terça-feira, 24 de março de 2015

Acaba não, mundão! A doce vida de Aloísio Chulapa no reino de Atalaia

GloboEsporte.com passa um dia com o atacante campeão mundial com o São Paulo e vê de perto a famosa parceria entre ele e seus "danones"

Por Atalaia e Santana do Ipanema, AL

O engradado repousa ao lado de um freezer. O freezer é vizinho de uma geladeira. A porta da geladeira é personalizada: tem uma imagem quase em tamanho real de Aloísio Chulapa e duas frases exclamativas – "super gelada!" e "amo danone!!". Aproxima-se a madrugada, e dentro do engradado jazem, abandonadas, 13 garrafas vazias. Paira um raro silêncio naquele canto de Atalaia, interior de Alagoas, quando Chulapa escreve algo no celular, dá um tapa na mesa, aponta para um amigo e diz:

- De um a dez!

- Seis!

- De um a seis!

- Três!

- De três a seis!

- Quatro!

- Beeeeeeeeeeeeeeeebe!

E o amigo de Chulapa precisa virar um copo de cerveja, enquanto o atacante mostra o número quatro escrito no celular e gargalha, gargalha, gargalha como o mais feliz dos seres humanos. Não é por acaso que ele carrega um lema repetido à exaustão: "Acaba não, mundão!"

- Mas por que essa frase, Chulapa?

- Porque o mundo é bom demaaaaaaaais.

- Tá, mas e se o mundo acabar?

- Não pode acabar, não. Ó que mundão bom esse aqui, meu Deus do céu. Os amigos, a família, uma comidinha gostosa. E o danone, claro – filosofa o jogador, que em seguida beija seu copo de plástico com um carinho quase comovente.
 Aloísio Chulapa (Foto: Alexandre Alliatti)Aloísio Chulapa se diverte ao contar histórias em sua casa, em Atalaia-AL. Ao fundo, geladeira personalizada avisa o que todos que o conhecem já sabem: "Amo danone" (Foto: Alexandre Alliatti)


Danone é o apelido de Aloísio Chulapa para a cerveja. Ele roubou o termo de Adriano. Os dois se conheceram nas categorias de base do Flamengo e depois se reencontraram no São Paulo. Quando o Imperador chegou ao Morumbi, convidou Chulapa para "tomar um danone". Aloísio não entendeu patavinas. E reagiu: "Tá doido, irmãozinho? Que papo é esse de tomar danone? Até parece que não me conhece! Vamos tomar é uma cerveja!". Adriano abriu um sorrisão e logo explicou: "Pois é isso mesmo, parceiro. Danone com colarinho!." 

Daquele dia em diante, danone deixou de ser marca de iogurte, e cerveja nunca mais foi chamada de cerveja por Aloísio José da Silva, 40 anos, nascido em Atalaia em 27 de janeiro de 1975, campeão mundial com o São Paulo em 2005, ex-jogador de clubes como Flamengo, Vasco e Paris Saint-Germain e atual atacante do Ipanema Atlético Clube, da cidade de Santana do Ipanema, alto sertão de Alagoas – estado que é seu habitat natural, seu verdadeiro lar. 

O GloboEsporte.com foi até lá. Acompanhou um treino de Chulapa e depois pegou carona com ele até sua cidade natal, Atalaia, onde jantou com o jogador e acompanhou de perto sua famosa relação com o danone (os autores deste texto garantem não ter ingerido qualquer líquido que não esteja de acordo com as mais antigas regras do bom jornalismo). Entre um gole e outro, o velho Chula emenda grandes histórias – da perda de um dente ao tentar beijar uma menina na Praia do Flamengo à imitação de uma galinha para conseguir comer em um restaurante francês – e conta sua história de sobrevivência. 
OS REINOS DE CHULAPA
 Aloísio Chulapa (Foto: Alexandre Alliatti)Aloísio Chulapa no Ipanema, seu clube do momento (Foto: Alexandre Alliatti)
Uma cabeça gigante do escritor Graciliano Ramos fica entre Atalaia, onde Chulapa nasceu, vive e sorve seus danones, e Santana do Ipanema, onde ele treina e joga. A Mitsubishi preta do jogador percorre os quase 200km entre as duas cidades em cerca de duas horas. O rádio está sempre ligado, e a música avisa: "Meu pai é f.../ Eu sou f...nha/ Meu pai pega as coroa/ E eu pego as novinha." Pela janela do carro, é possível ver a paisagem explorando a paleta de cores - de um amarelo-palha a um verde-musgo. É uma vastidão – e é bonito. Pelo caminho, ficam o povoado de Mata Burro e a cidade de Minador do Negrão. O pórtico de entrada de Dois Riachos é uma homenagem à jogadora Marta, sua filha mais ilustre, e um campinho de futebol capricha além da conta no inglês ao fazer reverência a ela: "The best of in the world."

