Como técnico, dirigente ou comentarista, nunca fugiu das polêmicas

Por Rio de Janeiro
Um  dos personagens mais interessantes e polêmicos, fosse como comentarista, jogador, técnico ou dirigente, saiu de cena nesta terça-feira em meio à tragédia do voo da Chapecoense. Fica difícil definir resumidamente quem foi Mário Sérgio Pontes de Paiva, o Mário Sérgio, morto aos 66 anos na queda do avião. Craque de bola que brilhou nos gramados dos anos 1960 aos 1980 com personalidade forte e habilidade rara, ganhou o apelido de Vesgo pela facilidade ao lançar a bola para um lado olhando para o outro. O gesto que mais tarde ganharia o mundo como uma das marcas de Ronaldinho Gaúcho já tinha sido consagrado nos pés do Vesgo. Era assim que ele enganava seus adversários e tocava sua vida futebolística.
Mário Sérgio era um malabarista da bola, daqueles capazes de jogadas geniais e decisivas. E fica difícil também dizer qual foi sua melhor versão. Ponta-esquerda, depois meia, foi campeão mundial no Grêmio, carioca na Máquina do Fluminense, brasileiro no Inter, baiano no Vitória. Marcante também no Botafogo, Palmeiras, São Paulo. Estava no voo da Chape não como jogador, técnico ou dirigente, mas para exercer a atividade à qual vinha se dedicando nos últimos anos: seria o comentarista do Fox Sports na final da Sul-Americana.
- Ronaldinho certamente se inspirou no Mário, que era um ídolo no Rio Grande do Sul. Tínhamos inclusive uma relação familiar - declarou Assis, irmão de R10, ao GloboEsporte.com.
Mario Sérgio programa Arena (Foto: Editoria de Arte)Antes de ingressar no Fox Sports, Mário Sérgio trabalhou programa Arena SporTV (Foto: Editoria de Arte)
O começo do carioca Mário Sérgio foi no futebol de salão do Fluminense. De lá rumou aos gramados da Gávea, para o Flamengo, onde começou a se destacar pela técnica em 1969, mas encontrou no duro treinador Yustrich seu maior adversário - não só pela irreverência, mas também porque ostentava cabelos longos.
Um belo dia, fez embaixadinha com a bola, a isolou para fora e disse que lá, com o técnico brigão, não mais jogaria. Daí em diante, Mário Sérgio aconteceu. Foi para o Vitória, outro rubro-negro, e se tornou um dos maiores, senão o maior ídolo do clube após o título baiano de 1972. Depois, correu alguns dos grandes clubes brasileiros e deixou sempre sua marca, ou pela habilidade nas jogadas de efeito ou pela polêmica nas atitudes. Assim era o Vesgo.
Mario sergio inter (Foto: Reprodução/Internacional)Mário Sérgio ao lado de Batista no inter campeão brasileiro de 1979 (Foto: Reprodução/Internacional)
Há quem diga que o melhor Mário Sérgio esteve na Máquina do Fluminense de 1975, montada pelo então presidente Francisco Horta. Jogou bola, sim, cercado de craques como Rivellino, Pintinho e Paulo Cezar Caju. Foi campeão carioca, mas ficou pouco tempo: logo arrumou encrenca com Horta e entrou no troca-troca com o Botafogo, onde encontrou companheiros com quem podia se identificar: habilidosos, mas com fama de polêmicos e indisciplinados: Perivaldo, Renê, Dé, Nilson Dias... De lá saiu sem títulos rumo ao Rosário Central, da Argentina, onde teve também curta passagem pelo temperamento explosivo. 
De volta ao Brasil, caiu como uma luva no Inter campeão brasileiro invicto de 1979. Dava, juntamente com o ídolo Falcão, o toque de qualidade à equipe. Ficou lá, mais tranquilo, até 1981. Mas, transferido para o São Paulo, pôs fim àquela estranha paz. Numa partida contra o São José, no Vale do Paraíba, incomodado com a provocação de torcedores rivais, saiu atirando para o alto com seu revólver calibre 38. No jogo de volta, no Morumbi, foi anunciado pelo locutor como "Mário Sérgio, camisa 11, o Rei do Gatilho".