A Aloísio Chulapa, o futebol deu o mundo. Mas é com aquele cantinho do planeta, cravado no Brasil, tatuado em solo alagoano, que ele efetivamente se importa. Ali estão seus reinos. 

- Atalaia é o melhor lugar do mundo. É minha Paris. Se eu fosse prefeito da minha cidade, sabe o que eu faria? Daria metade da prefeitura pro povo: "Cês querem que eu faça o quê?" Aí vou lá e faço. Quero minha cidade igual Paris, com uma rua brilhosa, aquele monte de árvore bonita, tudo aquilo. Sabe aquelas ruas que tem lá, Champs-Élysées, Saint-Germain? Meu sonho é fazer igualzinho em Atalaia.
 Aloísio Chulapa (Foto: Alexandre Alliatti)Aloísio Chulapa passa a semana em Santana do Ipanema, onde mora em um hotel simples (Foto: Alexandre Alliatti)


Cerca de 50 mil pessoas vivem em Atalaia, e nenhuma delas chega à sola dos pés de Chulapa em fama. Ele é a maior celebridade local – conforme circula pelas ruelas, baixa o vidro de seu carro e acena repetidas vezes para conhecidos. Mora em uma casa grande, de dois pavimentos, com uma piscina ornada por um golfinho. Um portãozinho cravado em um muro branco leva à casa de sua mãe, dona Maria, que ele carinhosamente chama de jararaca (!). A voz de Chulapa muda de tom quando ele fala dela – como se banhada de ternura. É o grande amor da vida dele, a responsável por sua criação (o pai morreu de ataque cardíaco quando ele tinha 13 anos). E uma bela companheira de copo, garante ele.

- Eu bebo com ela na casa dela, ela bebe comigo na minha casa. Quando a gente tá bêbado, ela pega o portãozinho e vai direto pra casa dela. Uma vez, choveu, e tinha uma tábua que levava pra casa dela. Choveu tanto, que a água cobriu um pouco a tábua. De tão mamada que ela ficou comigo, ela foi atravessar, escorregou na tábua e caiu. Quando cheguei lá, ela tava com as perninhas pra cima. Tava se afogando, a bichinha! A véia é f... – diverte-se Aloísio.

- O que ele não conta é que ele foi me ajudar e também caiu – retruca depois dona Maria.

Chulapa, porém, tem ficado pouco em Atalaia. É em Santana do Ipanema, seu outro reino, que ele passa a maior parte do tempo. Quando foi contratado pelo clube local, já recebeu da diretoria o direito a frequentar um hotel extremamente simples, acoplado a um posto de gasolina, para não precisar fazer o trajeto até Atalaia todos os dias. Aloísio gosta de dirigir, mas fica cabreiro com a estrada. Muitos animais cruzam a via, e acidentes não são exatamente raros. O jeito é ficar em Ipanema mesmo.

O que está longe de ser um problema para Chulapa. Ele também está em casa ali. Sua chegada catapultou as atenções sobre o Ipanema, campeão da segunda divisão alagoana no ano passado e que, com o reforço de Aloísio, namorou uma vaga na fase final do primeiro turno do estadual – ficou fora no saldo. Ele ainda não fez gols, mas tem jogado bem para os padrões de um atleta que se aproxima do fim da carreira. Foi considerado o melhor em campo na vitória de 2 a 0 sobre o CSA, resultado mais expressivo do time no campeonato. Na estreia na Copa Maceió, o segundo turno do estadual, o Ipanema levou 2 a 0 do Santa Rita, e Chulapa mandou uma bola na trave. Na partida seguinte, ele não atuou: derrota de 3 a 0 em casa para o ASA.
 Aloísio Chulapa (Foto: Alexandre Alliatti)Chulapa com os colegas de time: astro da equipe que disputa o Campeonato Alagoano (Foto: Alexandre Alliatti)
Mas talvez o grande capital da presença de Chulapa por ali seja fora de campo. Os patrocinadores do time comemoram – o Galego das Motos, por exemplo, não tem do que reclamar sobre o crescimento na visibilidade de sua marca. Para os atletas, além da oportunidade de dividir o campo com um campeão mundial, existe o peso diplomático do quarentão: quando Aloísio sente que o elenco precisa de alguma coisa, vai lá e cobra a diretoria. Tem moral para isso. Também tem moral para dispensar alguns treinos. Quando o GloboEsporte.com esteve em Santana do Ipanema, na tarde de 11 de março, ele não participou da atividade – tinha uma reunião de negócios. Apareceu só para encontrar a reportagem – e aí bateu bola rapidinho. Logo ficou ofegante.

- Não dá mais. Esse ano eu paro mesmo. Tá decidido. Mas quero jogar o segundo semestre ainda. 
 Aloísio Chulapa (Foto: Alexandre Alliatti)Aloísio Chulapa em casa, com o inseparável danone (Foto: Alexandre Alliatti)
Dar os últimos passos da carreira em Alagoas gera um sentido cíclico à trajetória de Chulapa. Lá foi a origem de tudo. Ele começou jogando nos campinhos de várzea. Era disputado pelos times amadores locais – que davam um bujão de gás como pagamento por seus gols. Desde a morte do pai, Aloísio teve que trabalhar para ajudar a mãe, que se virava em dois empregos: em uma escola e em uma churrascaria, onde pegava sobras de comida dos clientes e levava para casa. Adolescente, Chula foi à luta em uma usina, em uma fazenda de cana e também em um restaurante, como garçom. A labuta era pesada: incluía cortar cana, pegar os restos delas e jogar em um caminhão, carregar feixes. Com 15 anos, recém-chegado à fazenda, não conseguiu aguentar o peso que ergueu. "Ih, esse aí não tem força", disse um sujeito. A força, moldada sob o sol dos canaviais, acabaria sendo a principal arma de Chulapa como jogador.

O início de carreira de Aloísio foi uma maluquice. Um belo dia, ele foi informado de que estava demitido da usina onde trabalhava. Estava à beira dos 18 anos. Foi mais ou menos na época em que conseguiu autógrafos de alguns de seus ídolos do CRB. Aí Márcio Pereira, zagueiro da cidade, que estava no clube da capital, acostumado a padecer com o atacante nas peladas, chegou para a diretoria e avisou que em Atalaia tinha "um neguinho doido trombador". Passada uma semana, Chulapa treinava com os atletas a quem tinha pedido os autógrafos.

- Cheguei lá e já me botaram pra treinar com o profissional. E já me levaram num amistoso em uma usina. Eu não acreditava que estava jogando com eles. Eu tinha pedido autógrafo pra eles uma semana antes! E tava com eles no ataque! Lembro que peguei uma bola, driblei a zaga todinha da usina, driblei o goleiro... o problema é que aí driblei até a trave. Perdi o gol. Mas o pessoal ficou numa resenha: "O neguinho é bom mesmo." Me deram um dinheiro, o dinheiro que eu levava uma semana pra ganhar, e entreguei pra minha mãe. Ela achou que era roubado. Falei: "Mãezinha, não é roubado, não. Foi com meu suor. Faça sua feirinha aí, porque estou indo morar lá em definitivo." Ela começou a chorar, se emocionou toda.