Time de futebol de artistas e jogadores na década de 70: Arnaud Rodrigues, Nielsen, Rondinelli, Luiz Carlos Miele, Carpegiani e Paulinho da Viola; Betinho, Marinho Chagas, Doval, Mario Sergio e Mario Gomes (Foto: arquivo pessoal luiz carlos miele)Time de futebol de artistas e jogadores na década de 1970: da esquerda para a direita, Arnaud Rodrigues, Nielsen, Rondinelli, Luiz Carlos Miele, Carpegiani e Paulinho da Viola; Betinho, Marinho Chagas, Doval, Mário Sergio e Mario Gomes (Foto: arquivo pessoal Luiz Carlos Miele)
Sem títulos pelo Tricolor paulista, mas com várias atuações de encher os olhos, a ponto de quase disputar a Copa de 1982 pela Seleção, Mário Sérgio foi parar na Ponte Preta antes de ingressar no Grêmio do então atacante Renato Gaúcho. Lá, ao lado também de PC Caju, viveu seu momento mais vitorioso, na conquista do mundial interclubes em 1983. O Vesgo também deu seu show em Tóquio, nos 2 a 1 sobre o Hamburgo, da Alemanha. Mais tarde, fora do clube e de volta justamente ao rival Inter, seus lances com a camisa tricolor foram para uma fita de videocassete entregue nas mãos do menino Ronaldinho Gaúcho. E nele o garoto se inspirou.
Do Inter para o Palmeiras, e lá Mário Sérgio voava em 1984 até ser pego em exame antidoping. Foi encontrada cocaína na urina. Na época, houve a história da soda limonada que lhe teria sido oferecida na partida contra o São Paulo, mas nada ficou provado. E depois de passagens por mais alguns clubes como o Botafogo de Ribeirão Preto e o Bellinzona, da Suiça, Mário Sérgio encerrou a carreira de jogador em 1987, no Bahia, rival do Vitória, onde foi ídolo incontestável. Detalhe: resolveu parar no intervalo de uma partida.
Depois fez rodízio vivendo experiências como treinador, diretor técnico e comentarista (foi do SporTV e, atualmente, atuava no Fox Sports). Sempre com a língua afiada. Como técnico, foi do Vitória, Corinthians, São Paulo, Atlético-PR, Figueirense, Botafogo, Inter, Ceará. Como dirigente, do Grêmio, Vitória... Sempre polêmico, mas com pouca inspiração. No Botafogo, chegou a passar pela situação inusitada de assumir o clube no lugar de Cuca, perder três jogos e pedir demissão antes do retorno do próprio Cuca.
Mario Sérgio internacional treino (Foto: Agência Estado)Como técnico do São Paulo, Mário Sérgio viveu mais uma de suas polêmicas: foi o único na história do clube a vetar o goleiro Rogério Ceni a cobrar faltas (Foto: Agência Estado)
Como treinador do Corinthians, em 1993, esteve perto de chegar à final do Brasileiro depois de uma série de 15 jogos sem perder. Como legado, lançou o volante Zé Elias, que se tornaria ídolo. Saiu porque teve problemas com dirigentes. De volta ao banco de reservas em 1998, pelo São Paulo, só durou 10 partidas, e saiu do Morumbi como único técnico a vetar Rogério Ceni como cobrador de faltas. Ainda assim, recebeu do goleiro, em sua saída, uma camisa assinada. Eles sempre tiveram boa relação.
Mário Sérgio chegou mais perto de um título no vice-campeonato brasileiro de 2009, com o Inter. Ele substituiu o atual comandante da seleção brasileira, Tite, na reta final da competição. A missão era tentar uma arrancada rumo ao título. E quase conseguiu. Com seu estilo enérgico, fechou-se com o elenco, bateu de frente com a imprensa e isso deu resultado. Chegou à última rodada em condições de ser campeão. No Beira-Rio, fechou o Brasileiro com goleada de 4 a 1 sobre o Santo André, mas o Flamengo venceu o Grêmio por 2 a 1 no Maracanã, e ergueu a taça.
Se como técnico não teve a mesma projeção dos tempos de craque com a bola no pé, o Vesgo conseguiu algo raro nos dias atuais: em jogo de entrega de faixas num Gre-Nal, Mário Sérgio, de volta ao Colorado, saiu de campo com duas faixas - campeão mundial pelo Grêmio e estadual pelo Inter - sem ser vaiado por torcida alguma. Esse era o Vesgo Mário Sérgio.
Info QUEDA AVIAO Chapecoense J (Foto: infoesporte)(Foto: Infoesporte)

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