Chulapa começava a ganhar o mundo – aquele mundão que ele não quer que acabe nunca: Maceió, Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo; França, Rússia, Catar. E começava a costurar o emaranhado de histórias que poderia contar duas décadas depois, sentado à mesa de seu quintal, com os amigos em volta e de danone em punho.
OS CAUSOS DO CHULA

A cozinha de Chulapa tem uma chopeira. Em formato de bola. Para chegar lá, é preciso driblar a piscina, que fica ao lado de um muro com três imagens de Aloísio – feitas por um artista que ele contratou para aplicar os desenhos ali. Em uma delas, ele aparece abraçando Rogério Ceni no Japão, onde eles foram campeões mundiais em 2005. Chulapa deu o passe para Mineiro fazer o gol da vitória contra o Liverpool, e o goleiro teve a maior atuação da vida dele. Eles se adoram. Meses antes, porém, a situação não era bem assim.
 Aloísio Chulapa (Foto: Alexandre Alliatti)Aloísio Chulapa tem uma chopeira em formato de bola na cozinha de casa (Foto: Alexandre Alliatti)


Aloísio jogava pelo Atlético-PR, naquele mesmo ano, e foi para a final da Libertadores contra o São Paulo. No primeiro jogo, disputado no Beira-Rio, fez o gol do Furacão no empate por 1 a 1. Na volta, no Morumbi, revoltado por já estar perdendo por 2 a 0, foi chamado para uma conversa pelo goleiro adversário. Ali, no meio do campo, com a bola rolando, Ceni perguntou se ele gostaria de jogar no São Paulo. Chulapa ficou revoltado. Achou que era provocação, uma tentativa de desestabilizá-lo. 

- Olhei pra ele com uma raiva do cão. Falei pra ele: "Tá com medo de levar outro de cabeça, é?".

Dias depois, Aloísio Chulapa era jogador do São Paulo, em sua segunda experiência em um clube de massa. A primeira foi no Flamengo, quando se encantou com as maravilhas da cidade grande. Ele morou no bairro de mesmo nome do clube (fica comovido ao lembrar de um bar onde batia ponto ali nas redondezas). E frequentou praia homônima, o cenário de uma das situações mais desesperadoras (e divertidas) de sua vida.

Acontece que Chulapa ficou de olho em uma garota. Um amigo intermediou a aproximação, e o encontro deveria acontecer nas águas (não exatamente cristalinas) da praia carioca. O alagoano, louco de expectativa, até esqueceu que tinha acabado de implantar um dente, que ainda estava um tanto solto. Cego de amores, foi para dentro do mar, onde seu alvo já estava se banhando. Aproximou-se, todo carinhoso, abriu a boca para beijar a garota e, de repente, foi atingido por uma onda. Bem na boca. Direto no dente, que imediatamente se soltou da arcada e mergulhou mar abaixo. 

- Fui encostando e já dizendo: "Posso dar um beijinho?". E ela: "Pode." Aí fui dar a p... do beijo no pescoço dela. Aí abri a boca e veio a p... da onda toda na minha boca. E lá foi o dente! Fiquei procurando, desesperado, e ela: "Que foi???". E eu com a mão na frente da boca: "Nada! É que tá suja a água!". Foi o pior momento da minha vida. Nunca mais encontrei a p... do dente. Ainda falei pro meu amigo inventar pra ela que eu tive enxaqueca. Saí correndo de lá.
 Aloísio Chulapa (Foto: Alexandre Alliatti)Aloísio Chulapa lembra com carinho dos tempos de São Paulo (Foto: Alexandre Alliatti)
Aloísio foi banco do Flamengo na época do ataque formado por Romário, Sávio e Edmundo. Do Baixinho, guarda uma lembrança em especial: a Supercopa de 1995. Depois de fazer gol contra o Cruzeiro nas semifinais, Chulapa teve o nome gritado pela torcida no Maracanã, na decisão contra o Independiente. E ganhou o apoio do craque do time.

- A gente levou 2 a 0 na Argentina. E aí tinha que virar no Maracanã. Aos 20 do primeiro tempo, o Maracanã todo, com 120 mil pessoas: "Chu-la-pa, Chu-la-pa, Chu-la-pa!". Aí o Baixinho vem bem na frente do banco, olha pro treinador (Washington Rodrigues) e fala: "Não tá ouvindo, não, parceiro? Bota o homem." Ele já tirou alguém na hora! Na primeira bola que Sávio, Romário e Chulapa tabelaram, aquele goleiro, o Mondragón, veio com tudo nas minhas costelas. A bola sobrou, e o peste do Baixinho mandou o chute. Aí a gente foi atrás de fazer o segundo gol, mas perdemos o título. 

Chulapa não conseguiu se firmar no Flamengo – até pela forte concorrência no ataque. Foi se encontrar de verdade no Goiás, jogando ao lado de Fernandão e Alex Dias. De lá, garantiu transferência para a França, onde defendeu o Saint-Étienne e depois o Paris Saint-Germain. E onde viveu mais situações hilárias (sempre ao lado de Alex Dias)

- A gente chegou num restaurante, sem falar nada de francês, e ficou falando, apontando pra barriga: "FO-ME, CO-MI-DA." E nada de chegar comida pra gente. De repente, passou uma bandeja com frango, batata, arroz, meu Deus do céu. E a gente não conseguia pedir. Aí não teve como. Quando passou aquele frango, a gente levantou, começou a balançar os braços igual galinha e falando:  “COCOROCOCÓ! COCOROCOCÓ!” Aí eles entenderam, e a gente conseguiu comer. 
 Aloísio Chulapa (Foto: Alexandre Alliatti)Chulapa vê lances do PSG na televisão, que é cercada por lembranças da carreira dele
(Foto: Alexandre Alliatti)
Chulapa conta suas histórias enquanto bebe cerveja em um copo de plástico. Não gosta dos de vidro. Pelo telefone, vai convocando os amigos para que apareçam na casa dele. Está solteiro há pouco tempo. O aparelho de som treme com música sertaneja. A televisão passa lances da classificação do PSG sobre o Chelsea na Liga dos Campeões, e ele se vira para olhar os gols de seu ex-time. 

A tela fica abaixo de uma redoma de vidro que guarda as chuteiras que ele usou contra o Liverpool – as chuteiras do passe para o lendário gol de Mineiro. Em volta, há fotos da carreira dele e camisas que ganhou de amigos, sobretudo de são-paulinos: Rogério Ceni, Lugano, Jadílson. Chulapa é apaixonado pelo Tricolor. É são-paulino de infância. Quando Müller fez o gol do título mundial de 1993, ele era garçom em Atalaia – e derrubou cerveja nos clientes ao comemorar, eufórico, sem ter a mais vaga ideia da maluquice que a vida preparava para ele: que 12 anos depois seria campeão mundial de novo, e que desta vez estaria em campo. 

- No São Paulo, joguei por amor. Era amor mesmo. Eu comia a grama do Morumbi com aquela camisa. Amo esse clube. 
ACABA NÃO, MUNDÃO

Aloísio Chulapa é um sujeito extremamente simples. Sua educação escolar foi quase nula. Ele gosta de seu canto, de seus amigos, de sua família, de música caipira e de cerveja. Tinha tudo para, com o iminente fim da carreira, viver tempos de ocaso. Mas que nada: virou foi uma celebridade virtual.

É impressionante como Chulapa soube explorar as redes sociais. Em tempos de discursos pré-moldados e precauções que flertam com a paranoia, o atacante usa seus perfis para postar fotos e vídeos tomando cerveja, dançando, brincando com o público. Acumula erros de português nos textos e se diverte com isso. Chegou a divulgar um vídeo ensinando os seguidores a tomar um "danone duplo" – em que a cerveja de um copo cai dentro do outro conforme ele vai bebendo.

Há algo de personagem nisso. De bobo, Chulapa não tem absolutamente nada. Ele sabe do que o público gosta. Parece entender mais de marketing do que muito especialista no assunto. Quando uma câmera é ligada na frente dele, ele se torna mais expansivo, mais brincalhão. Mas é sempre, o tempo todo, uma figura muito divertida, que recebe com carinho os visitantes e gosta de jogar conversa fora. É muito bom papo. 
montagem Chulapa (Foto: Instagram)Postagens divertidas, geralmente com cervejas, tornaram Chulapa uma celebridade virtual (Foto: Instagram)


Ele vê o mundo por um prisma que, de tão dócil, tem algo de infantil. Quando encerrar a carreira, no fim do ano, pretende começar a construir a carreira de vereador em Atalaia. Já foi convidado para concorrer a prefeito, mas não topou. Motivo: acha que as pessoas vão falar mal dele e de sua família. Ficou irritado porque seus candidatos a deputado não foram eleitos no último pleito. Havia pedido aos amigos que votassem neles. Sentiu-se traído.

- A política às vezes é uma nojeira – resume.

Aloísio Chulapa orgulha-se de ter dado uma casa e um carro a todos seus familiares mais próximos. E de ter ajudado os melhores amigos. Investiu parte do dinheiro que arrecadou em imóveis. Terá condições de viver sem aperto até o fim da vida, provavelmente. 

E isso, para ele, basta. Quando criança, Aloísio e seus amigos, todos bastante pobres, tentavam entrar em um clube de Atalaia. Eram proibidos pelos seguranças – e pulavam os muros para brincar nas piscinas. Anos depois, em uma dessas viradas que parecem roteiro de filme, Chulapa acabou comprando o clube. Ele mantém uma escolinha para mais de 100 crianças – cuja inauguração contou com a presença de Rogério Ceni. Diz que tudo que quer na vida é ajudar quem precisa, certamente porque ele sabe o que é precisar.

- Lembro que uma vez eu estava na calçada, sentado assim, e via as mães passando com os filhos, pedindo um pedaço de pão, e aí eu olhei pro céu e falei que se um dia tivesse um dinheirinho, ajudava esse povo todo, tirava todo mundo da rua, colocava na creche. Aí fiz uma creche dentro desse clube. Isso foi em 99. Hoje são uns meninos e meninas tudo grandão.

Quando conta histórias assim, Aloísio entra em breve silêncio, como se contemplasse o que foi sua vida nesses 40 anos. De quando em quando, ele se levanta para abrir mais uma cerveja – serve primeiro os convidados, depois o próprio copo. Ao contrário da imagem que passa ao público, ele garante não beber todos os dias. Se tem jogo no domingo, por exemplo, garante que fica quarta, quinta, sexta e sábado sem o famoso danone. 

- Mas aí, depois do jogo, a gente junta a turma aqui. Acabou o jogo, já ligo pra eles. E não tem hora certa, não. Estando gelada, sou apaixonado. Tivemos um jogo aqui, de um amigo nosso. Fui jogar. Depois do jogo, a gente foi pro posto tomar. Foi no posto mesmo. Outro dia, a gente foi até sete da manhã. Quando eram três, a mulher tava acordada, puta da vida, e eu falei: "Desculpa, mas te falei, era a festa do ano. Se não conseguir dormir, pode ir dormir na casa da sua mãe, não tem problema". Aí a filhinha dela: "Não tem problema, tô vendo TV aqui, pode até aumentar o som se quiser. Só, por favor, troca esse CD" – conta Chulapa, rindo de se contorcer.

Aloísio garante que é resistente. Aguenta até tarde. Mas sabe sua hora. Quando percebe o momento, larga o copo, deixa a mesa e, em silêncio, vai para o quarto. Ninguém tenta interromper. 

Naquele 11 de março, porém, a noite avança, e ele não dá sinais de que vai parar tão cedo. As luzes já se misturam misteriosamente, há momentos em que as vozes parecem distantes, e as pálpebras ficam claramente mais pesadas - talvez pelo cansaço de um dia na estrada, presume-se. Conforme passa o tempo, as histórias ficam mais e mais engraçadas. Ri-se de qualquer coisa. Mas é preciso partir. 

Aloísio, na ponta da mesa mais próxima do freezer, levanta-se, acompanha os visitantes até o carro e, com um abraço em cada, se despede deles. Sua última frase ainda se mistura ao som do motor para quebrar o silêncio da noite:

- Ô, irmãozinho, depois manda essas fotos aí que você fez. Vou colocar no Instagram. Instagram do Chula vai bombar!

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